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Educação a Distância e especialização em larga escala: o Programa Ágora (2008)

4. As iniciativas de especialização em Saúde da Família da UFMG

4.6. Educação a Distância e especialização em larga escala: o Programa Ágora (2008)

A concepção e execução do BH-Vida pelo NESCON/UFMG, conforme mencionado anteriormente, previa uma concepção mais arrojada do que a efetivamente implantada. Embora aquele curso – oficialmente uma reoferta do CESF – fosse presencial, preconizava-se o uso de algumas tecnologias de Educação a Distância (EaD) como forma de apoio complementar aos profissionais, que acabaram por se mostrar limitadas, ou mesmo ignoradas. Apesar de a comissão coordenadora do BH-VIDA não possuir um acúmulo prévio sobre essa modalidade educacional, havia um desejo de se superarem as frustrações trazidas pelas limitações logísticas de um curso presencial para cerca de mil alunos através do investimento em EaD. A experiência de realização do curso em Ipatinga – ofertado naquela cidade e, por isso, demandante de uma logística mais complexa para seu funcionamento – contribuiu para fomentar essa ideia, especialmente devido às frequentes paralisações e evasão de profissionais. Um curso a distância poderia, assim, diminuir custos e problemas de agenda de docentes, que muitas vezes precisavam desmarcar e remarcar a ida àquela cidade. Além disso, por não ser realizado durante o tempo de trabalho, um curso nesse formato não precisaria ser paralisado em caso de urgências por epidemias ou outros problemas nem precisaria ser abandonado caso o aluno mudasse de cidade.

Ainda em 2002 – ano de início do Veredas e do BH-Vida, as duas primeiras iniciativas de especialização em Saúde da Família na UFMG com um número de alunos acima de cem – a comissão coordenadora do último iniciou uma articulação com coordenadores de especializações em Saúde da Família da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e

da Universidade Federal do Piauí (UFPI) para a elaboração de um projeto a ser levado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), visando à obtenção de financiamento para a disponibilização online de conteúdos de Saúde da Família a serem compartilhados por aquelas universidades. Esse movimento, contudo, não prosperou.

Em 2005, parte da equipe estabeleceu contato com a então coordenadora da Cátedra de Educação a Distância da Faculdade de Educação da UFMG (FAE/UFMG), e um novo projeto

– dessa vez visando à concepção de um curso de especialização à distância em Saúde da

Família – começou a ser elaborado por esse grupo. Outros quatro acontecimentos ocorridos naquele mesmo ano tornaram mais viável a sua futura operacionalização: o primeiro foi uma manifestação do Ministério da Saúde estimulando a adoção de tecnologias de EaD pelas universidades federais para a especialização maciça de profissionais – expressa, sobretudo, pelo apoio à recém-criada Rede Multicêntrica de Apoio à especialização em Saúde da Família nas Grandes Cidades (Rede MAES), e pela organização, pelo próprio Ministério, de uma oficina em Belo Horizonte para o seu lançamento. Conforme explicitado anteriormente, havia nesse momento uma especial preocupação em relação à expansão da Saúde da Família e à qualificação de profissionais nas grandes cidades, e a EaD passou a ser vista como uma possível alternativa para a sua especialização. O segundo acontecimento foi a edição do decreto n.º 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que regulamentou a Educação a Distância no Brasil e forneceu as bases e a segurança necessárias a esse tipo de empreitada69. O terceiro, a retomada das negociações entre o NESCON e o BNDES, incentivada pelas novas perspectivas. O quarto, a criação do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e o lançamento do seu primeiro edital.

Essa iniciativa foi instituída oficialmente por decreto em junho de 2006, no qual foi definida como um sistema voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de "expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação

superior no país" (BRASIL, 2008a). O seu papel é articular instituições públicas de ensino

superior, credenciadas para o ensino a distância, e polos de apoio presencial, que são unidades operacionais "para o desenvolvimento descentralizado de atividades pedagógicas e

administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância pelas instituições públicas de ensino superior".

69

Esse decreto regulamenta, mais especificamente, o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que trata da Educação a Distância.

