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5. Análise geral das iniciativas

5.5. Integração com os serviços e com a graduação

A integração com os serviços está presente em todas as sete iniciativas estudadas, ainda que em graus diferentes. A participação de profissionais do serviço e gestores de saúde na concepção das propostas de curso é frequente e foi mencionada em seis das sete iniciativas, tendo sido mais expressiva nos cursos que ocorreram por demanda municipal direta (BH-Vida e Odontologia em Saúde Coletiva). Nas demais iniciativas, essa participação ocorreu de forma mais discreta, sobretudo através da presença de algumas pessoas de instituições do âmbito estadual, como a ESMIG, a FHEMIG e a própria SES/MG. Profissionais da rede de saúde tiveram uma participação importante nas reflexões posteriores sobre a concepção de uma dessas iniciativas, posteriormente. As falas a seguir demonstram a participação de profissionais do serviço no delineamento de algumas iniciativas:

Foi um curso em que cada disciplina foi muito discutida, não só com as pessoas do nível técnico da secretaria como na faculdade... (Entrevista n.º 2). Foi criado inicialmente um grupo menor, que, junto com a Secretaria Municipal de Saúde (...), com o pessoal de recursos humanos da Secretaria, começou a desenhar a matriz curricular... (Entrevista n.º 3).

Essa participação era, por vezes, facilitada por pessoas específicas, com trânsito na universidade e nos serviços.

[Havia] dois professores (...) que eram também funcionários da secretaria municipal, então eles faziam uma ponte aqui com os professores da UFMG (Entrevista n.º 2).

A presença de profissionais dos serviços no corpo docente dos cursos, ou como preceptores e tutores, é mais expressiva numericamente do que na concepção das propostas, ocorrendo também em seis das sete iniciativas. As duas próximas falas descrevem, respectivamente, o mecanismo usado por uma iniciativa para recrutar docentes locais e os lugares nos quais outra iniciativa buscou profissionais:

Quando [o coordenador de disciplina] inicia esse trabalho, ele faz esse levantamento das possibilidades de participação de pessoas daquele município, daquele serviço, participar do curso. Então, de acordo com a indicação desses gestores, nessas possibilidades, as pessoas participam... (Entrevista n.º 11).

Nós trouxemos pessoas da área de saúde, eram pessoas que coordenavam processos na secretaria estadual de saúde (...) para mostrar essa visão do gestor de saúde (...). São referências técnicas validadas, de Hanseníase, de Hipertensão, de Diabetes. Utilizamos aqui também o grupo de saúde do adolescente, aqui da UFMG; junto com a secretaria, a parte judicial, do estatuto do adolescente, do idoso, para discutir com eles essas interfaces, lidar com esses problemas de saúde, então a gente trazia pessoas de fora também... (Entrevista n.º 7).

O gráfico abaixo mostra a proporção entre docentes vinculados oficialmente à UFMG e externos a ela, segundo as relações de corpo docente em poder da Assessoria Acadêmica, órgão da Pró-Reitoria de Pós-Graduação83. Nem todos os externos são necessariamente do serviço, uma vez que alguns são vinculados a outras instituições acadêmicas, embora sejam uma minoria:

Fig. 18: Proporção entre docentes vinculados à UFMG e externos nos sete cursos

Nota-se que a maior proporção de profissionais externos está presente na Residência multiprofissional, o que condiz com o seu caráter de formação em serviço. A segunda maior proporção de docentes externos encontra-se no Veredas, e a terceira, no Ágora – curso

83

As informações sobre o corpo docente da residência foram obtidas através de documentos obtidos com um ex- coordenador do programa, uma vez que não se encontravam na Assessoria Acadêmica ou na COREME/HC.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Externo UFMG

conduzido basicamente por tutores – que são, em sua maioria, profissionais do serviço. O curso de Odontologia em Saúde Coletiva aparece sem profissionais dos serviços por não tê- los registrado na lista original do corpo docente, embora existam alguns. O gráfico abaixo mostra novamente a relação entre profissionais vinculados à UFMG e externos, porém discriminando também a quantidade absoluta de docentes em cada curso:

Fig. 19: Quantidade de docentes por curso e proporção entre profissionais da UFMG e externos

Como se pode ver, das três iniciativas que especializaram um maior número de profissionais – Veredas, BH-Vida e Ágora – a primeira detém o maior número absoluto de docentes. Em seguida, vem o BH-Vida. Apesar de ser numericamente superior a ambas, em termos de alunos, o Ágora se encontra em terceiro lugar por não ser um curso presencial. As outras iniciativas especializaram menos profissionais, e isso se reflete no tamanho do seu corpo

CESF PITS Veredas BH-Vida Residência/HC Ágora Odontologia

Externo UFMG Número de Docentes 0 50 100 150 200 250 300

docente, embora esse baixo número possa se dever também, conforme mencionado acima, ao não registro de preceptores ou docentes do serviço na lista oficial do corpo docente.

Apenas em duas iniciativas ocorreram atividades práticas realizadas diretamente nos serviços, contabilizadas na carga horária dos momentos de concentração: na residência, devido ao seu caráter intrínseco de treinamento em serviço, e no PITS, que estabeleceu acordos com hospitais da rede FHEMIG e com ambulatórios do HC/UFMG para que seus alunos pudessem vivenciar situações práticas. Todas as demais iniciativas, entretanto, estavam, de alguma forma, relacionadas às unidades de saúde nas quais trabalhavam seus alunos, uma vez que todas possuíam atividades de dispersão que deveriam ser praticadas nos serviços, embora nem sempre sob supervisão direta de algum docente ou tutor.

As relações com os cursos de graduação, por sua vez, são menos significativas do que aquelas com os serviços. Essas relações poderiam, em tese, beneficiar ambas as partes, a partir de discussões conjuntas sobre a teoria aprendida e a realidade enfrentada por, respectivamente, pós-graduandos e alunos de graduação. A participação de professores e preceptores em tais momentos, ou até mesmo o compartilhamento de docentes por ambos os programas, poderia também incentivar mudanças curriculares na graduação que se considerassem necessárias a partir dessa convivência. Entretanto, apenas uma iniciativa – a residência – buscou manter laços no dia a dia com alunos de um curso de graduação. Essa experiência, no entanto, não foi exitosa, uma vez que graduandos e residentes competiam pela autonomia em serviço:

A minha proposta era essa: uma equipe formada pelos profissionais da equipe, o residente e o aluno, essa era a equipe. Mas o aluno e o residente arranjaram 'n' justificativas pra não ficarem juntos, e as justificativas eram de toda natureza, até o momento que eu entendi que eles não queriam... (Entrevista n.º 10).

O Veredas recebeu, em uma turma específica, apenas profissionais provenientes de cidades que mantinham convênios de internato rural com alguma unidade da UFMG. A intenção expressa era a consolidação de laços mais fortes com a graduação. Entretanto, essa relação acabou se tornando mais institucional, sem uma participação constante de alunos de graduação.

As iniciativas de especialização em Saúde da Família tampouco mantêm laços formais com as comissões do Pró-Saúde nas unidades envolvidas (Medicina, Odontologia e Enfermagem), embora um dos eixos desse programa esteja relacionado ao papel da capacitação profissional na mudança do ambiente de ensino. Entretanto, relações informais acabam se formando a partir da participação dupla, de alguns docentes, nos cursos e nessas comissões:

Só boa vontade. Na prática não existe nada... As pessoas, especificamente, me parece que nenhuma delas está, assim; visceralmente envolvida... (Entrevista n.ª 1)

O Pró-Saúde foi um processo posterior, ele se valeu disso tudo, o tempo inteiro, mas ele não teve necessariamente uma interface não, não construíram... (Entrevista n.ª 11)

Eu faço a ponte, mas oficialmente a gente não fez nada disso não (...). São as mesmas pessoas, infelizmente são os mesmos sempre nessa área... (Entrevista n.ª 6)

