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O Axioma da Extensionalidade não garante a existência de conjuntos. Apenas

garante que, se existirem conjuntos, sabemos como identicá-los a partir da pertinência ∈. O primeiro postulado a garantir que pelo menos um conjunto existe é o que se segue.

ZF2 - Vazio: ∃x∀y(y6∈x).

Observar atentamente o quanticador existencial acima, bem como a maneira como ele opera em `parceria' com o quanticador universal. Este postulado ga-rante a existência de um conjuntoxtal que nenhum conjuntoy pertence a ele. O próximo teorema ilustra como os postulados de ZF trabalham em `parceria' uns com os outros.

Teorema 4. O conjuntoxdo Axioma do Vazio é único.

Demonstração: O Axioma da Extensionalidade pode ser reescrito como

∀x∀y∀z((z6∈x⇔z6∈y)⇒x=y).

Ver Teoremas 7 e 12 da lista de 17 teoremas da Seção 10, para saber como provar essa última fórmula.

Ou seja, a fórmula acima é teorema de ZF. Sejaxo conjunto cuja existência é garantida pelo Axioma do Vazio, i.e., para todoztemos quez6∈x. Supor que existe outro conjuntoy(ou seja,y6=x) que também satisfaz o Axioma do Vazio. Logo, para todoztemosz6∈y. Isso signica que

∀z(z6∈x⇔z6∈y).

Mas, de acordo com o Axioma da Extensionalidade (na forma como está reescrito acima), isso implica emy=x(⊥).

O símbolo⊥usado ao nal da demonstração acima (conhecido como falsum) é o que se chama de contradição (neste caso, a contradição sinalizada por ⊥é

y6=x∧y=x). Uma vez queP ∨ ¬Pé teorema para qualquer fórmulaP, se¬P

tese acima produz uma contradição, então deve valer a tese como teorema. A tese em questão pode ser escrita formalmente como se segue:

∃!x(∀y(y6∈x)).

Caso o leitor não saiba, a expressão `i.e.' (usada na última prova) abrevia `id est' que, em latim, se traduz como `isto é'.

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Um exercício interessante para o leitor é escrever formalmente o Teorema 4 usando apenas os quanticadores∀e∃, de acordo com a Seção 19. Obviamente, o que legitima tal demonstração é a hipótese de que ZF é consistente (ou seja, a hipótese de que não existe fórmulaAtal que ambas Ae¬Asão teoremas de ZF), algo que até hoje não se sabe se é o caso.

Como já dito anteriormente, o teorema P ∨ ¬P é conhecido como Princípio do Terceiro Excluído. Este legitima as demonstrações reductio ad absurdum (redução ao absurdo, em tradução livre do latim): se a negação de uma tese (a qual é tão somente uma fórmula) implica em contradição, então a tese é teorema.

Notar também que a fórmula

∀x∀y∀z((z6∈x⇔z6∈y)⇒x=y),

a qual é equivalente ao Axioma da Extensionalidade, viabiliza outra visão intui-tiva a respeito da identicação de conjuntos. Assim como conjuntos são identi-cados por seus elementos, equivalentemente conjuntos são também identiidenti-cados pelos termos que não são seus elementos.

Uma vez que acabamos de provar que conjunto vazio é único, este é uma cons-tante de ZF. Por conta disso é usual a adoção de um símbolo especial para tal constante: ∅. Ou seja,

∀y(y6∈).

Aqui cabe uma oportuna observação de caráter histórico, losóco, matemá-tico e didámatemá-tico, em relação à técnica empregada para provar Teorema 4. A experiência em sala de aula revela que muitos alunos encontram diculdade para compreender e aceitar a técnica de demonstração por redução ao absurdo. Pois bem, isso não é exclusividade de alunos. Alguns matemáticos, justamente por conta de suas experiências prossionais, também criticam esse método de de-monstração.

