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5. Análise geral das iniciativas

5.3. Natureza da demanda e financiamento das iniciativas

Esse capítulo discutirá os achados pertencentes a duas categorias empíricas deste trabalho: a natureza da demanda e o financiamento das iniciativas de especialização em Saúde da Família da UFMG. Dessa forma, ele trata de analisar quem as solicita, induz e/ou financia, e através de quais mecanismos.

5.3.1. Natureza da demanda

Considerando a demanda inicial para o desenvolvimento de uma iniciativa, constata-se que três dos cursos estudados foram solicitados diretamente pelo Ministério da Saúde, através da abertura de edital (PITS, Veredas e Residência Multiprofissional em Saúde da Família). Duas foram solicitadas diretamente por municípios (BH-Vida e Odontologia em Saúde Coletiva), e outras duas se desenvolveram por iniciativa das próprias instituições (Primeira oferta do CESF e Ágora). Entretanto, reofertas específicas de alguns cursos foram solicitadas por instituições diferentes da demandante original: a segunda reoferta do Veredas, por exemplo – destinada a coordenadores de Atenção Básica – foi solicitada pela Secretaria Estadual da Saúde, e as demais (uma reoferta para Teófilo Otoni e Pedra Azul, e outra para Ouro Preto) foram solicitadas por esses municípios. Se considerarmos o número de vagas abertas em função de cada tipo de solicitação (a partir da demanda e do número de vagas em cada iniciativa), nota-se que a maioria delas é criada sem uma demanda específica (41,58%). Os municípios aparecem recebendo 36,95% das vagas abertas, e o Ministério aparece com 21,38% dessas vagas. A SES/MG foi responsável pela solicitação de 0,99% do total de vagas. O gráfico 13 mostra a proporção dos demandantes entre os cursos, e o gráfico 14 o faz em relação ao número de vagas abertas para corresponder a cada demanda.

Fig. 13: Proporção de iniciativas por demandante direto, entre as sete estudadas

Fig. 14: Proporção de vagas disponibilizadas por demandante direto

Apesar da diferença constatada nos gráficos em relação ao Ministério, é necessário ressaltar que esses números tratam da demanda direta, e que os cursos ali apresentados como desprovidos de demandas específicas – a primeira oferta do CESF e o Ágora –, embora não tenham respondido a um edital, podem ser considerados respostas a políticas ministeriais. O primeiro estava previsto no projeto de desenvolvimento do Polo-SF/UFMG, que concorreu a um edital. O segundo, por sua vez, foi articulado levando-se em conta o ambiente favorável a iniciativas em larga escala, uma vez que o Ministério da Saúde explicitou que elas teriam apoio e seriam estimuladas. Deve-se levar em conta também que o financiamento das

42,86%

28,57% 28,57%

Ministério da Saúde Municípios

Sem demanda específica

21,38% 0,99% 36,95% 40,67% Ministério da Saúde Estado Municípios

iniciativas por demanda municipal ocorreu, via de regra, com recursos federais, como descrito adiante.

Dessa forma, constata-se um papel importante do Ministério da Saúde na demanda de desenvolvimento de cursos de especialização em Saúde da Família na UFMG, embora nem sempre de forma direta. O município é o ente da federação que demandou diretamente o maior número de vagas, e o estado teve um papel eventual, ao propor uma turma de 40 alunos

– também financiada pelo Ministério.

5.3.2. Financiamento

Em um documento relativo ao processo de abertura do CESF, em 1999, a Pró-Reitoria de Planejamento da UFMG comunica que o financiamento dessa iniciativa se daria através da "contrapartida dos serviços estadual e municipais de saúde, tendo em vista a integração

desses serviços com os cursos; através de projetos específicos que venham a ser encaminhados a órgãos financiadores; cobrança parcial ou total de alunos"81.

