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j E ntre os elementos que ocorrem na natureza, Polonium (Polônio, em

português) é o mais radioativo. Existem 42 isótopos conhecidos deste elemento descoberto em 1898 pelo casal Marie e Pierre Curie. Polonium-210 (abreviado como 210Po), por exemplo, tem meia-vida de 138,376 dias (meia-vida de um isótopo é o tempo necessário para sua massa reduzir à metade). Em contato com o ar, a radiação deste isótopo é visível a olho nu, emitindo uma luminosidade azulada. Quanto tempo demora para que um quilograma de210Po seja reduzido a um grama?

Neste caso, podemos modelar matematicamente o fenômeno de decaimento radioativo através do emprego de funções. Se mapearmos massa m através de

uma função realm(t)dependente de tempot, o modelo usual assume que

d

dtm=km,

sendokuma constante de proporcionalidade cujo valor depende do material em processo de decaimento. Essa proposta se traduz da seguinte maneira:

A taxa de variação de massa em relação ao tempo é proporcional à massa. Em outras palavras, quanto maior a massa, maior a taxa de variação da massa em relação ao tempo.

Logo,

m(t) =cexp(kt),

ondecé uma constante real que dene uma condição de contorno. Com efeito, a função acima satisfaz a equação diferencial

d

dtm=km.

Para o caso em que t = 0, temos m(0) = c. Logo, c pode ser interpretado como massa inicialm0. Logo,

m(t) =m0exp(kt).

Uma vez que a meia-vida do isótopo em questão é de apenas 138,376 dias, logo

m0

2 =m0exp(138,376k).

Portanto, exp(138,376k) = 0,5. Logo, ln(exp(138,376k)) = ln(0,5), o que implica que138,376k=−0,693147. Finalmente,

k=−0,00500916d1,

sendo queddenota `dias' ed1 denota `por dia'.

O valor da constante de proporcionalidade k é negativo justamente porque, no problema em questão, a taxa de variação

dm dt

é negativa, sendom(t)sempre positivo. Ou seja, está ocorrendo perda de massa ao longo do tempo.

Uma vez determinada a constante de proporcionalidade k do modelo usual, para descrever decaimento radioativo, podemos responder à questão proposta.

Temos que

1 = 1000 exp(−0,00500916t),

uma vez que queremos determinar o tempo t consumido (em dias) para trans-formar mil gramas de210Po em um grama.

Isso implica em

Logo,

ln(exp(−0,00500916t)) = ln(0,001) =−6,90775.

Isso implica que

−0,00500916t=−6,90775.

Logo,

t= 1379,02d,

o que corresponde a3,77556anos (três anos, nove meses e dez dias).

Em menos de quatro anos um quilograma de Polonium-210 é reduzido a um grama. Observar que um grama de Polonium-210 é suciente para matar cin-quenta milhões de pessoas, e adoecer outras cincin-quenta milhões, por envenena-mento radioativo [29].

b

Sabendo que a meia-vida de14C (isótopo Carbono 14) é de 5730 anos, qual é a massa nal de dois gramas deste isótopo após oitenta milhões de anos? Para resolver este problema empregue o modelo usual de decaimento radioativo, o qual assume que a taxa de variação de massa em relação à passagem de tempo é proporcional à massa.

!

O exercício acima é algo que pode ser divertido para reexões. Por um lado, se o leitor encarar a questão de um ponto de vista puramente matemático, perceberá que será necessário calcular a exponencial de um valor real com ordem de grandeza 103. No entanto, calculadoras cientícas usualmente não contam com capacidade de processamento para esse tipo de conta. Se o leitor tentar empregar uma calculadora cientíca típica, não será capaz de obter uma resposta para, digamos, exponencial de 9000. Esta, portanto, é uma ótima oportunidade para a natureza humana demonstrar sua capacidade criativa. Com efeito, 9000 é a adição de 90 com 90, com cem ocorrências da parcela 90. Calculadoras cientícas conseguem processar a exponencial de 90. Uma vez que a exponencial de uma soma é o produto de exponenciais, agora o problema passa a ser fácil de resolver, numa parceria entre tecnologia e espírito humano.

