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10 PRINCÍPIOS DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

10.3 PRINCÍPIO DA PROXIMIDADE RAZOÁVEL: FORUM 94 EXORBITANTE

(jurisdictionally improper fora) e RAZOÁVEL

Considera-se que um foro é razoável quando o caso analisado apresenta uma vinculação suficiente com o Estado a que pertence o Tribunal responsável pelo julgamento. Em sentido oposto, os foros exorbitantes são aqueles que se caracterizam por acumularem grande volume de competência internacional a seus Tribunais, de modo desconectado com o propósito de beneficiar os nacionais do Estado competente.

Foros exorbitantes são situações que, apesar de desprovidas de qualquer contato relevante com o foro, fixam sua jurisdição em violação ao direito das partes envolvidas. É o caso, por exemplo, da nacionalidade como elemento de determinação da jurisdição, que sem justificar qualquer benefício específico em favor do nacional, pode gerar um grave prejuízo para o estrangeiro, ou vice-versa.

A razoabilidade ou não de um foro é aferida através do princípio da proximidade ou conexão

substancial da causa com o foro. Significa que, para o desiderato de determinar quando um

Tribunal possui jurisdição, mister se analisar a existência de um mínimo de contato razoável entre o caso analisado e o país sede do Tribunal.95 Assim, estes apresentam duplo elemento, de proximidade e neutralidade genéricas que não aparecem nas jurisdições exorbitantes. Tal controle permite ao Tribunal rechaçar jurisdições consideradas abusivas ou exorbitantes.

CARAVACA e GONZÁLEZ assim definem, como critérios de atribuição de competência ou critérios de conexão, ou seja, um ponto entre o the decidendum e a consequência jurídica. “Se entiende por foro de competencia judicial internacional la circunstancia presente en las

observância das razões que o informam se mostram mais relevantes que o respeito ao poder do Estado de, segundo sua conveniência, fixar o exercício de sua função jurisdicional.

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Fórum é a jurisdição onde se pressupõe deva ser apreciado o fato; palavra latina que também significa praça pública, lugar das assembléias públicas e dos tribunais; administração da justiça, foro, jurisdição; e como sinônimo de jurisdição indígena é que está sendo e será empregada. CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

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ALL, Paula Maria. Las normas de jurisdicción internacional en el sistema argentino de fuente interna. Revista Decita n. 04. Fundação Boiteux. 2005.

situaciones privadas internacionales, utilizada por el legislador para atribuir el conocimiento de las mismas a sus órganos jurisdiccionales.”96

Como visto, é dever do legislador e do aplicador da norma zelar pela não denegação de justiça e proporcionar às partes envolvidas ampla garantia de acesso à justiça, inclusive no que se refere ao desenvolvimento de um processo équo e justo para ambas as partes e à obtenção da tutela jurisdicional efetiva por aquela que demonstrar estar amparada do ponto de vista do direito material.

Ordinariamente, o reflexo do princípio da proximidade nas regras de competência internacional não se revela transfigurado sob a forma de uma regra geral positiva, que estenda a competência do foro a todas aquelas situações que apresentam um grau mínimo de ligação com aquele ponto. Na prática, entretanto, verifica-se a materialização do princípio da proximidade sob a forma de uma regra geral negativa, que estipula a competência genérica do foro a todos os casos, exceto àqueles que não guardem um vínculo mínimo predefinido pela lei ou pelos tribunais, de forma semelhante à experiência legal dos EUA. Lá, com base em construção jurisprudencial da Suprema Corte Federal da due process clause contida na décima quarta emenda à Constituição daquele país, desenvolveu-se a teoria dos minimum contacts, segundo a qual pode ser excluída a competência de um tribunal caso o réu ou a sua atividade que tenha dado causa ao litígio não apresente pontos de contactos mínimos com o foro, de forma a não ofender “traditional notions

of fair play and substantial justice” 97

Não basta que se identifique um elemento de conexão do litígio com o Estado tomado para seu julgamento, ainda que perfeitamente razoável, para que esteja automaticamente definida uma hipótese legítima de exercício da jurisdição. Há de existir uma apropriada e razoável base jurisdicional para reconhecer a seriedade da jurisdição exercida por um juiz estrangeiro. Para que um tribunal exerça de forma razoável sua jurisdição, é preciso que exista uma genuína e substancial conexão entre o caso e o tribunal. O standard da conexão substancial tem sido bastante aceito em disputas internacionais. A administração desse princípio envolve, necessariamente, elementos of practical judgement and self-restraint.