No início do século 20, Luitzen Egbertus Jan Brouwer não aceitava demons-trações por redução ao absurdo. Uma vez que ela é sustentada pelo Princípio do Terceiro Excluído, na visão de Brouwer a fórmula P ∨ ¬P só pode ser teorema se existir uma demonstração para P ou uma demonstração para ¬P, de modo que qualquer demonstração de uma não pode depender do `fracasso' de outra, por conta de uma contradição. Provar que a negação¬P de uma teseP implica em uma contradição, não garante queP é teorema, segundo a postura losóca de Brouwer. Com efeito, se a negação de uma tese é uma contradição, apenas foi provado que tal negação da tese é uma contradição, nada além disso. Por conta dessa visão, este conhecido matemático holandês rejeitava a lógica clássica usada hoje para edicar ZF (entre muitas outras teorias).

Para apresentar uma proposta em oposição à lógica clássica, Brouwer intro-duziu a Lógica Intuicionista, na qual o Princípio do Terceiro Excluído não é teorema.

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Hoje em dia existem diversos sistemas formais que empregam lógica in-tuicionista, incluindo uma versão intuicionista de ZF [5]. Essa última referência é um livro não publicado de John Bell, mas gratuitamente disponível em pdf na internet. Até onde sabemos, não há livros publicados sobre o tema.

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Outro exemplo é a Análise Innitesimal Suave. Esta última permite desenvolver uma forma de cálculo diferencial e integral na qual todas as funções são contínuas, algo que não ocorre no Cálculo Diferencial e Integral Padrão (ver Denição 65). Outrossim, demonstrações por redução absurdo não são aplicáveis em análise innitesimal suave. Se o leitor estiver interessado, no livro de John Bell [4] há uma excelente e sucinta exposição sobre o tema, onde derivadas e integrais podem ser denidas sem a necessidade de limites. No cálculo padrão derivadas e integrais são casos especiais de limites.

No entanto, a motivação de Brouwer era meramente losóca, apesar de hoje encontrar grande repercussão em matemática e até mesmo em física teórica. Neste livro adotamos lógica clássica.

Em lógica clássica o Princípio do Terceiro Excluído é teorema. Portanto, demonstrações por redução ao absurdo podem ser empregadas para a obtenção de teoremas. Essas informações devem ajudar o leitor a perceber que existem muitas formas para desenvolver matemática. Neste livro apenas tangenciamos uma dessas formas, a qual é a mais usual.

Garantir a existência de um único conjunto em ZF, a saber, o vazio, é insu-ciente para a prática matemática. Logo, precisamos de mais postulados.

ZF3 - Par: ∀x∀y∃z∀t(t∈z⇔(t=x∨t=y)).

O Axioma do Par garante a existência de outros conjuntos z (chamados de pares) além de∅(observar o quanticador existencial∃z).

O Axioma do Par diz o seguinte: dadosxey, existe z cujos elementos sãox

ouy. Por exemplo, uma vez que é garantida a existência do conjunto vazio∅, o Axioma do Par garante a existência de um z tal que t ∈z se, e somente se,

t=∨t=(aqui os termosxey do Axioma do Par assumem os valores∅e

∅). Neste caso o Axioma da Extensionalidade garante quez6=, uma vez que

∅∈zmas∅6∈.

Neste momento se mostra útil a introdução de símbolos auxiliares metalin-guísticos novos: {e}(chamados de chaves).

Sezé um par com elementosxey, denotamos isso por

z={x, y},

Sex=y, escrevemos

z={x}

ou

z={y}.

O Axioma da Extensionalidade garante que{x, y}={y, x}. Também garante (na forma de teorema) que, dadosxey, o parz={x, y}(ouz={x}) é único. Se o parzconta com um único elemento, ele é chamado de singleton ou unitário.

Exemplo 8. Sejam x=ey=. Logo, z={}. Neste casoz é um singleton.

Exemplo 9. Sejam x = e y = {}. Logo, z = {,{}}. Com efeito, a existência de ∅ é garantida pelo Axioma do Vazio, enquanto a existência de {} é garantida pela aplicação do Axioma do Par no exemplo anterior. Observar que, de acordo com o Axioma de Extension-alidade, {,{}}={{},}.