Embora voltado mais especificamente para cursos de graduação, esse sistema também permitia a inscrição de cursos de pós-graduação. Em 2005 e 2006, o MEC lançou editais, aos quais universidades estatais credenciadas para a oferta de cursos a distância poderiam responder apresentando projetos de cursos de graduação ou pós-graduação nessa modalidade, que seriam apreciados e aprovados (ou reprovados). Municípios com deficiência de oferta de ensino superior, por sua vez, poderiam responder a editais específicos montando projetos para o desenvolvimento de polos de apoio presencial ao ensino superior, que são espaços físicos de apoio à execução descentralizada de atividades didáticas e funções administrativas de cursos a distância. Essas estruturas, montadas e mantidas pelas secretarias municipais de educação, deveriam ser equipadas com biblioteca e laboratórios de ensino/pesquisa e de informática.

Dessa forma, o sistema UAB consiste em uma parceria composta, de um lado, por instituições acadêmicas que possuem cursos aprovados, e por outro, por municípios que também tiveram polos de apoio presencial credenciados pela Universidade Aberta. Um polo pode ter cursos de diferentes instituições acadêmicas credenciadas pelo sistema UAB, uma vez que não há uma vinculação específica entre ambos. As secretarias municipais de educação das cidades-sede devem manifestar o seu interesse em sediar uma turma de um determinado curso para que ele aconteça e, por serem polos regionais, devem também receber alunos de outras cidades, que frequentem cursos nela ofertados.

Embora o projeto do curso ainda não houvesse sido aprovado pela Câmara de Pós-Graduação, ele foi submetido à concorrência do primeiro edital da UAB, lançado em dezembro de 2005. A aprovação ocorreu em 2006, o que garantiu o recebimento de bolsa para pagamento de professores e tutores pelo Ministério da Educação através da intermediação do CNPq, órgão também responsável por tarefa semelhante no curso do PITS. No mesmo ano, foi dado à iniciativa o nome Ágora – uma referência às praças das antigas cidades gregas onde se reuniam as assembleias do povo. A intenção, por parte do NESCON, era que o termo Ágora não definisse o curso em si, mas sim um projeto maior que pudesse sediar outros futuros cursos a distância no âmbito daquele núcleo, fossem eles especializações ou não. Por esse

motivo, um programa com o mesmo nome foi registrado também na Pró-Reitoria de Extensão70.

A produção de material instrucional para o curso, como vídeos e cadernos de estudo, foi iniciada também em 2006. Ainda nesse ano, foi aprovado, junto ao BNDES, um projeto de financiamento para a formulação de conteúdos para a especialização em Saúde da Família.71. Um segundo financiamento foi solicitado ao Ministério da Saúde, para a oferta da primeira turma.

A articulação com as outras unidades além das faculdades de Medicina e Educação foi ocorrendo ao longo desse ano, enquanto se iniciava a produção de material e se buscava a institucionalização do curso. Uma vez que havia uma preocupação com a viabilidade financeira da empreitada e a sua inserção no sistema UAB, somente após consolidadas essas questões é que a atenção do grupo do NESCON se voltou totalmente para a busca de parceiros em outras unidades da UFMG.

A primeira conversa ficou muito centrada na Medicina, embora fosse um projeto desde o início interprofissional (...). Foi feita a captação de recursos e no desenvolvimento dele é que começam a aparecer os outros atores. Então, no desenvolvimento, a gente percebe que estava decidindo coisas ou avançando conceitos de outras áreas como a Odonto e a Enfermagem, embora a gente não tivesse inclusive, no grupo, representantes [dessas áreas]... (Entrevista n.º 1)

Ao contrário do BH-Vida, em vez de se procurarem os departamentos das áreas básicas da medicina para que eles indicassem docentes, o grupo, primeiramente, identificou e conversou com pessoas-chave que já houvessem participado de iniciativas anteriores, ou mesmo do Polo-SF. O mesmo foi feito para a busca de parceiros em unidades como as Faculdades de Odontologia e Educação, bem como para a composição da própria comissão coordenadora. A seguir, o grupo solicitava a indicação formal, pelos departamentos, das pessoas previamente escolhidas.

70 Esse registro encontra-se sob o número SIEXBRASIL 54106/2009. 71

A intenção inicial era obter um financiamento para a oferta do curso, o que não se realizou devido ao fato de o BNDES só poder financiar despesas de investimento, e não de custeio.

