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Residência multiprofissional em Saúde da Família e Residência Médica em Medicina de Família e

4. As iniciativas de especialização em Saúde da Família da UFMG

4.5. Residência multiprofissional em Saúde da Família e Residência Médica em Medicina de Família e

A criação de uma residência multiprofissional em Saúde da Família na UFMG significou uma ruptura com as articulações e iniciativas até então estabelecidas. Ao final de 2001, dois editais haviam sido lançados pelo Ministério da Saúde: um para a criação de cursos de especialização

– do qual nasceu o curso Veredas, conforme descrito anteriormente – e outro para a formação

de residências multiprofissionais em Saúde da Família.

Embora a criação de uma residência estivesse explicitada no projeto do Polo-SF/UFMG, ao se lançar o edital para a sua criação, seus membros avaliaram que ainda não havia chegado o momento de iniciá-la na UFMG:

Nós tínhamos definido que não proporíamos residência. Discutimos e achávamos que não era o momento. Ainda não tínhamos acúmulos para um processo de residência, ainda estava muito confuso quem ia titular, como que seria a relação dessa residência com a residência existente hoje, médica. Sabíamos (...) que a comissão nacional de residência não estava bancando essa proposta, que a sociedade mineira tinha discussões em relação a isso, então nós tínhamos definido que a esse edital nós não responderíamos (Entrevista n.º 8).

Entretanto, um professor da UFMG que não tinha contato com o polo, ao tomar contato com o edital, resolveu apresentar um projeto.

Aí um professor daqui (...) lê o edital e diz: vou apresentar um projeto! É legítimo, não tinha ninguém que era dono daquele processo (...). Qualquer um podia apresentar uma proposta... (Entrevista n.º 8).

Embora qualquer docente de uma universidade federal pudesse propor um projeto em resposta ao edital, este exigia que houvesse uma articulação prévia com as faculdades de medicina e enfermagem em cada uma delas. Apesar de conhecer a visão do polo sobre a residência naquele momento, a Escola de Enfermagem atendeu a um pedido da Faculdade de Medicina, e ambas acabaram por indicar representantes que já participavam do polo. Assim sendo, embora o polo não tenha feito se representar institucionalmente nas discussões relativas à residência multiprofissional, delas participaram algumas pessoas vinculadas àquela instância.

Foram feitas também articulações com a rede municipal de Belo Horizonte para que os residentes ocupassem esse cenário de prática. Ao mesmo tempo, foram realizados acordos para que hospitais da rede FHEMIG65 fossem também utilizados. Dessa forma, o cenário hospitalar da residência contaria, além do Hospital das Clínicas da UFMG, com os seguintes hospitais: Alberto Cavalcante, Centro Geral de Pediatria, Maternidade Odete Valadares e Hospital Galba Veloso. Os residentes também teriam acesso às bibliotecas do Campus da Saúde da UFMG e dos hospitais conveniados.

Embora a nova iniciativa fosse uma residência multiprofissional, ela não poderia ser institucionalizada na UFMG nessa modalidade, uma vez que a residências multiprofissionais ainda não estavam completamente regularizadas em 200366. Por esse motivo, ela foi institucionalizada na universidade como um novo curso de especialização, ao contrário das demais iniciativas – até então oficialmente reofertas do CESF. O seu nome oficial passou a ser Curso de Especialização em Saúde da Família: Residência Multiprofissional. A sua carga horária consistia em cerca de sete mil horas totais de atividades – cerca de vinte vezes a carga horária presencial mínima exigida de um curso de especialização. Em sua grade curricular, estavam previstos vários seminários de saúde coletiva, uma disciplina de metodologia científica, estágios curriculares em unidades de PSF e, por fim, estágios na rede hospitalar em saúde da criança e do adolescente, da mulher, do adulto, do idoso, saúde mental e cirurgia na atenção básica. Enquanto os seminários e a disciplina de metodologia científica eram totalmente teóricos, com uma carga horária de 60 horas cada um, os estágios possuíam uma carga horária total de 510 horas cada um, divididas em 75 horas de atividades teóricas e 435 horas de atividades práticas. A grade curricular original dessa iniciativa está no anexo 06 deste trabalho.