!

Por outro lado, o exercício proposto é um problema físico. Problemas de caráter físico não podem ser resolvidos levando em conta apenas aspectos ma-temáticos. Com efeito, processos de datação por Carbono-14 não são conáveis para períodos tão longos quanto os oitenta milhões de anos sugeridos. Logo, rogamos ao leitor que pense com bastante carinho sobre a questão levantada. Ciência não se sustenta por manuais técnicos que ditam normas a serem incondi-cionalmente cumpridas. Ciência é uma atividade de profunda responsabilidade intelectual.

Ÿ64. Um olhar sobre o paraíso.

S

ejapum número real maior do que zero. Logo,

d dxln(px) = 1 pxp= 1 x= d dxln(x).

Usamos acima derivada de função composta (Teorema 86), além do fato de que

d

dxln(x) =x

−1,

conforme demonstração do Teorema 101.

Isso signica que ambas as funçõesln(px)eln(x)têm a mesma derivada

1 x.

Logo,

ln(px) = ln(x) +C,

ondeCé uma constante real.

Sex= 1, temosln(p) = ln(1) +C. Logo,C= ln(p). Consequentemente,

ln(px) = ln(x) + ln(p).

Ou seja, foi provado acima que o logaritmo natural de um produtopx entre fatores reais estritamente positivospe xé igual à adição do logaritmo natural depcom o logaritmo natural dex. Em jargão popular (mais semelhante a um bordão popular nos dias de hoje), logaritmo natural do produto é a soma de logaritmos naturais.

Por outro lado,

d dxln 1 x = 1 1/x(−x2) = −x x2 =−1 x = d dx(−ln(x)).

Em outras palavras, ambas as funçõesln 1xe−ln(x)têm a mesma derivada

−1 x . Logo, ln 1 x =−ln(x) +C. Sex= 1, entãoC= 0. Portanto, ln 1 x =−ln(x).

Uma vez que

ln x p = ln x1 p , então ln x p = ln(x) + ln 1 p = ln(x)−ln(p).

Ou seja, logaritmo natural de uma razão é a diferença de logaritmos naturais. Nos exemplos que seguem o Teorema 88 mostramos que exponencial da soma é o produto de exponenciais das parcelas da soma. Aqui, por conta do fato de lo-garitmo natural ser a inversa da exponencial, mostramos que o lolo-garitmo natural

de um produto é a soma dos logaritmos naturais dos fatores desse produto. Além disso, logaritmo natural de uma razão é a diferença entre os logaritmos naturais dos termos da razão.

Considere agora a equação diferencial

dy dt =ky,

a qual é exatamente a mesma que foi utilizada na solução do decaimento radioa-tivo de210Po, na Seção 63.

Logo,

1 y

dy dt =k.

Para que possamos passar da forma diferencial acima para uma forma integral (isso por conta do Teorema Fundamental do Cálculo), basta percebermos que

Z yF y0 1 ydy=kPlimyk→0 X i 1 zi∆yi=kPlimtk→0 X i 1 zi ∆yi ∆ti∆ti= Z tF t0 1 y dy dtdt= Z tF t0 kdt,

sendo quePy ePt denotam partições nos eixosy et, respectivamente.

Lembrar que estamos sempre assumindo quey=y(t), ou seja,yé uma função det(ou seja, os termos do domínio dey são chamados det).

Alguns autores justicam a passagem da forma diferencial para a integral de maneira muito mais breve, porém falaciosa:

dy dt =ky

implica em

1

ydy=kdt

que, por sua vez, implica em

Z yF y0 1 ydy= Z tF t0 kdt.

A passagem da primeira para a segunda fórmula (antes de `concluir' a forma integral) sugere que dy

dt é uma razão entre reaisdy edt. No entanto,

dy dt

não é uma razão entre números reais!