A estrutura concebida para o curso guardava certa semelhança com a concepção inicial do BH-Vida – de certa forma, a sua inspiração original. Havia, assim, uma primeira unidade didática obrigatória, de conteúdos essenciais para a organização das ações e do processo de trabalho. A disciplina Trabalho em Equipe, ministrada no BH-Vida para toda a equipe de saúde e de execução inviável na modalidade a distância, foi substituída por uma disciplina denominada Processo de Trabalho em Saúde, com uma temática semelhante à da primeira. Havia também uma disciplina chamada Modelo assistencial e Atenção Básica à Saúde, análoga ao primeiro módulo aplicado no BH-Vida, e uma correspondente ao módulo de uso da informação daquele curso, denominada Planejamento e avaliação das ações em saúde. Uma quarta disciplina, sem correspondência com aquela iniciativa, foi introduzida no módulo obrigatório: Práticas pedagógicas em atenção básica à saúde: tecnologias para abordagem

ao indivíduo, família e comunidade. O seu objetivo era introduzir conceitos e práticas como

acolhimento, trabalhos com grupos, visita domiciliar, consultas e educação permanente. A duração total dessa unidade didática era de 150 horas72.

A unidade didática II do curso pôde, enfim, possibilitar parte da flexibilização curricular que não se viabilizou no BH-Vida: foram previstas trinta e seis disciplinas de livre escolha dos alunos – que deveriam cursar uma carga horária de 210 horas. Ao final do curso, o aluno deve apresentar um Trabalho de Conclusão de Curso, conforme exigido pela legislação referente a cursos de especialização. Esse trabalho deve estar relacionado a algum problema por ele vivido em sua prática. No primeiro semestre de 2010, treze disciplinas estavam sendo ofertadas, e outras nove se encontravam em processo de produção73.

O principal recurso instrucional é o caderno de estudo, geralmente entregue no formato impresso e também disponibilizado em biblioteca virtual aberta, de acesso público. Esse material contém textos que buscam dialogar com o aluno e suscitar questões sobre o seu contexto de trabalho. Eles são também compostos por atividades, que consistem em discussões em fóruns na plataforma ou em trabalhos a serem realizados no contexto de trabalho, como levantamento de dados, realização de diagnósticos situacionais ou elaboração de planos de intervenção. Outros recursos são vídeos, geralmente discutidos em fóruns, e a

72 Ao contrário de um curso presencial, no qual é possível determinar uma carga horária a partir da soma das horas presenciais de aulas e atividades em classe, há uma dificuldade em se fazer essa mensuração em um curso a distância. Isso leva à necessidade de ajustes constantes para se adequar o número de créditos ao número de horas realmente gastas em algumas disciplinas.

biblioteca virtual que, além de conter todo o material próprio do curso, contém também textos e artigos de referência cuja disponibilização seja livre (material público) ou tenha sido autorizada pelos detentores dos direitos autorais.

Durante um sábado por mês, os alunos devem comparecer a um encontro presencial nos polos de apoio, quando são realizadas atividades presenciais, como discussão de casos, conclusão de discussões iniciadas na plataforma e outras. É nesse encontro que se realizam as provas finais dos módulos74.

A tutoria, concebida para funcionar de forma análoga à preconizada pelo sistema UAB, é um componente importante do curso: os tutores a distância (TaD), contratados na proporção de um para vinte e cinco alunos, são profissionais da saúde com especialidade em Saúde Coletiva, Saúde da Família ou Medicina de Família e Comunidade. Vivem, geralmente, nas cidades que sediam os polos ou em localidades próximas. Sua principal atribuição é o acompanhamento pedagógico do aluno. Para cumpri-lo, o tutor deve revisar as atividades desenvolvidas pelos alunos e passar-lhes sugestões, intermediar fóruns de discussões na plataforma online do curso e se manter informado acerca do percurso percorrido pelos seus alunos e as suas circunstâncias, a fim de evitar ao máximo a evasão. O tutor tem, inclusive, autonomia para renegociar prazos de entrega de atividades e formular planos especiais de recuperação do aluno75. Os tutores presenciais (TP) são contratados na proporção de um por polo, e seu trabalho é apoiar as atividades dos demais tutores, organizando os encontros presenciais e assessorando-os na busca de alunos com os quais se perdeu o contato.