A primeira oferta desse curso de especialização em formato de residência ocorreu no início de 2003, quando foram preenchidas vinte vagas: dez para médicos e dez para enfermeiros. Uma segunda oferta ocorreu em 2004, com o mesmo número de vagas. Em 2005, por motivos que estão explicados abaixo, houve uma divisão: criou-se a Residência de Medicina de Família e Comunidade no Hospital das Clínicas, exclusiva para médicos, com uma oferta de dez vagas.

65 Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais 66

Naquele momento, apenas residências médicas poderiam ser reconhecidas como tal, uma vez que a residência multiprofissional só seria criada em 2005, e a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional, em 2007.

O curso de especialização, assim sendo, passou a ofertá-las apenas para enfermeiros (dez vagas naquele ano).

Durante o terceiro ano de existência da residência, uma crise financeira e institucional se instalou, ameaçando a sua continuidade: embora dispusesse dos recursos financeiros necessários, o Ministério da Saúde começou a enfrentar dificuldades em repassá-los à UFMG para a sua manutenção, uma vez que, por um lado, o programa estava institucionalizado como curso de especialização – e não como uma residência formal, o que levantava questionamentos – e, por outro, havia um impasse nacional acerca da aceitação de programas de residência fora da área médica.

Eles [Ministério] começaram o financiamento de uma proposta e depois não encontraram respaldos institucionais e legais para manter esse financiamento, porque eles não tinham como justificar essa divergência de carga horária das titulações. A Comissão Nacional de Residência Médica não incorporava de jeito nenhum a possibilidade de outros profissionais, então existia uma resistência enorme, uma luta enorme de reconhecer a multiprofissional e o Ministério então ficou muito amarrado na possibilidade de financiamento (Entrevista n.º 10).

É preciso ressaltar que, por definição, a participação em um programa de residência é remunerada através de bolsas, e que a sua carga horária inviabiliza o exercício concomitante de um emprego. Por esse motivo, problemas de financiamento são mais graves em residências do que em cursos de especialização – que podem apenas paralisar as atividades, enquanto os alunos esperam a sua retomada. Assim sendo, a falta das bolsas – apesar da garantia institucional de seu pagamento, prevista no edital de seleção – fez com que quatro novos residentes abandonassem o programa em abril de 2006 e o denunciassem às comissões nacional e estadual de residência médica. Estas passaram a questionar o credenciamento do programa, o que agravou a crise institucional dentro da universidade.

Em maio de 2006, a coordenação do programa foi assumida provisoriamente pela chefe do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina (DMPS) – instância formalmente responsável pelo curso de especialização – com o objetivo de garantir a reestruturação da residência. A saída encontrada naquele momento foi, como já fora mencionado, a separação dos componentes médico e multiprofissional do programa: uma vez que a institucionalização da primeira era possível sob a forma direta de residência médica, optou-se por esse caminho, tendo assim esse componente se desvinculado do curso de

especialização para ser assumido pela Comissão de Residência Médica do HC (COREME/HC). Várias medidas foram tomadas a partir de então, entre as quais a reorganização imediata do programa teórico, do campo de estágio e da preceptoria, assim como a celebração de convênio com o município de Brumadinho para a realização de estágio na Atenção Básica. Em janeiro de 2007, foi também firmado um novo convênio com o município de Belo Horizonte, e outro com o município de Tiradentes – substituído mais tarde pelo município de Ouro Branco. Essas cidades passaram também a financiar o programa, o que permitiu a sua recuperação financeira e o pagamento de bolsas atrasadas dos residentes. Posteriormente, também o município de Vespasiano foi incluído.

Além disso, procedeu-se com a vistoria e o recredenciamento da residência médica, na especialidade de Residência de Medicina de Família e Comunidade, pela Comissão Estadual de Residência Médica (CEREM/MG) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), bem como a obtenção de bolsas do Ministério da Educação para todos os residentes do primeiro ano, a partir de fevereiro de 200767. O Hospital Estadual Risoleta Tolentino Neves, que havia ganhado a condição de hospital universitário da UFMG, passou a ser o novo campo de estágio hospitalar. Várias diligências, como as da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, da Procuradoria Jurídica da Universidade, da FUNDEP e do Departamento de Pesquisa e Ensino do Hospital das Clínicas (DEPE/HC), foram solucionadas, o que contribuiu para atenuar a crise institucional instalada.

