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LISTA DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS

5.10 Outros possíveis indicadores

Sabendo-se que o efeito crítico do chumbo se situa ao nível da cadeia de síntese do heme, a caracterização hematológica (através dos parâmetros do hemograma) desde logo foi equacionada como possível indicador da exposição. A sua total inespecificidade, contudo, retira-lhe qualquer validade de utilização, a não ser como complemento de investigação clínica em situações de avaliação diagnóstica.

Com base no conhecimento dos efeitos do chumbo sobre o organismo, a investigação científica tem procurado, continuamente, detectar novos indicadores que permitam melhor e mais facilmente servir as finalidades da mais eficaz e precoce vigilância das repercussões do chumbo sobre a saúde humana.

CARDENAS et al. investigaram mais de 20 possíveis indicadores em indivíduos expostos a chumbo (com Pb-S entre 36 e 65 µg/dL e um tempo médio de exposição de 14 anos). Detectaram uma interferência significativa do chumbo com a síntese renal de eicosanóides, resultando na diminuição da excreção urinária de 6-ceto-prostaglandina F (de acção vasodilatadora) e no aumento da excreção de tromboxano (de acção vasoconstrictora), associados com a Pb-S e a PPZ. Não estando, estas alterações, associadas a qualquer sinal de disfunção renal, sugeriram que se poderia tratar de alterações bioquímicas reversíveis, mas cujo significado será, ainda, desconhecido (CARDENAS et al., 1993).

Um particular interesse têm, aliás, despertado os indicadores relacionados com alterações da função renal.

O aumento da excreção urinária da enzima renal N-acetil-β-D-glucosaminidase (NAG), cuja actividade se considera ser um bom indicador da disfunção tubular, para avaliar efeitos renais ainda em fase de reversibilidade, foi detectado em várias investigações (MEYER et al., 1984; LAUWERYS e BERNARD, 1987; VERSCHOOR et al., 1987a; CORATELI et al., 1988, citado por CHIA, ONG e JEYARATNAM, 1991).

Este aumento foi também constatado, a níveis de plumbémia a partir de 20 µg/dL, por

CHIA, ONG e JEYARATNAM que, contudo, postularam que tal não se deveria a lesão das células renais com aumento da exfoliação mas, sim, a um aumento da exocitose da

actividade da NAG, cujo significado não é claro e será difícil de elucidar (CHIA, ONG e JEYARATNAM, 1991).

Também JUNG et al. investigaram a associação de parâmetros da exposição a chumbo (Pb-S, Pb-U, PPZ, ALA-D, ALA-U) com indicadores específicos da disfunção renal, em indivíduos expostos a chumbo. Verificaram que a urémia e os níveis urinários da NAG e da α1-microglobulina apresentavam elevadas correlações com os indicadores da

exposição a chumbo, sendo a α1-microglobulina a de variação mais precoce.

Assinalaram, ainda, que a pesquisa de efeitos precoces de disfunção renal, na exposição a chumbo, deveria ter em conta plumbémias de 40 µg/dL, devendo investigar-se, mais e melhor, a utilidade efectiva destes parâmetros (JUNG et al., 1998).

OMAE et al. estudaram, igualmente, a função renal em 165 trabalhadores expostos a chumbo (média de Pb-S de 36,5 µg/dL com variações entre 6 e 73 µg/dL). Não observaram alterações, associadas ao chumbo, nem da creatininémia, nem da β2-

microglobulina na urina, nem dos clearance da creatinina, da β2-microglobulina ou do

ácido úrico. Comparando os resultados do sub-grupo com mais de dez anos de exposição (Pb-S entre 26,1 e 66,6 µg/dL) em relação aos restantes, não constataram diferenças nos parâmetros da função renal. Sugeriram, assim, que a exposição de longo prazo, com plumbémias inferiores a 70 µg/dL, pode não determinar efeitos adversos na função glomerular ou na função tubular renais (OMAE et al., 1990).

E no mesmo sentido se pronunciaram ROELS et al., após estudarem a função renal em trabalhadores expostos a chumbo (entre 6 e 36 anos de exposição; Pb-S média de 43

µg/dL). Verificaram uma associação positiva entre o chumbo ósseo e o clearance da creatinina, a qual sugeriria que, na exposição moderada ao chumbo, se regista uma ligeira taxa hiperfiltrante que vem compensar o normal declínio do clearance com a idade. E concluíram que alterações renais adversas não são expectáveis quando os níveis de Pb-S se mantêm abaixo de 70 µg/dL (ROELS et al., 1994).