Em 2009, formou-se uma estrutura de apoio pedagógico conhecida com Núcleo de Apoio Interdisciplinar e Pedagógico (NAIPE). Seus membros, conhecidos como "naipistas", têm a função de planejar e atualizar as atividades didáticas das disciplinas, conceber a agenda dos encontros presenciais e acompanhar um grupo limitado de tutores (em média, três), para prestar-lhes apoio em caso de necessidade.

74 A legislação vigente de Educação a Distância no Brasil exige a aplicação de prova presencial, valendo no mínimo 40 pontos.

75 Outra atribuição inicial do tutor era a correção de provas, repassada mais tarde aos membros do Núcleo de Apoio Interdisciplinar e Pedagógico NAIPE) e, por fim, abolida com o desenvolvimento de um sistema online de realização de provas.

Administrativamente, o curso foi desenhado inicialmente para ser gerenciado através de sistemas, como os sistemas de tutoria, de gestão acadêmica, de comunicação e informação, de monitoramento e avaliação e de material instrucional.

O curso foi aprovado pela Câmara de Pós-Graduação em cinco de julho de 200776, e uma oferta inicial de 400 vagas foi aprovada na mesma instância em seis de setembro de 2007. Uma vez que o nome "Curso de Especialização em Saúde da Família" já existia no âmbito da universidade, o seu nome oficial passou a ser "Curso de Especialização em Atenção Básica

em Saúde da Família" (CEABSF). Para a primeira oferta, oito polos em Minas Gerais

solicitaram o curso: Araçuaí, Campos Gerais, Conselheiro Lafaiete, Corinto, Governador Valadares, Formiga, Teófilo Otoni e Uberaba. 50 vagas foram alocadas para cada polo. O processo seletivo consistiu em análise de currículo e entrevista dos candidatos nos polos. O grupo dos primeiros 400 candidatos aprovados foi denominado turma Alpha, mantendo assim a nomenclatura usada no BH-Vida; 353 candidatos aprovados foram efetivamente matriculados, iniciando suas atividades em 28 de fevereiro de 2008. Em maio de 2010, trezentos alunos (85% do total de matriculados, ou 75% do total de vagas da oferta) continuavam em curso, já em fase de conclusão do trabalho final.

A segunda oferta (turma Beta) foi aprovada pela Câmara de Pós-Graduação em sete de agosto de 2008, para 400 vagas – das quais cem foram reservadas ao município de Belo Horizonte77, que fez um processo de seleção interna de seus profissionais. As demais vagas foram distribuídas pelos polos em função da solicitação dos coordenadores de polos ou da demanda local, medida pelo número de candidatos em cada polo, o que permitiu variações entre as turmas subsequentes em um mesmo lugar. 398 alunos foram efetivamente matriculados, iniciando as suas atividades em 20 de setembro de 2008. Em maio de 2010, 356 alunos (89,45% do total de matriculados, ou 89% do total de vagas da oferta) continuavam em curso.

A terceira oferta (turma Gama, também 400 vagas.) foi aprovada pela Câmara de Pós- Graduação em doze de março de 2009. Dessa vez, foram reservadas 50 vagas para a SMSA/BH, em uma última reoferta especial. Os mesmos polos presentes nas turmas Alpha e Beta se mantiveram. Todas as 400 vagas foram preenchidas, e essa turma iniciou as atividades

76 Processo na Câmara de Pós-Graduação: 23072.023924/07-21 77

Uma vez que o município de Belo Horizonte não possui um polo de apoio presencial, o Centro de Educação Permanente da SMSA/BH funcionou como o local de realização dos encontros presenciais desses alunos.

em primeiro de agosto de 2000. Em maio de 2010, 394 alunos (98,5% do total) continuavam em curso.

Por fim, a quarta oferta (turma Delta, 400 vagas) foi aprovada pela Câmara de Pós-Graduação em sete de janeiro de 2010, iniciando as suas atividades em 20 de março do mesmo ano. Não houve reservas de vagas para Belo Horizonte nessa reoferta, que passou a contar com um novo polo: Lagoa Santa. Todas as 400 vagas foram preenchidas, e todos os 400 alunos (100%) continuavam em curso em maio de 2010.