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10 PRINCÍPIOS DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

10.6 PRINCÍPIO DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO

O professor HAROLDO VALLADÃO conceitua ‘imunidade de jurisdição’ como sendo“a isenção, para certas pessoas, da jurisdição civil, penal, administrativa, por força de normas jurídicas internacionais originalmente costumeiras, praxe, doutrina, jurisprudência, ultimamente convencionais, constantes de tratados e convenções.”136

SORIANO e ALFÉREZ explicam que os principais pressupostos da imunidade jurisdicional são três: a) imunidade do Estado estrangeiro e seus órgãos; b) imunidade das missões diplomáticas e consulares; c) imunidade de organismos internacionais. Cada um tem seu próprio regime jurídico.

A imunidade de Estados estrangeiros não está regulada em nenhuma lei positiva do ordenamento espanhol, assim como no Brasil. Contudo, processualmente é importante destacar alguns aspectos desse regime.

(i) A determinação da imunidade pelo juiz nacional exige o recurso a meios que sirvam para afirmar a existência e conteúdo de um costume internacional. A determinação é

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inerente à função jurisdicional e, portanto não está vinculada ao Ministério de Assuntos Exteriores.

(ii) A imunidade de jurisdição e execução são autônomas entre si: a imunidade de jurisdição é um limite ao acesso à jurisdição; a imunidade de execução opera em um momento posterior, frente a uma decisão do órgão jurisdicional a excluir sua execução forçada. A primeira não prejudica a segunda.

(iii) Quanto ao conteúdo específico da imunidade, vige o princípio da imunidade funcional ou relativa: os Estados estrangeiros gozam de imunidade de jurisdição e de execução apenas no que diz respeito a atos que tenham sido realizados exercendo sua autoridade (acta iuri imperii). Não se pode questionar um Estado estrangeiro por atos que impliquem o exercício de prerrogativas do poder público em execução de tarefas típicas do Estado (imunidade de jurisdição) nem executar bens afetados por esse exercício (imunidade de execução). De modo que só é possível questionar, judicialmente, atos provenientes de relações jurídicas privadas: atividades industriais, comerciais ou financeiras de mercado. Em caso de dúvida, deve prevalecer a regra in

dúbio pro jurisdictione, non pro immunitate. Em relação à imunidade de execução, o

relevante é a finalidade da afetação de determinado bem, se destinado a atividades de

iure imperii ou iure gestionis.

Modernamente, estabelece-se uma estrita limitação quanto à extensão da imunidade de jurisdição dos Estados, em função da natureza dos atos por eles praticados, sejam atos de imperio (jus

imperii) ou atos de gestão (jus gestionis), conforme se trate, no primeiro caso, de atividades

praticadas no exercicio de prerrogativas soberanas do poder público estatal ou, no segundo, de atividades típicas das relações jurídico-privadas internacionais. Assim, a imunidade jurisdicional dos Estados, em regra, não tem caráter universal, mas impede que eles sejam demandados juridicamente perante os tribunais de outro Estado por atos praticados no exercício de seu jus

imperii – salvo em caso expresso de renúncia a essa imunidade.

Contudo, os atos típicos da atividade civil/comercial internacional, cuja prática é irrestrita a qualquer particular, estariam excluídos da imunidade, por escaparem ao seu próprio fundamento. Nesses casos, o Estado estaria equiparando-se a um simples particular, permitindo seu chamamento perante um tribunal estrangeiro. Trata-se de uma evolução do caráter da imunidade dos Estados a que deixa de ter uma natureza meramente subjetiva ( o Estado era imune por sua própria condição de Estado) para exigir que também sejam levados em conta os aspectos

objetivos do ato praticado ( o Estado é imune apenas na hipótese daqueles atos praticados no exercício de sua soberania).

Apesar de no Direito Internacional ainda ser corrente o uso da nomenclatura ‘atos de império’ e ’atos de gestão’ para a dicotomia dos atos praticados pela Administração Pública, em vista de sua posição jurídica, o moderno direito administrativo faz a distinção com base em atos de Direito Privado praticados pela Administração e atos regidos pelo Direito Público, sendo os primeiros regidos, quanto ao seu conteúdo e efeitos, pelo Direito Privado.137

(iv) A imunidade é pessoal do Estado e de seus órgãos, incluídos as subdivisões políticas do Estado e organismos ou entidades que estejam autorizados a realizar atos no exercício de um poder ou função pública. Os chefes de Estado gozam de um regime privilegiado de imunidade absoluta durante seus mandatos.

(v) A imunidade é renunciável, tanto expressamente (p.ex. um acordo escrito), como por atos conclusivos (quando o Estado estrangeiro comparece e litiga sobre o fundo da matéria, sem excepcionar a imunidade). O mero comportamento passivo (o Estado não contesta) não pode ser entendido como renúncia, tampouco pode entender-se como tal o acordo de um Estado de aplicação da lei de outro Estado ou sua presença em um processo como mera testemunha. Para ser válida, a renúncia deve proceder de um órgão com autoridade para tal. A renúncia à imunidade de jurisdição não engloba a imunidade de execução, para a qual será necessária uma nova renúncia. O mesmo vale para o âmbito da arbitragem: a submissão a um procedimento arbitral não significa a renúncia à imunidade de execução.

(vi) A imunidade há de controlar-se ex officio. Não obstante, ao Estado estrangeiro deve- se notificar a existência de uma demanda para dar-lhe a possibilidade de exercitar esse direito de renúncia ou para prevenir uma classificação errônea pelo juiz nacional (p.ex. considerar como ato iure gestionis, o que na verdade é iure imperii)138.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 382.

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“Problema. Reconvención e inmunidad. La inmunidad jurisdicional es un privilegio para su beneficiário; por

consiguiente, puede actuar como demandante y beneficiarse de la tutela judicial de los tribunales españoles, pero puede invocar esa inmunidad si es demandado y librarse de la carga correspondiente. Se discute qué sucede si el Estado extranjero es objeto de reconvención frente a una demanda inicial de dicho Estado en el foro. En principio, la respuesta viene determinada por el objeto de la demanda reconvencional: si ésta se basa en la misma relación jurídica o en los mismos hechos, no cabe invocar la inmunidad de jurisdicción, si vas más allá, sí. Lo mismo debe de valer para una excepción de compensación”. SORIANO, Miguel V. e ALFÉREZ, Francisco J. Garciamartín. Op. cit. p. 64

Quanto à imunidade de missões diplomáticas e consulares, SORIANO e ALFÉREZ explicam que, nos termos das Convenções de Viena de 16 de abril de 1961 e de 24 de abril de 1963, ambas ratificadas pela Espanha e pelo Brasil139, essa imunidade, na prática, possui inclusive um âmbito mais amplo que a dos próprios Estados que representam. Enumeram-se algumas características:

(i) Os diplomáticos gozam de imunidade de jurisdição civil em razão de sua própria pessoa (ratione personae, para fins de garantia do exercício livre de suas funções – princípio do ne impediatur legatio), enquanto a imunidade dos Estados é vista por conta da natureza específica do ato praticado (ratione materiae).

(ii) A imunidade alcança os membros da família do agente diplomático, sempre que não sejam nacionais do Estado receptor. Os membros do corpo administrativo e técnico da missão, que não sejam nacionais do Estado receptor, gozam de imunidade relativa, limitada a atos realizados no desempenho de suas funções.

(iii) Essa imunidade não é renunciável pelo próprio diplomático; a razão é que a imunidade dos agentes diplomáticos é atributo e garantia do Estado de que representam.

(iv) A imunidade não exclui a possibilidade de se demandar o beneficiário dessa imunidade em seu próprio Estado.

(v) Os funcionários e empregados consulares gozam de imunidade por atos realizados no exercício das funções consulares. Em nenhum caso essa imunidade alcança as ações derivadas de um contrato que o interessado haja celebrado, explícita ou implicitamente, como agente consular, nem a acidentes de veículo, barco ou avião ocorridos no Estado receptor. Em princípio, os agentes consulares estão obrigados a comparecer como testemunhas.

(vi) Os bens das missões diplomáticas e consulares são absolutamente imunes à execução. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, em seu art. 22, parágrafo 3º, excepciona da jurisdição doméstica bens afetados ao serviço diplomático da Missão140.

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Convenção sobre Relações Diplomáticas foi promulgada pelo Decreto n. 56.435/65 e a sobre Relações Consulares pelo Decreto 61.078/67.

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Artigo 22. 1. “Os locais da Missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar

sem o consentimento do Chefe da Missão. 2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer instrução ou dano e evitar perturbações à tranqüilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade. 3. Os locais da Missão, seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução.” (grifo nosso)

Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal – STF já se pronunciou pela relativização da imunidade de jurisdição no processo de conhecimento contra Estado estrangeiro. No entanto, quanto à imunidade de execução, mantém-se cauteloso, em decorrência da inviolabilidade dos bens da Missão Diplomática, garantida pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961. Porém, vale ressaltar que a Corte Suprema tem admitido exceções a essa prerrogativa, quando se trata de bens não afetados à atividade diplomática ou em caso de renúncia expressa a tal prerrogativa.

Acerca do tema, manifestou-se o Ministro Celso de Mello:

É bem verdade que o Supremo Tribunal Federal, tratando-se da questão pertinente à imunidade de execução (matéria que não se confunde com o tema concernente à imunidade de jurisdição ora em exame), continua, quanto a ela (imunidade de execução), a entendê-la como prerrogativa institucional de caráter mais abrangente, ressalvadas as hipóteses excepcionais (a) de renúncia, por parte do Estado estrangeiro, à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens [...] ou (b) de existência, em território brasileiro, de bens, que, embora pertencentes ao Estado estrangeiro, não tenham qualquer vinculação com as finalidades essenciais inerentes às legações diplomáticas ou representações consulares mantidas em nosso País.141

O Superior Tribunal de Justiça também tem adotado um entendimento mais precavido em relação à imunidade de execução em matéria trabalhista, entendendo pela impenhorabilidade dos bens das Missões Diplomáticas, em atenção ao disposto na Convenção de Viena de 1961, conforme se vislumbra do acórdão colacionado abaixo:

RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. EXECUÇÃO MOVIDA CONTRA ESTADO