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Q O objetivo desta Seção é encerrar os axiomas próprios de ZF

Os axiomas de Substituição e de Regularidade de ZF não são necessários para provar os resultados de interesse para aqueles que estão focados em temas do co-tidiano da maioria dos matemáticos, como cálculo diferencial e integral, análise matemática, espaços métricos, equações diferenciais, álgebra linear, análise fun-cional, topologia, álgebra, probabilidades, teoria dos números, geometria diferen-cial, teoria de reticulados, matemática fuzzy, geometria euclidiana, geometrias não euclidianas, geometria absoluta, geometria projetiva, entre outros temas. Isso ocorre apesar de todas essas áreas poderem ser fundamentadas com os axi-omas até aqui apresentados. Ou seja, os resultados mais populares de tais áreas do conhecimento podem ser escritos como teoremas de ZF, bastando os axiomas ZF1∼ZF7. Logo, o leitor não é prejudicado se ignorar esta Seção.

No entanto, se o leitor estiver interessado em questões ligadas aos fundamen-tos da matemática (como epistemologia e metodologia da matemática), esses postulados desempenham papel estratégico e necessário.

ZF8F - Substituição: SejaF(x, y)uma fórmula onde todas as ocor-rências dexey são livres; logo,

∀x∃!yF(x, y)⇒ ∀z∃w∀t(t∈w⇔ ∃s(s∈z∧ F(s, t))).

Substituição (o qual não pode ser confundido com a substitutividade da igual-dade) é um esquema de axiomas. Com efeito, há um axioma para cada fórmula

F, desde queF satisfaça as condições sintáticas acima impostas.

O Esquema da Substituição (como também é conhecido) é aplicável somente a fórmulas F(x, y) tais que, para qualquer conjunto x existe um único y tal que F(x, y). É exatamente isso que está escrito antes da primeira ocorrência

da condicional ⇒ em ZF8F. Exemplos de fórmulas F(x, y) desse tipo são os seguintes: i: y=x; ii: y=℘(x); iii: y=S w∈xw; iv: y=S(x); v: y =℘(x)∪S(x); vi: (x=⇒y={})∧(x6=⇒y={{}});

entre uma innidade de outros. Neste caso, o termoyé chamado de imagem de

xpela fórmulaF.

Exemplo de fórmula F(x, y) que não atende às exigências do Esquema de Substituição: y ⊆x. Com efeito, um mesmo conjuntox pode admitir mais de um subconjuntoy (basta quexseja diferente de∅). Outro exemplo de fórmula

F(x, y)que não atende às exigências do Esquema de Substituição: y6=x. O Esquema da Substituição estabelece o seguinte, desde que a fórmulaF(x, y)

atenda às exigências já mencionadas: dado um conjuntoz, existe um conjunto

wtal que, cada elementot dew é imagem de um termos pertencente az pela fórmula F(s, t). Em particular, se o conjunto z é {} e a fórmula F(x, y) é aquela do exemplo vi dado acima, entãow={{}}.

Ou seja, o Esquema da Substituição permite garantir a existência de conjuntos

wa partir de conjuntosze fórmulas. É um papel semelhante ao do Esquema de Separação. No entanto, no caso de Substituição, o conjuntownão é necessaria-mente subconjunto dez.

Na Seção 101 é provado que, graças ao Esquema da Substituição, o Axioma do Par é desnecessário em ZF. Tradicionalmente, o Axioma do Par é mantido por motivos didáticos.

i

Foi mencionado anteriormente que∅eω são exemplos de conjuntos que não são sucessores de qualquer outro conjunto. Pois bem. Há uma generalização dos números naturais que permite conceituar ordinais, no sentido de que todo natural é um ordinal. Mas em ZF existem outros ordinais além dos elementos de

ω. O próprioω é um ordinal, bem como o sucessor deω, o sucessor do sucessor deωe assim por diante. Usando o Esquema de Substituição é possível provar a existência de outros ordinaisλtais queλnão é sucessor de conjunto algum. Esse resultado permite provar diversos teoremas com impacto profundo até mesmo em ramos como teoria da medida e, consequentemente, em análise matemática [41]. Mas este é um assunto que vai muito além da proposta deste livro.

O próximo postulado desempenha um papel radicalmente diferente dos demais. Para facilitar a sua leitura, introduzimos nova abreviação metalinguística.

Definição 11. x∩y={r∈x∪y|r∈x∧r∈y}, sendoxey conjuntos. Ou seja,x∩y é o conjunto dos termos que pertencem a ambosxey.

O símbolo∩é chamado de interseção nitária ou, simplesmente, interseção. Lê-sex∩ycomo `xinterseção y' ou `interseção de xcomy'.

Exemplo 25. i: Sejam x={2,3}e y={3,4}; logo,x∩y={3};

ii: sejam x={2,3} ez={4,5}; logo,x∩z=.

Sex ey são conjuntos tais que x∩y =, dizemos quexe y são disjuntos. Item ii do Exemplo acima ilustra um caso de conjuntos disjuntos.