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CARAVACA, Alfonso Luis Calvo e GONZÁLEZ, Javier Carrascosa. Competência judicial internacional:

régimen de producción interna en Derecho internacional privado español. Revista Decita n. 04. Fundação Boiteux.

2005 p. 519-542.

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Vide a este respeito decisões proferidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos nos casos International Shoe Co.

O princípio da conexão substancial exclui a mera relação física, o que nos Estados Unidos é coloquialmente chamado de Tag jurisdiction. A mera presença física como justificativa para jurisdição apresenta uma justificação histórica na federação americana que é inapropriada nas modernas disputas internacionais.

A tese da valoração dos interesses em presença, em cada caso concreto, sobrepondo-se aos resultados próprios do silogismo que aplica dedutivamente as regras de direito aos fatos, provados em cada litígio, foi também introduzida na ciência do conflito de leis. Ela é levada por parte da doutrina ao campo do conflito de jurisdições por influência de Kegel: examinar o interesse do réu em defender-se no seu domicílio; o do autor em não ser obrigado a ajuizar uma ação fora de sua residência porque implicaria gasto de tempo e dinheiro; e o interesse de que o litígio seja decidido preferencialmente pelo foro cuja lei venha a ser aplicada. 98

Ademais, através do presente princípio, evita-se a prática abusiva do forum shopping, caracterizada pela escolha do forum mais distante e desconectado com a causa concreta, prejudicando o titular do direito e criando obstáculos à devida tutela. Litígios internacionais envolvem custos e dificuldades, que quase nunca são igualmente repartidos entre as partes. Desse modo, é de certa forma aceitável que uma das partes do litígio venha a ter de suportar uma carga ou ônus processual superior à da outra. Tal carga, entretanto, não pode se erigir em óbice intransponível à dedução em juízo da pretensão de uma das partes.

A jurisdição exorbitante e abusivamente exercida pelos tribunais de um país compromete sua responsabilidade internacional e afeta valores constitucionais de razoabilidade e acesso à justiça e ampla defesa.99

Não há uma instância internacional para resolver o problema da competência adequada, em vista da soberania de cada Estado em determinar sua jurisdição. No entanto, esse princípio pode servir para informar e determinar situações não previstas nos arts. 88 e 89 do CPC.

ROZAS e LORENZO falam de “usurpação de competência” por parte dos tribunais de um Estado, quando um litígio não apresenta um vínculo mínimo com eles, gerando inclusive a responsabilidade internacional do Estado. Apontam que o Tribunal Internacional de Justiça, no famoso caso “Barcelona Traction”, decidiu que “desde el momento em que um Estado admite en su territorio inversiones extranjeras o nacionales extranjeros, personas fisicas o morales, está obligado a concederles la protección de la Ley y assume ciertas obligaciones en cuanto a su trato.”100

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ALI/UNIDROIT. Principles of Transnational Civil Procedure. Cambridge University Press, 2004.

99

VESCOVI, Eduardo. Derecho Procesal Civil Internacional. Ed. Idea, Montevidéu, 2000, passim p. 17.