O emprego de chaves{e}como novos símbolos auxiliares motiva uma notação alternativa para o conjunto vazio, a saber, {}. Apesar desta ser uma notação bastante comum na literatura, ela não é empregada aqui.

Teorema 5. Sexé um conjunto unitário e x=y, então y é unitário. Demonstração: Se xé unitário,∃a(x={a}). Supor quey não é unitário.

Logo, existe pelo menos um elemento t em y tal que t 6=a. Logo, t 6∈x. Logo, o Axioma da Extensionalidade garante quex6=y. ⊥

O Axioma do Par garante a existência de uma innidade de conjuntos. Basta aplicá-lo repetidas vezes a partir do conjunto vazio. No entanto, cada um dos conjuntos obtidos a partir de Par e Vazio conta com, no máximo, dois elementos. Para ns de fundamentação da prática matemática isso é muito pouco. Daí a necessidade de mais postulados! Mas, antes de seguirmos com novos axiomas, segue uma denição muito útil: par ordenado.

Definição 3 (Kuratowski). (a, b)...{{a},{a, b}}.

Na denição abreviativa acima não está sendo introduzida qualquer abreviação metalinguística para uma fórmula de ZF, mas uma abreviação metalinguística para um termo denotado por(a, b). Obviamente tal manobra pode ser adaptada para a seguinte forma:

t= (a, b)...t={{a},{a, b}}

ou

t= (a, b)...∃x∃y(x∈t∧y∈t∧a∈x∧a∈y∧b∈y),

Observar que(a, b)é um conjunto, uma vez queaebsão conjuntos. O termo

(a, b)é chamado de par ordenado. Esse nome se justica pelo próximo teorema. Teorema 6. (a, b) = (c, d)se, e somente se,a=c eb=d.

Demonstração: Uma vez que o teorema é dado por uma bicondicional, a demonstração é dividida em duas partes. A conjunção do nal de ambas as partes é exatamente o teorema.

Parte⇐. De acordo com a denição de Kuratowski,

(a, b) ={{a},{a, b}}

e

(c, d) ={{c},{c, d}}.

Sea=ceb=d, o Axioma da Extensionalidade garante que(a, b) = (c, d). Parte⇒. Essa segunda parte da demonstração deve ser dividida em duas possíveis situações:

i: o caso em quea=be ii: o caso em quea6=b.

Se a = b, temos que (a, b) = (a, a) = {{a}}. Logo, o par ordenado

(a, b) é unitário. Mas o Teorema 5 garante que (c, d) é unitário. Logo,

(c, d) = {{c}}, sendo c = d. Logo, {{a}} = {{c}}. O Axioma da Ex-tensionalidade garante que a = c. Neste caso b = d é consequência da transitividade da igualdade.

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O restante da demonstração ca a cargo do leitor interessado.

Exemplo 10. O par ordenado (,{}) é diferente do par ordenado

({},). Com efeito,

(,{}) ={{},{,{}}}

e

({},) ={{{}},{,{}}}.

Apesar de ambos os conjuntos compartilharem um elemento em comum, a saber, {,{}}, o termo {} pertence ao primeiro par ordenado mas não ao segundo. Logo, o Axioma da Extensionalidade garante que

(,{})6= ({},).

A denição de par ordenado, introduzida por Kazimierz Kuratowski, motiva nova nomenclatura. Qualquer par obtido pelo Axioma do Par é chamado de par não ordenado. Isso porque, por exemplo, {,{}} ={{},} (apesar de

(,{})6= ({},)). Neste contexto, pares ordenados são casos particulares de pares não ordenados. O que permite estabelecer relevância na `ordenação' de um par ordenado é o fato de ZF ser uma teoria com igualdade. Essa foi a ideia genial de Kuratowski!

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A denição de par ordenado não foi uma conquista fácil em lógica-matemática. Outras propostas, muito mais complicadas, antecederam a ideia de Kuratowski. Detalhes em [37].

Ÿ21. Potência, união arbitrária e união nitária.

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