Numa outra perspectiva se situa a possibilidade de utilização do polimorfismo genético da ALA-D  enzima com dois alelos (ALA-D1-1 e ALA-D1-2).

Alguns trabalhos suportam a hipótese de que os indivíduos que possuem o alelo ALA-

D1-2 estariam mais protegidos contra a acção do chumbo por virtude de o metal ter uma

maior afinidade para a enzima assim constituída (SCHWARTZ et al., 1995; SITHISARANKUL et al., 1997; ALEXANDER et al., 1998b; SAKAI, MORITA e ARAKI, 1999). O interesse deste facto na vigilância de saúde dos trabalhadores expostos a chumbo está, porém, ainda por estabelecer (VYSKOCIL, VIAU e BRODEUR, 1993).

6.

Estratégias de Prevenção na Exposição Profissional a Chumbo: a utilização dos indicadores biológicos

O conhecimento das relações existentes entre a exposição profissional e as suas repercussões sobre a saúde dos trabalhadores expostos, adquire-se pelo estudo simultâneo dos factores ambientais e dos respectivos efeitos (UVA e FARIA, 2000). Qualquer estratégia de prevenção de um risco de natureza química implica, assim, a caracterização da exposição ambiental ao tóxico e a avaliação dos efeitos sobre o organismo dos trabalhadores. À universalidade do seu objectivo (eliminar ou atenuar o risco de efeitos adversos) contrapõe-se, contudo, a particularidade da sua aplicação, não podendo em cada contexto ser delineada e implementada sem o prévio entendimento das especificidades de cada realidade a que se destina.

Não basta quantificar o risco, quer pela presença do seu agente quer pela dimensão dos seus efeitos. Importa caracterizá-lo nas suas vertentes qualitativas, de modo a que sejam compreendidos o contexto em que a exposição se desenvolve e o conjunto de variáveis que influenciam, em maior ou menor extensão, de modo mais ou menos directo, a relação entre o tóxico/factor de risco e os trabalhadores a ele expostos.

Estando aqui em causa as consequências para a saúde determinadas por actividades que impliquem exposição ao chumbo (tóxico), importa reconhecer o conjunto de condicionantes que integram cada realidade do trabalho e perceber quais, de entre elas, influenciam e de que modo a exposição que se pretende caracterizar, primeiro e controlar logo depois. E, neste contexto, todas as questões são, à partida, valorizáveis: as características dos próprios trabalhadores, o seu grau de formação quanto ao risco em presença, os processos técnicos e as tecnologias utilizadas, as exigências físicas em causa, os mecanismos de protecção disponíveis, os ritmos e sistemas de laboração, as características das instalações, os equipamentos individuais de protecção utilizáveis são, entre outros, elementos a apreciar e sobre os quais importa identificar se e como influenciam a exposição dos trabalhadores.

É nesta perspectiva que a metodologia ergonómica de análise das situações de

trabalho, designadamente na óptica da designada corrente da actividade humana,

oferece um inestimável contributo para uma adequada caracterização do risco e consequente definição de medidas de correcção.

E é este conhecimento que oferece às quantificações ambientais e biológicas a valorização indispensável a uma adequada interpretação da interacção tóxico/organismo.

As manifestações clínicas do saturnismo dependem muito da sensibilidade individual e, dada a sua grande inespecificidade, designadamente na fase inicial, devem ser valorizadas com ponderação e rigor, valorizadas no quadro da exposição verificada e equacionadas sempre em função de testes complementares de diagnóstico, de que ressaltam o doseamento adequado dos indicadores biológicos pertinentes, quer de dose quer de efeito.

Ao Médico do Trabalho, no contexto de um programa de prevenção dos efeitos adversos relacionados com a exposição profissional a chumbo, competirá, assim, conhecer as manifestações clínicas da intoxicação, para as poder detectar na sua fase mais precoce mas, para além disso e fundamentalmente, saber utilizar os indicadores biológicos e interpretar a sua informação, de modo a avaliar a interacção do tóxico com o organismo numa fase ainda mais inicial, em que os efeitos são reversíveis.