Logo, esta estratégia (comumente empregada em textos de física teórica e engenharia, na qual dy

dt é tratada como uma razão), apesar de funcionar como regra mnemônica, não consiste em justicativa no contexto de cálculo diferencial e integral padrão.

Alguns autores chegam a se referir a dy edt como innitesimais, sendo que no cálculo padrão não há innitesimais (ver Seção 52 sobre o tema). O conceito

de innitesimal é típico, e extremamente importante, em duas outras teorias de cálculo diferencial e integral que não necessitam de limites para qualicar deri-vadas e integrais. Essas formas diferentes de cálculo diferencial e integral são análise não standard [33] e análise innitesimal suave [4].

Agora que sabemos que

dy dt =ky implica em Z yF y0 1 ydy= Z tF t0 kdt, temos que ln(y) yF y0 =kt tF t0,

por aplicação do Teorema Fundamental do Cálculo.

Logo, ln(yF)−ln(y0) = k∆t, sendo ∆t =tF −t0. Logo, ln(yF/y0) = k∆t. Portanto,yF/y0= exp(k∆t), ou seja,

yF =y0exp(kt),

se assumirmos que tF =t e t0 = 0. Observar que esta é exatamente a solução para o problema de decaimento radioativo de210Po.

Ou seja, a forma integral

Z yF y0 1 ydy= Z tF t0 kdt

(por separação de variáveis, i.e., todas as ocorrências deyestão do mesmo lado da igualdade e todas as ocorrências de t estão do outro lado) da equação dife-rencial

dy dt =ky

(a qual dene a exponencial dektcom condições de contornoy(0) =y0) se mostra solúvel através da denição de logaritmo natural via integração de Riemann.

Essa discussão ilustra o papel de derivadas e integrais, anunciado no primeiro parágrafo da Seção 47. Derivadas permitem modelar (via equações diferenciais) fenomênos físicos (como, e.g., decaimento radioativo). Integrais, por outro lado, viabilizam previsões de longo termo, as quais são mapeadas por funções que são soluções de equações diferenciais. Este é um dos papeis principais do Teorema Fundamental do Cálculo: viabilizar soluções de equações diferenciais via processo de integração.

Tudo isso é formulado em uma teoria de conjuntos sustentada por apenas duas `colunas': igualdade = e pertinência ∈. Portanto, aqui radica parte do valor estético de ZF: dois conceitos apenas,=e∈, abrem portas para um vasto universo de possibilidades para estudos e aplicações.

Em 1926, oito anos após a morte de Cantor, David Hilbert armou: Ninguém poderá nos expulsar do paraíso que Cantor criou para nós.

De fato, o paraíso de Cantor ainda está sendo conhecido, lentamente, por matemáticos do mundo todo. Foi este paraíso que inspirou Ernst Zermelo, Abra-ham Fraenkel, John von Neumann, Kurt Gödel e muitos outros, até os dias de hoje. Mesmo sem sabermos ao certo o que é possível fazer em terras tão exóticas, até o presente momento já temos uma boa noção de sua extraordinária beleza.

No romance Princess Napraxine, a escritora britânica Ouida arma que `fa-miliaridade é um mágico cruel com a beleza, mas gentil com a feiura'. Nesta acepção, ZF é bela. Ainda não há perspectivas de plena familiaridade com o seu poder de alcance.

Nenhum teorema sobre teoria de conjuntos é atribuído a Hilbert, o primeiro grande defensor da teoria de conjuntos. Mas este exerceu uma poderosa in-uência sobre muitos outros que decidiram conhecer o paraíso concebido por Cantor. Hilbert foi possivelmente o último matemático de visão universal sobre este ramo do conhecimento. O tom profético de sua visão sobre o que é im-portante em matemática repercute até os dias de hoje. Mas esta é outra longa história não cabível neste livro.

Ÿ65. Quanto é ax?

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