Por fim, os alunos de enfermagem tiveram os seus créditos integralizados no âmbito do curso de especialização e, uma vez que a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional havia sido regulamentada, um novo convênio entre a UFMG e o Ministério da Saúde foi celebrado para a realização de duas residências: uma médica, em Medicina de Família e Comunidade, e outra multiprofissional, em Saúde da Família – incluindo, dessa vez, cirurgiões dentistas. Esse novo acordo, tramitado em conjunto pelas Faculdades de Medicina e Odontologia e pela Escola de Enfermagem, e aprovado nas respectivas congregações, não foi aprovado pelo Hospital das Clínicas devido a resistências em relação a uma residência de caráter

67 Os municípios ficaram responsáveis, inicialmente, pelo pagamento dos preceptores e das bolsas dos residentes. Quando a residência passou a receber bolsas do Ministério da Educação, os municípios passaram a arcar apenas com o pagamento dos preceptores.

multiprofissional, então recém-autorizada68. Após um ano de tentativas visando à sua aprovação naquela unidade, as demais desistiram da proposta e devolveram o recurso destinado ao componente multiprofissional ao Ministério da Saúde. Dessa forma, a residência

multiprofissional em Saúde da Família se converteu, definitivamente, em uma residência médica de Medicina de Família e Comunidade – deixando também de ser um curso de

especialização.

Embora consolidada, a residência perdeu algumas vagas nos últimos anos, uma vez que a Comissão Nacional de Residência Médica determina que vagas não preenchidas em dois anos subsequentes sejam cortadas. Dessa forma, em 2010 havia apenas seis vagas, e seus detentores se revezavam entre Belo Horizonte, Brumadinho e Vespasiano, contabilizando 60 horas de atividades semanais e 5.760 horas ao todo.

A reestruturação pedagógica e financeira do programa levou a uma maior participação dos municípios no projeto, bem como a um aumento significativo da carga horária na Atenção Básica, que passou a responder por aproximadamente 80% das atividades da residência. O residente assumia, dessa forma, um vínculo real com a rede de atenção básica e, consequentemente, um compromisso com o cuidado em saúde de determinado território no município de sua prática naquele momento, e sua preceptoria é desenvolvida cotidianamente pelo médico da equipe, numa proporção de dois ou três residentes por preceptor. Além disso, o convênio com as secretarias de saúde municipais, além de dar um novo fôlego ao projeto, contribuiu para consolidação institucional da residência– tanto pela resolução dos problemas vivenciados anteriormente como pelo respeito à concepção original de uma formação em Saúde da Família geral e integrada, como se vê na fala seguinte:

Você não forma médico da Atenção Básica dentro do hospital para ele aprender um tanto de coisa e depois aplicar na atenção básica. Não! Você forma esse profissional na atenção básica, já entendida como um corpo, com identidade, com especificidade e com conhecimento, e não como uma colcha de retalho das várias especialidades que foram aprendidas no hospital. Essa premissa foi inteiramente acatada e ela dava conta de resolver para a gente as demais questões que a crise trazia... (Entrevista n.º 10)

68 Posteriormente, um programa de residência multiprofissional passou a funcionar no HC, embora não haja uma área de concentração específica para a Saúde da Família (Saúde do Idoso e Atenção Cardiovascular eram as duas únicas áreas ofertadas em 2010). Fonte: http://www.hc.ufmg.br/residenciamultiprofissional/

A Residência Médica costuma ser considerada o "padrão-ouro" da formação especializada, e a concepção acima descrita mostra a sua importância para a formação da própria identidade profissional e do campo de conhecimento vinculado à Medicina de Família e Comunidade. Entretanto, apesar de o Ministério da Saúde também investir nesse tipo de formação, ele deixou clara a sua prioridade por cursos de especialização devido à impossibilidade de se expandir a residência até o alcance do número de vagas necessário para a formação maciça da força de trabalho da Saúde da Família. A iniciativa discutida a seguir visou a formular uma resposta à preocupação específica do Ministério em se universalizar a especialização naquela estratégia.