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1.1 Forum Non Conveniens

RENÉ DAVID250 chama a atenção para a importância do conhecimento da lei dos outros países como forma de melhor se conhecer a própria lei, uma vez que isso ajuda na tarefa de interpretá- la e aperfeiçoá-la.

250

DAVID, René et al. Major Legal Systems in the World Today, An Introduction to the comparative study of law, Londres, The Free Press, 1878, p.4.

A identificação das alterações processadas permite evidenciar a necessidade de se rever algumas regras que permanecem em nossa legislação, em dissonância com o movimento de integração e cooperação jurisdicional internacional a que o Brasil se propõe.

As normas delimitadoras do poder jurisdicional têm, na lei interna, sua fonte primeira. A comparação de algumas legislações tomadas como referência, interpretadas pela jurisprudência dos respectivos tribunais, permite identificar dois principais sistemas de estruturação: o primeiro, utiliza o critério de delimitação a partir das normas de repartição da competência interna; o segundo, distingue com regras autônomas, as hipóteses de competência internacional.

Contudo, a preferência pelo segundo critério - o de regras autônomas - vem se fazendo sentir ao longo do processo de evolução, determinado, sobretudo pela necessidade de adaptação das leis nacionais às regras gerais consagradas nos tratados e convenções. Outra constante que pode ser percebida nas legislações mais recentemente revisadas é a referência expressa no texto legal aos princípios que informam as soluções do conflito de jurisdições. Dentre esses, como reflexo da crescente valorização das liberdades individuais em todos os setores da atividade humana, aparece com destaque o princípio da autonomia da vontade levado ao foro de eleição. Há uma nítida preocupação dos legisladores em editar normas que permitem incluí-lo como regra expressa de atribuição de competência internacional concorrente, e em alguns casos, até mesmo de exclusividade, contribuindo, desse modo, para a facilitação do reconhecimento das sentenças estrangeiras.

Dentro do modelo de cooperação e respeito à jurisdição estrangeira vêm sendo contempladas regras que permitem reconhecer os efeitos da litispendência internacional. A nova sistemática é vista como um esforço dos Estados visando conciliar o interesse público de cada um deles separadamente. Nesse sentido, fundamental o estudo da doutrina do forum non conveniens.

Forum non conveniens é o nome com o qual se denomina a doutrina que permite a uma Corte

declinar sua competência por considerar que os interesses da parte e da justiça estariam melhores atendidos em outro foro. Trata-se de uma técnica processual cujo propósito é fornecer subsídios para o julgador decidir, dentre as cortes competentes, qual a mais adequada a resolver uma controvérsia. 251

251

FRIEDENTHAL, Jack H. KANE, Mary Kay & MILLER, Arthur R. Civil Procedure. St. Paul, Minnesota, West Publishing Co. 1985. p.91

A doutrina do forum non conveniens não é uma regra de fixação da jurisdição, mas de sua correção. Ao contrário, pressupõe, de antemão, que a jurisdição exista, visto que a conexão entre o litígio e o foro é por si suficiente para tanto. O que se passa é que, em vista de determinados aspectos que melhor situam outro foro, entende-se por questão de justiça e equidade, que a possibilidade de exercicio da jurisdição nacional seja declinada em favor dessa autoridade estrangeira; quase uma transposição da jurisdição em lugar de uma simples denegação.

Essa doutrina surgiu, originalmente, nas cortes escocesas e atualmente é adotada em vários países que seguem a tradição jurídica da common law. Sua origem remonta ao século XVI, configurada pelo forum arrestment como critério exorbitante de atribuição de competência a tribunais escoceses. No século XVII, se criou um corretivo para se afastar as nefastas consequências do forum arresti: a teoria do forum non competens, cuja evolução levou ao forum

non conveniens, tendo como marco a sentença do caso de Clements v. Macaulay (1866), apesar

de que o termo forum non convenies não seria utilizado até a sentença de Macadam v. Macadam, em 1873. Contudo, foi com a sentença de Sim v. Robinow, (1892), que se iniciou a possibilidade de extensão do forum non conveniens a outros foros de atribuição de competência. Por último, foi a sentença de Société du Gaz du París v. Armateurs Françaises, (1926), que firmou jurisprudência (ruling case). Assim, a formulação dessa doutrina permitia aos tribunais escoceses declinar de suas competências em favor de tribunais estrangeiros, que pudessem conhecer do litígio, de forma mais conveniente, para o interesse das partes e os objetivos da justiça. 252

O Brasil não adotou expressamente essa doutrina, contudo, não há incompatibilidade com o sistema normativo nacional. O princípio pode ser efetivado através da suspensão do processo em deferência ao tribunal do outro país mais apropriado para o julgamento do caso.253 Evitar-se-ia o julgamento de uma lide por um Tribunal totalmente desconectado com a causa ou sem condições de acesso a elementos de prova. Tal solução pode ser aplicada por todos os países de civil law.

Antes, contudo, mister o estudo abreviado do instituto no sistema norte americano. Atualmente,

a doutrina do forum non conveniens apresenta uma formulação diferente nos Estados Unidos e na Inglaterra254. O propósito pretendido no trabalho é demonstrar que, na verdade, a doutrina do

252

BERNASCONI, C.; GERBER, A. La théorie du forum non conveniens – un regard suisse. IPRrax, 1994, p. 4.

253

ALI/UNIDROIT. Principles of Transnational Civil Procedure. Cambridge University Press, 2004.

254

Na Inglaterra a doutrina do forum non conveniens, até recentemente, estava associada, sobretudo, à prática de abuso processual por parte do autor na escolha do foro inglês. Assim, ao réu cabe provar que o autor, na propositura da ação perante um tribunal inglês, não tem qualquer outra intenção senão a de lhe impor um ônus indevido, procedendo, para tanto, em duas etapas: na primeira, o réu prova que existe outro foro estrangeiro mais apropriado, assim como o abuso na escolha do foro inglês (oppressive and vexatious); na segunda, o autor demonstra que, por

forum non conveniens, no Brasil, apesar de incompatível nos moldes norte-americano, em função

do alto grau de discricionariedade, traz uma importante influência: a necessidade de, em determinados casos concretos, haver flexibilização das normas de competência internacional, sob pena de menoscabo dos princípios constitucionais como do aceso à justiça, da igualdade e da Justa e efetiva tutela jurisdicional.

A teoria do forum non coveniens nasceu para fazer frente a foros exorbitantes, de modo que, levando em consideração seus aspectos originais, não seria equivocado entender se tratar de uma expressão anglosaxônica do princípio da proximidade ou jurisdição razoável.