Assim sendo, os possíveis mecanismos de financiamento desse curso e de suas reofertas foram estabelecidos de forma ampla, de maneira a permitir parcerias com as diferentes esferas de governo ou órgãos financiadores específicos. Também não se excluiu a possibilidade de se oferecerem cursos pagos pelos próprios alunos.

Apesar da diversidade de alternativas, o Ministério da Saúde aparece como o grande financiador dos cursos, contribuindo – total ou parcialmente – em todas as sete iniciativas estudadas. Em relação ao número de vagas, o Ministério aparece como financiador, em diferentes graus, de 97,77% delas. Essa conta pode ser ainda maior, ou mesmo alcançar a totalidade das vagas, uma vez que não foi possível aferir o mecanismo de financiamento na turma de Ouro Preto (Veredas) e da segunda reoferta do curso de Odontologia. O financiamento dessas turmas pode tanto ter sido exclusivo do município como do Ministério, ou ainda ter sido misto, se ambas as esferas tiverem contribuído.

O Ministério da Educação (MEC) e o BNDES aparecem como financiadores parciais apenas de um curso, o CEABSF. Entretanto, devido ao volume de vagas dessa iniciativa, 40,57% do total de vagas podem ser consideradas como beneficiadas em algum grau pelo recurso dessas instituições. Ressalta-se que a participação de ambas é limitada, uma vez que ambas não participam do custeio geral: o BNDES financiou apenas a produção de material instrucional, enquanto o MEC, através do Sistema Universidade Aberta do Brasil, é responsável apenas pelo pagamento de bolsas a tutores e outros profissionais envolvidos na execução do curso.

Os municípios aparecem como financiadores parciais de 27,84% das iniciativas, embora esse número – a exemplo do Ministério da Saúde – possa ser maior devido às duas reofertas cujo financiamento não pôde ser aferido. A figura abaixo mostra o financiamento por instituição em função do número de vagas. Cabe lembrar aqui que os mecanismos de financiamento não são exclusivos, podendo uma iniciativa receber recursos de várias fontes, como ocorre, sobretudo, com o CEABSF.

Fig. 15: Número de vagas financiadas por cada fonte financiadora (total de vagas: 4022)

3856 1097 1600 1600 120 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 Nº de vagas financiadas

Embora não possam ser consideradas financiamento direto, algumas contribuições pontuais foram observadas: os alunos que cursaram a segunda reoferta do Veredas, que atendeu a uma turma especial de coordenadores a pedido da SES/MG, receberam ajuda dessa instituição para se deslocarem a Belo Horizonte, cidade onde ocorriam os períodos de concentração. O PITS, conforme mencionado anteriormente, também era responsável por fornecer moradia e alimentação aos participantes do programa.

Constata-se também uma multiplicidade de formas de repasse e convênios em relação ao recurso proveniente do Ministério da Saúde: seis mecanismos diferentes foram identificados. Na maior parte deles há uma triangulação: o Ministério repassa recursos a uma terceira instituição, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a cultura UNESCO, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ou o próprio município beneficiado com a especialização. Em uma iniciativa (VEREDAS), o recurso repassado pelo Ministério para a execução das duas primeiras reofertas era proveniente do financiamento do projeto Reforço à

Reorganização do Sistema Único de Saúde (REFORSUS) pelo Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). A única iniciativa que recebeu recursos diretamente do Fundo Nacional de Saúde foi o Ágora, o que faz com que a maioria das vagas (40,57%) tenham sido beneficiadas por essa modalidade de transferência. O gráfico 16 mostra os mecanismos de repasse identificados entre as iniciativas financiadas, direta ou indiretamente, pelo Ministério da Saúde. Nota-se que a maioria dos mecanismos de financiamento não chegou a financiar 6% do total de vagas, o que possivelmente se deve à existência de limitações e imperfeições em cada um deles. Essa diversidade também leva a pensar em uma provável busca, por parte do Ministério da Saúde, por um mecanismo mais adequado de repasse: constatou-se, por exemplo, que a terceira oferta do PITS foi realizada com repasse via UNESCO devido a problemas com a modalidade anterior (Convênio Ministério/CNPq), cujos repasses haviam sido bloqueados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Fig. 16: Proporção de vagas financiadas pelo Ministério da Saúde, direta ou indiretamente, segundo mecanismo de repasse

Analisando-se o histórico dos cursos de especialização em Saúde da Família na UFMG, é possível constatar a multiplicidades de ações induzidas e financiadas pelo Ministério da Saúde

– especialmente entre o final da década de 90 e o início da primeira década do século XXI.