Teorema 11. Sejamx,y ez conjuntos. Logo i: x∩y=y∩x;

ii: x∩(y∩z) = (x∩y)∩z; iii: x∩=;

iv: x∩(y∪z) = (x∩y)∪(x∩z).

b

A demonstração é recomendada como exercício ao leitor.

Agora podemos nalmente enunciar o próximo postulado próprio de ZF. ZF9 - Regularidade: ∀x(x6=⇒ ∃y(y∈x∧x∩y=)).

Também conhecido como Axioma da Boa Fundação, o Axioma da Regularidade garante que qualquer conjuntoxnão vazio admite pelo menos um elementoyque não compartilha qualquer elemento em comum comx. O objetivo deste axioma não é garantir a existência de conjuntos, mas proibir a existência de termosx

onde ocorram cadeias innitas de pertinência como x∈ y ∈ x∈ y ∈ x· · ·. O mesmo postulado também impede a existência de conjuntos que pertençam a si mesmos.

Graças ao Axioma da Regularidade é possível introduzir uma denição alter-nativa para par ordenado (diferente daquela devida a Kuratowski):

(a, b) ={a,{a, b}}.

Dessa maneira, um par de chaves se mostra desnecessário. Portanto, a denição de par ordenado devida a Kuratowski pode ser usada tanto em ZF quanto em versões de ZF que abrem mão do Axioma de Regularidade.

Uma das vantagens mais signicativas do Axioma da Regularidade é o fato de que ele permite denir o conceito de rank de um conjunto. No entanto, novamente este é um tema que vai além dos propósitos desta pequena obra.

Finalmente, os axiomas próprios ZF1∼ZF9 encerram todos os postulados próprios de ZF.

Uma variação de ZF, conhecida como ZFC (a letra C se refere à palavra `Choice' em inglês, a qual se traduz como `Escolha') acrescenta o seguinte pos-tulado.

ZF10 - Escolha: ∀x(∀y∀z((y∈x∧z∈x∧y6=z)⇒(y6=∧y∩z=

∅))⇒ ∃y∀z(z∈x⇒ ∃w(y∩z={w}))).

O Axioma da Escolha arma o seguinte: dado um conjuntoxcujos elementos são conjuntos não vazios e sem quaisquer elementos em comum, então existe um conjunto escolha y tal que cada elemento dey é um, e apenas um, elemento de cada elemento dex.

Bertrand Russell introduziu uma analogia para facilitar a compreensão do Axioma da Escolha: considere uma gaveta com uma quantia innita de pares de meias, de modo que cada par de meias é facilmente discernível de todos os demais; neste caso o Axioma da Escolha permite denir uma nova gaveta que terá uma, e apenas uma, meia de cada par da primeira gaveta.

Russell fez a analogia com pares do meias por conta de um fato simples: o pé esquerdo é indiscernível do pé direito em qualquer par de meias. Isso signica que não é possível estabelecer qualquer critério para a escolha de uma meia de cada par (algo bem diferente de uma gaveta de sapatos). Logo, é isso o que o Axioma da Escolha faz! Ele permite escolher elementos quaisquer de conjuntos dados sem estabelecer qualquer critério. Apenas escolhe, como em um ato de inquestionável livre arbítrio.

O Axioma da Escolha, introduzido por Ernst Zermelo em 1904, provocou enorme debate entre matemáticos do início do século passado. Parte das críti-cas era sustentada pelo caráter não construtivo deste postulado, no sentido de o mesmo não estabelecer critérios de escolha. Parte das críticas ocorriam por conta de resultados contra-intuitivos que eram consequências do Axioma da Escolha, como o Teorema de Banach-Tarski. Hoje se sabe que tal postulado apenas per-mite desenvolver novas formas de matemática. Hoje, ele exerce enorme impacto sobre a matemática, como os seguintes resultados:

i: Todo conjunto admite uma boa ordem. Relações de boa ordem sobre um conjuntoxsão relações de ordem total ≤(ver Seção 25) tais que qualquer subconjunto dexadmite um menor elemento relativamente a≤.

ii: O Princípio de Partição (PP) é teorema de ZFC. PP é uma fórmula envol-vendo funções.

iii: O Teorema de Tychonov, o qual é aplicado no estudo de topologia geral. iv: Todo espaço vetorial admite base (ver Seção 84), o qual é um resultado

de análise funcional.

entre centenas de outros. No entanto, esses resultados estão fora do escopo dos interesses deste texto.

Em 1938 Kurt Gödel provou que, se ZF for consistente, então ZFC é consis-tente. Em 1963 Paul Cohen provou que

6`ZF Escolha e

ou seja, nem o Axioma da Escolha ou a sua negação são teoremas em ZF. A revolucionária técnica criada por Cohen para garantir tal resultado rendeu a ele a única Medalha Fields destinada a uma contribuição em lógica. Detalhes na Seção 101.

Há na literatura muitas outras variações de ZF, além de ZFC, sendo que algumas delas contam com impacto signicativo sobre a prática matemática.

Ÿ25. Relações.

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