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MORELLI apresenta critérios que delimitam a jurisdição do Estado, determinando os litígios sobre os quais ela deve atuar, critérios que assumem caráter objetivo ou subjetivo, conquanto refiram-se à vinculação do objeto ou das partes da lide com o Estado, com o fim de estabelecer as hipóteses de atuação de seus órgãos jurisdicionais.101

SORIANO e ALFÉREZ tratam de dois testes necessários para aplicação do princípio da jurisdição razoável: um teste de proximidade e um teste de razoabilidade. O teste de proximidade serviria para selecionar aqueles elementos que estabelecem um vínculo entre as partes ou litígio subjacente com o foro, seja por conta de circunstâncias pessoais ou objetivas do litígio, vínculos processuais ou vínculos normativos:

El test de proximidad sirve para seleccionar los vínculos y atiende a los contactos de la relación subyacente y las partes con el foro. El abanico de vínculos o conexiones que tiene en cuenta incluye tres tipos o modalidades principales: (i) Vínculos entre las circunstancias del litigio y el órgano judicial. Pueden ser tanto vínculos con los elementos subjetivos del asunto (las partes, su domicilio, residencia o nacionalidad, p. ej.) o con los elementos objetivos del mismo (lugar del hecho dañoso, lugar de cumplimento del contrato, lugar ejecución de la decisión, etc.) . (ii) Vinculos procesales. La agrupacion de litigios genera economias de escala, previene decisiones contradictorias y, en esta medida, garantiza la tutela judicial internacional; por esta razón, la conexidad procesal también puede constituir un vínculo relevante. (iii) Vínculos normativos, esto es, vínculos entre el litigio y la ley aplicable al fondo. En la medida en que la aplicación de su propia ley por el juez reduce los costes de información normativa, y en consecuencia los costes de error, la ley aplicable al fondo del litigio también puede constituir un vínculo relevante.102

O teste de razoabilidade, a seu turno, serviria para valorar cada um desses elementos de conexão, em vista de sua relevância como apto a firmar a atividade jurisdicional. Esse teste atenderia a dois critérios valorativos: um de natureza processual e outro material. A partir do critério processual, analisa-se se está atendida a finalidade do Direito de garantir a resolução do litígio da forma mais justa e menos onerosa possível. Quanto ao critério material, sua função seria a de apontar, dentro de uma lógica de direito privado, a parte do litígio a que devem ser imputados os

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Las normas sobre los limites de la jurisdicción cumplem con la función que lê es propia indicando determinados

caracteres de los cuales las controversias singulares deben estar dotadas para que puedem ser decididas por las autoridades judiciales del Estado: caracteres que gerenalmente consisten en la circunstancia de que la controversia este en cierto modo vinculada com el Estado. Los criterios de vinculación a este objeto utilizados pueden ser objetivos o subjetivos. Son criterios de vinculación objetivos los que atañen a la relación controvertida, considerada em sí y por sí, y no em relación a las partes: considerada, por ejemplo, en su objeto, en el hecho constitutivo de ella o en so contenido. Son, pues, criterios objetivos de la jurisdicción: la situación en el territorio del Estado de la cosa objeto de la relación controvertida; la circunstancia de que en el territorio del Estado haya ocurrido el hecho de donde se originó la relación; la circunstancia de que en el territorio del Estado deba aplicarse la relación . Son, em cambio, criterios subjetivos los que se refieren a las partes y a determinadas situaciones en que las partes se encuentran: ciudadanía del Estado, o bien do domicilio, residência o permanência en el território del Estado.” MORELLI. Op. Cit, p. 94.

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custos processuais envolvidos no acesso a um foro estrangeiro para a defesa de seus direitos subjetivos, seja como autor ou réu:

El test de razoabilidad sirve para valorar las conexiones en presencia como razones para la afirmación, en un tipo de litigio concreto, de la CJI de los tribunales del foro. Atiende tanto a criterios valorativos procesales como materiales: (i) Criterios procesales. La primera determinación de la relevancia de las conexiones puede hacerse a partir de la finalidad de todo el Derecho procesal: garantizar una resolución del litigio lo más correcta posible (o más justa, si se prefiere), al menor coste posible. (...) Desde esta óptica, un vínculo es relevante en ámbito de la CJI cuando disminuye: primero, los costes de instrucción, que incluyen tanto los costes de información (cercania a las pruebas o a la ley aplicable al fondo) y los costes de comunicación (notificaciones); segundo, los costes de implementación (ejecución, medidas cautelares); tercero, los costes de error (conexión procesal con otro asunto o litigio, por las personas qeu participan o por el objeto del litigio; conexión con la ley aplicable). (ii) Criterios materiales. La función del Derecho procesal es auxiliar respecto del Derecho material; por ello los criterios de selección deben responder fundamentalmente a una lógica de Derecho privado. Ello explica que la segunda pauta de valoración del modelo de justicia privada se apoye en la imputabilidad de dichos vínculos o contactos a una de las partes; esto es, en la cuestión de si pueden o no ser puestos a su cargo en el tipo de litigios de que se trate.103

Os supramencionados autores explicam que, quando o legislador prescreve o sistema de normas sobre competência internacional, acaba por delimitar o alcance internacional da tutela jurisdicional que seus tribunais vão oferecer. Essa delimitação tem dois efeitos: um positivo e outro negativo. O positivo compreende a declaração, em abstrato, de competência internacional, de seus tribunais, para determinadas espécies de litígios internacionais. Este, suscita, da perspectiva do réu, um problema: a imposição ao demandado da carga processual de comparecer ante tribunal estrangeiro.

Já o efeito negativo das normas sobre competência internacional é a denegação de competência internacional para o restante dos litígios internacionais. Nesse caso, o problema é a impossibilidade de se reclamar tutela jurisdicional para esses tribunais, negando acesso.

Assim sendo, a não observância dos limites máximos poderia representar uma fixação de jurisdição exorbitante, enquanto que o desrespeito aos limites mínimos de exercício da jurisdição teria como efeito direto e danoso a denegação de justiça. Em ambos os casos, o respectivo exercício ou não da função jurisdicional representaria, conforme a situação, um ilícito internacional ou um ato manifestamente inconstitucional.

Partindo-se do pressuposto de que existe um balizamento fixando um mínimo e um máximo da extensão da jurisdição internacional, torna-se impossível esgotar racionalmente as hipóteses de competência internacional da justiça estatal. As normas positivas existentes apenas podem ser

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encaradas no sentido de tornarem certa a ação da justiça nacional em determinados casos, desde que, é claro, situem-se entre aludidos limites.

À primeira vista, as hipóteses positivas devem conduzir, igualmente, à conclusão de que estão excluídos da apreciação do juiz nacional aqueles casos não previstos na própria lei. Paralelamente, entretanto, há que se entender que tal exclusão não é absoluta e que, portanto, deverá ceder frente àqueles casos fora da hipótese legal, sempre que se demonstre que tal exclusão estaria em desacordo com os princípios da matéria e o novo modelo axiológico de um Estado Constitucional de Direito.

Sendo assim, o controle destes limites deverá ser feito pelo próprio Judiciário. A interpretação do sitema de fixação da competência internacional implica o reconhecimento de que seus órgãos devam deter alguma dose de poder que permita a conformação do texto legal infraconstitucional aos princípios superiores.

É inegável o dever do juiz, não de legislar ou inovar, mas de corrigir hipóteses exorbitantes de exercício da jurisdição ou impedir a sua denegação naquelas hipóteses em que a concessão da tutela constitua um imperativo do Direito Internacional ou, ainda, uma garantia de sede constitucional.

É nesse sentido que devem ser interpretados o alcance e a influência da garantia do acesso à justiça na delimitação do exercício da jurisdição internacional: evitar a denegação de justiça e ao mesmo tempo proporcionar o devido acesso das partes à ordem jurídica justa, a partir da observância de todos os princípios necessários.

Portanto, o presente princípio, apesar de fundamental para a orientação das regras sobre a competência internacional, não pode ser considerado por si só suficiente para sua determinação, sem que em cada caso esteja reservado ao aplicador da lei a possibilidade de avaliar se na situação concreta todos os princípios que informam a competência internacional atendem de forma adequada às exigências ditadas pela garantia do acesso à justiça efetiva e plena.