Esse período corresponde à consolidação da Saúde da Família como uma estratégia reorganizadora do modelo assistencial e à sua expansão, o que justifica os esforços relativos à qualificação profissional por parte do Ministério. Entretanto, nota-se a concomitância de induções dirigidas à própria universidade: um exemplo disso é o fato de, em um único ano (2001), o Ministério da Saúde ter lançado três editais, dois voltados à especialização (PITS e Veredas) e um à residência multiprofissional – aos quais a UFMG concorreu com êxito. Nesse mesmo ano, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte procurou a universidade para especializar os seus profissionais, ação que também seria financiada em grande parte por aquela instituição.

Essa gama de induções financeiras parece estar na origem da diversidade de iniciativas surgidas na UFMG no início da primeira década do século. Além disso, constata-se a existência de alguns obstáculos ao repasse de cursos dentro dos períodos previstos, o que causou problemas a alguns cursos: representantes de três das sete iniciativas estudadas mencionaram atrasos no repasse financeiro ministerial. Problemas dessa natureza também

1,10% 1,26% 2,19% 20,84% 29,62% 43,88% 1,10% Via OPAS Via CNPQ Via UNESCO Via Reforsus

Via convênio Municipal

Via Fundo Nacional de Saúde

foram verificados no âmbito municipal: o repasse da SMSA/BH à universidade pela especialização das duas últimas turmas do curso Odontologia em Saúde Coletiva encontrava- se atrasado em maio de 2010: das doze prestações previstas, apenas duas foram repassadas. Essas turmas terminaram o curso em novembro de 2009. As falas a seguir ilustram as preocupações referentes ao assunto:

O cronograma de desembolso não segue muito o cronograma do curso, e o curso tem um tempo para ser oferecido. Ele tem uma normatização, tem um regulamento, e em alguns momentos, isso é muito complicado pelo cronograma de desembolso financeiro. Tem um atraso muito grande, por parte do Ministério, na avaliação da prestação de contas, atrasando o cronograma de desembolso e interferindo de uma maneira muito complicada no cronograma de oferta do curso... (Entrevista n.º 3).

As entradas não obedeciam às datas da universidade, então nós estourávamos tudo que é data, né, a gente ia de acordo com a vontade do Ministério... vai começar agora, mas o calendário escolar é esse! Então a gente detonava tudo (Entrevista n.º 10).

Nota-se, portanto, que os problemas de repasse constituem-se em fontes de desgaste para os profissionais envolvidos nos cursos e entre a sua coordenação e a universidade, uma vez que eles são causas frequentes de atrasos de cronogramas. Lembra-se que, no caso da Residência Multiprofissional, a falta de repasse – não por insuficiência de recursos, mas pela impossibilidade de realizá-lo – levou ao abandono do programa pelos residentes e ao acionamento das comissões nacional e estadual de residência médica, o que gerou uma crise institucional.

A última Política Nacional de Educação Permanente, instituída pelo Ministério da Saúde através da portaria n.º 1.996, de 2007, prevê a descentralização de recursos destinados a ações de capacitação profissional, que seriam então pactuadas regionalmente. Apesar disso, o Ministério – provavelmente em razão da execução insuficiente de iniciativas de especialização em Saúde da Família à época dos polos de Educação Permanente, que se constituiu em uma primeira tentativa de descentralização – segue financiando diretamente esses cursos como parte da estratégia de qualificação maciça dos profissionais de Saúde da Família conduzida pela Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS).