Definição 39. xé uma sequência sssxé uma função com domínio de racio-nais que copiaω.
Por abuso de notação chamamos esse domínio deω. Eventualmente, por ques-tão de conveniência, podemos omitir o natural 0do domínio de uma sequência. No caso especial de uma sequênciax, usualmentex(n)(a imagem de nporx) é denotada porxn.
Uma sequência racional é uma sequência cujas imagens são números racionais. Exemplo 62. i: x : ω → Q tal que xn = 7; neste caso, x0 = 7,
x1= 7,x2= 7,· · ·; observar que(0,7)∈x,(1,7)∈xe assim por diante;
ii: y : ω− {0} → Q tal que yn = 1
n; neste caso, y1 = 1, y2 = 1 2,
y3 = 13, · · ·; ou seja (1,1)∈ y, (2,12)∈y, (3,13) ∈y e assim por diante.
De agora em diante, por questão de conveniência, são empregados quanti-cadores relativizados. SejaP uma fórmula. Logo:
∀ε >0(P)...∀ε(ε >0⇒ P).
∃δ >0(P)...∃δ(δ >0∧ P).
Lê-se ∀ε > 0(P) como `para todo εmaior do que zero, P'. Lê-se ∃δ >0(P)
como `existe δ maior do que zero tal que P'. Obviamente quanticadores rel-ativizados representam economia de notação. Adotamos essa convenção para que este texto que em sintonia com práticas comuns encontradas em livros de cálculo diferencial e integral e análise matemática, entre outros.
Na próxima denição pretende-se capturar a seguinte ideia: uma sequência racional xn converge para um racional L sss, independentemente de ε estrita-mente positivo, as imagensxn cam connadas ao intervalo aberto(L−ε, L+ε), desde quenseja sucientemente grande.
O intervalo aberto em questão é apenas o conjunto de todos os racionaisrtais queL−ε < r < L+ε(isso é uma abreviação para a fórmulaL−ε < r∧r < L+ε). Uma vez que a terminologia `connadas' e `sucientemente grande' é vaga, há a necessidade de traduzir essa ideia na linguagem de ZF, como se segue:
Definição 40.
xn →L...∀ε >0∃δ >0(n > δ⇒ |xn−L|< ε).
Lê-sexn→L como `xn converge para L'.
É uma prática comum se referir a uma sequência xcomo xn, se não houver risco de confusão.
Observações:
i: todos os termos envolvidos na última denição são racionais: L,ε,
δ,0,n,xn;
ii: sexé racional, então|x|=xsex≥0, e|x|=−xsex <0(lê-se|x|
como `valor absoluto dex'); é teorema em ZF a seguinte fórmula:
|a+b| ≤ |a|+|b|, para quaisquer a e b racionais (recomendamos provar esse resultado);
iii: o termo|xn−L|é uma distância entrexneL; aqui cabe um breve comentário: no estudo de espaços métricos (Seção 85) qualica-se o que é a distância entre um termo ae um termo b; neste sentido é possível provar que, de fato, |xn−L| é uma distância entrexn
e L; no entanto, para os propósitos deste texto, basta saber que
|xn−L|captura a ideia intuitiva do que deve ser a distância entre duas ocorrências de racionais; por exemplo, a distância entre −1
3 e 3 5 é|−1 3 −3 5|=|3 5−−1 3 |= 14 15.
iv: nem toda sequência racional xn converge para algum racionalL, como é ilustrado em alguns exemplos adiante;
v: o valor racional Lé chamado de limite da sequênciaxn;
vi: excepcionalmente estão sendo usadas letras latinas maiúsculas em itálico, na denição de sequência convergente, por um motivo de caráter pragmático: faz parte da literatura padrão esse tipo de notação.
A denição de sequência racional convergente (ou seja, com limite L) dada acima captura exatamente a interpretação pretendida que foi anteriormente su-gerida. O valor racional estritamente positivoε dene, para efeitos práticos, o que é connar xn ao intervalo aberto(L−ε, L+ε). Com efeito, a fórmula
|xn−L|< ε
é equivalente à fórmula
xn ∈(L−ε, L+ε).
O valor racional estritamente positivoδdene, para os mesmos efeitos práticos, o que são naturais sucientemente grandes: são aquelesntais quen > δ.
Logo, armar que a sequência racional xn converge para o racionalLé equi-valente a armar o seguinte: dado um intervalo de connamento(L−ε, L+ε), é necessário exibir umδ racional estritamente positivo tal que todon maior do
queδgarante quexn∈(L−ε, L+ε). Ou seja, seδnão puder ser arbitrário, deve depender única e exclusivamente deε. Garantir que uma sequência racionalxn
tem limite é equivalente a exibirδnas condições impostas pela denição. Exemplo 63. A sequência racionalxn= 7converge para7; neste caso, o valor de δ pode ser qualquer racional estritamente positivo, uma vez que qualquern > δ implica quexn∈(7−ε,7 +ε); isso porque, indepen-dentemente do valor estritamente positivo deε,7(a imagem de qualquer
nviax) sempre pertence ao intervalo aberto (7−ε,7 +ε); uma extensão deste resultado é o tema do próximo teorema.
No teorema abaixo adota-se uma notação bastante comum na literatura para sequências constantes (aquelas cujas imagensxn têm todas o mesmo valor)xn= c, a saber, c.
Teorema 39. c→c.
Demonstração: Sejaxn=c, ondec é racional. Logo, devemos provar que
∀ε >0∃δ >0(n > δ⇒ |c−c|< ε),
o que é equivalente a
∀ε >0∃δ >0(n > δ⇒0< ε).
Mas já temos como hipótese que ε > 0 (ver Teorema 1). Logo, qualquer
δ racional maior do que0 satisfaz a condicional da denição. Com efeito, basta perceber quen > δé apenas uma hipótese a mais (ver Proposição 3). Teorema 40. 1
n →0.
Demonstração: Devemos provar que
∀ε >0∃δ >0 n > δ⇒ 1 n−0 < ε .
Podemos reescrever isso como
∀ε >0∃δ >0 n > δ⇒ 1 n < ε , que é equivalente a ∀ε >0∃δ >0 n > δ⇒ 1 n< ε ,
uma vez que n > δ e δ > 0, o que faz de n estritamente positivo. Essa última é equivalente a ∀ε >0∃δ >0 n > δ⇒ 1 ε < n .
Finalmente, isso equivale a
∀ε >0∃δ >0 n > δ⇒n > 1 ε .
Se escolhermos
δ= 1 ε,
teremos uma fórmula implicando nela mesma; isso, de acordo com Teorema 1, é um teorema.
Com relação à última demonstração, notar que qualquerδ0maior do queδ=1ε
também garante que
n > δ0⇒ 1 n−0 < ε
é teorema. Portanto, δ = 1ε não é o único possível valor paraδ que garante a demonstração de que 1
n converge para 0. Mas, levando em conta que a denição de sequência racional convergente exige que exista pelo menos umδque satisfaça o deniens, a prova acima é suciente.
Exemplo 64. Supor ε= 10001 . Neste caso,δ= 1000. Todon maior do que1000garante que a distância entre 1
n e0 é menor do que 1 1000. Teorema 41. @L((−1)n→L).
Demonstração: As imagens de(−1)n são−1 e1. Se, e.g.,ε= 1
10, nenhum
δracional maior do que 0poderá satisfazer a denição.
Para o leitor não familiarizado com a expressão `e.g.', esta abrevia `exempli gratia', a qual se traduz como `por exemplo', do latim.
b
Provar que 2 n2 →0.Para resolver o exercício acima proposto, demonstrar os seguintes teoremas.
• O produto entre racionais é um racional.
• O quadrador2de um racional r(ou seja,r2=rr) é um racional.
• Seré um racional, então existe racionalstal ques > r.
• Se, para qualquer ε > 0, existe δ > 0 tal quen > δ ⇒ |xn−L| < ε, e
δ0 > δ, entãon > δ0⇒ |xn−L|< ε. Feito isso, temos o que se segue:
2 n2 →0sss ∀ε >0∃δ >0(n > δ⇒ | 2 n2 −0|< ε). Logo, 2 n2 →0sss ∀ε >0∃δ >0(n > δ⇒n2> 2 ε). Logo, 2 n2 →0sss ∀ε >0∃δ >0(n2> δ2⇒n2>2 ε).
b
Ou seja, basta escolher δ tal que δ2 > 2ε. Os demais detalhes cam a cargo do leitor.Uma das vantagens da introdução de números reais (a ocorrer na Seção 39) é que a demonstração do teorema
2 n2 →0
se torna extraordinariamente mais simples, se 2
n2 é uma sequência cujas imagens são números reais.
36. Sequências de Cauchy.