A necessidade que eu sinto, muito grande, é que um dia todo mundo se sentasse junto: quem está fazendo o PET-Saúde, quem está no Pró-Saúde, quem está na especialização... que fizesse um grande evento, que se juntasse todo mundo, exatamente para utilizar a força dos cursos e principalmente as ideias, então esse desejo eu tinha, porque muitas vezes a gente fica conversando paralelamente, né! (Entrevista n.º 5)

Embora não tenha havido uma relação expressiva direta entre os cursos de especialização e a graduação, em quatro entrevistas foi reconhecido algum impacto sobre os cursos de graduação a partir da mudança de visão dos docentes que davam aulas em ambos, ainda que não houvesse um esforço específico para a ocorrência desse intercâmbio:

Eu acho que a partir desse curso de especialização, houve uma mudança muito grande dos professores da forma que viam essa questão da atenção primária (Entrevista n.º 2).

A maior parte deles [docentes] participava de projetos de ensino na graduação, ligados à Atenção Primária, como por exemplo, o internato rural, tanto da enfermagem, como da medicina, e também os ambulatórios periféricos, que eram a base do curso da Pediatria e da Clínica Médica na Faculdade de Medicina. Então, acho que traz um pouco essa experiência e, é claro, que todo esse processo do curso reverte, de alguma maneira, para o ensino de graduação. Mas não vejo que tenha tido alguma intencionalidade nisso (Entrevista n.º 3).

Imagino que algumas pessoas mudaram também, eu acho que sim. O Caminhar também da UFMG com o internato rural, eu acho que traz essa

mistura... é por coincidência que eu fui para o internato? Ou eu fui para o internato porque eu estava no polo? (Entrevista n.º 8)

Eles não conheciam o PSF, nós não conhecíamos, nós fomos dar aula aprendendo o que é PSF. Muitos dos professores daqui, da Medicina, da Faculdade de Ciências Médicas, viam e começavam estudar, a trabalhar e conhecer o PSF, e levar para o currículo da graduação... (Entrevista n.º 11).

Um único esforço concreto que gerou frutos para a graduação foi mencionado em algumas entrevistas: trata-se de um livro específico de pediatria para profissionais da Atenção Primária, elaborado a partir do material produzido para uma das iniciativas e que, posteriormente, passou a ser adotado também na graduação.

Então, o pessoal da pediatria conseguiu produzir um material que aproximava muito do que a gente tinha idealizado. Esse material, inclusive, posteriormente, ele foi transformado em um livro-texto que, hoje, é bastante utilizado, pelo menos, pelos alunos da UFMG. Mas a gente viu também, alguns conteúdos produzidos com muito viés e muito com a visão de especialista (Entrevista n.º 3).

[Houve] um salto muito grande na qualidade, que eu acho que foi o embrião do livro-texto que a pediatria fez, então o grupo da pediatria avançou mais e depois com essa discussão com mais de 6 meses, eles construíram um livro de pediatria em atenção primária (Entrevista n.º 2).

Há, portanto, relações estabelecidas, em maior ou menor grau, entre as iniciativas de especialização em Saúde da Família e os serviços. Elas ocorrem na concepção e na execução dos cursos, embora de maneira diferenciada entre as iniciativas. A relação com os cenários de prática se dá principalmente de forma indireta, a partir da realização de atividades de dispersão que envolvam o contexto do serviço. Não há laços diretos com a graduação, embora haja docentes que façam parte das comissões do Pró-Saúde. Alguns entrevistados relacionam mudanças de visões em alguns professores de graduação ocorridas a partir de sua atuação nas iniciativas de especialização em Saúde da Família. Entretanto, considerando-se a integração docente-assistencial como uma "união de esforços em um processo de crescente articulação" entre os serviços de saúde e as instituições acadêmicas, como discutido no marco teórico deste estudo, constata-se que as ações realizadas, excetuando-se aquelas executadas conjuntamente a partir de demanda de gestores municipais, ainda mantém um caráter de eventualidade. Ressalta-se ainda que os mecanismos mais comuns de recrutamento de pessoas do serviço

preveem uma relação direta entre a iniciativa e esse profissional, não passando necessariamente por uma real articulação com o sistema de saúde.