• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 5 – Revisão da Literatura e Seleção de Variáveis Explicativa

5.3. Seleção das variáveis explicativa

5.3.2. Efeitos discriminatórios

i) Dimensão política ou de poder – diz respeito às relações de poder e diferenças de poder relativo

O conceito de poder, apesar de sua grande importância nas relações internacionais, não é pacífico. Cada escola e teoria procura dar contornos distintos e operacionalização diferente para este elemento central da vida internacional. O poder não pode ser medido diretamente e é por este motivo que a adoção de diferentes variáveis proxy para o mesmo traz implicações diferentes.

Tendo em mente um conceito meramente operacional de poder definido pela teoria relacional defendida por Bobbio (2000, p. 251), poder é a relação entre dois sujeitos de modo que o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário, não ocorreria. Dessa forma, a operacionalização do poder nas relações, eminentemente econômicas, entre os países no OSC será determinada também por um conjunto de variáveis econômicas. Esta abordagem possui o inconveniente de não captar a possibilidade de linkages com outras áreas e com outras formas de exercer pressão e poder entre os países.

No entanto, uma vez que o que fundamentalmente está em jogo em uma disputa na OMC é um ganho econômico, a premissa é de que a forma mais eficaz de exercer poder neste caso é pela ameaça de impor uma perda econômica em montante suficiente ao outro a ponto de evitar a abertura de uma disputa específica. Desta forma, a dimensão de poder será tratada em nossos modelos com o uso de duas variáveis para captar seus efeitos: o comércio preferencial e a ajuda oficial ao desenvolvimento.

Comércio preferencial

A ameaça da retirada de vantagens comerciais preferenciais é uma importante medida da relação de poder de um ator sobre o outro que busca exatamente a elevação de seu ganho líquido com o comércio. Ao contrário do comércio preferencial advindo de acordos de complementação econômica, acordos de livre comércio e processos de integração regional, o comércio preferencial obtido por meio de esquemas autônomos, voluntários e unilaterais de preferências comerciais, como o Sistema Geral de Preferências (SGP), podem se converter em veículos eficientes de condução de relações de poder.

De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), atualmente estão em vigor 13 sistemas nacionais de preferências comerciais do tipo SGP6. Os países que oferecem estes mecanismos são: Austrália, Bielo-Rússia, Bulgária, Canada, Estônia, União Europeia, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Rússia, Suíça, Turquia e Estados Unidos. No entanto, apesar de sua importância para a economia de alguns países de menor desenvolvimento relativo, além de sua importância histórica, o sistema SGP não capta todo o espectro do comércio

preferencial suscetível a relações assimétricas de poder.

Atualmente grande parte dos países, mesmo os em desenvolvimento, oferecem algum grau de preferência comercial aos PMD e os países que possuem esquemas de SGP já tradicionais instituíram outros mecanismos de preferências comerciais específicos que estão ainda mais sujeitos a dinâmicas de poder relativo do que o sistema SGP monitorado pela UNCTAD.

Apenas para citar UE e EUA, o primeiro possui instituídos, além do SGP regular, uma linha de SGP específica para os PMD, o esquema Everything but arms (EBA)7 e o Acordo de Cotonou (ACP)8. Enquanto o segundo, em adição ao SGP regular e ao SGP para PMD possui ainda o African Growth and Opportunity Act (AGOA)9 e o Caribbean Basin Initiative (CBI)10.

Dessa forma, mais do que o esquema SGP, o interesse desta pesquisa está em todo o fluxo de comércio preferencial que possa converter-se em veículo de transmissão de relações de poder devido a diferenças de poder relativo entre o par exportador- importador. Assim, faremos um mapeamento de todo o fluxo de comércio preferencial entre grupos com destacada assimetria11: i) países desenvolvidos x países em desenvolvimento (todos os subgrupos); ii) países em desenvolvimento de renda média- alta x PMD; e iii) países em desenvolvimento de renda média-baixa x PMD.

Em nossa enunciação relativa a esta variável, a mesma será definida como a participação da balança comercial preferencial (exportações preferenciais menos importações preferenciais) na corrente de comércio total do país, a qual denominaremos PREF. Esta será um indicativo da dependência da capacidade exportadora do país do comércio preferencial sujeito a relações de poder ou de sua capacidade de promover ou bloquear fluxos de exportações preferenciais vindas de outros países para seu mercado e, portanto, exercer influência/poder (a depender do valor positivo ou negativo da relação líquida entre exportações e importações preferenciais). Espera-se uma correlação positiva entre a variável e a frequência de uso do OSC no polo ativo. No polo passivo, espera-se

7 Disponível <http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2013/april/tradoc_150983.pdf>. Acesso em junho de 2016.

8 Disponível em <http://ec.europa.eu/europeaid/where/acp/overview/cotonou-agreement/index_en.htm_en>. Acesso em junho de 2016.

9 Disponível em <https://ustr.gov/issue-areas/trade-development/preference-programs/african-growth-and- opportunity-act-agoa>. Acesso em junho de 2016.

10 Disponível em <https://ustr.gov/issue-areas/trade-development/preference-programs/caribbean-basin- initiative-cbi>. Acesso em junho de 2016.

11 Considerando como membros de cada grupo apenas aqueles membros da OMC definidos nesta pesquisa.

que tenha efeito negativo como inibidor da efetividade de acionamentos. Ajuda oficial ao desenvolvimento

Outra variável importante para capturar efeitos da dimensão do poder relativo é a ajuda oficial ao desenvolvimento (official development aid – ODA). Ameaças ou a mera possibilidade de redução do montante de ODA podem ser elementos cruciais no processo decisório de alguns países de menor desenvolvimento relativo.

Esta variável será definida como a participação porcentual do volume líquido (doado menos recebido) de ODA na economia nacional do país (em relação ao PIB), a qual denominaremos de ODP, indicando a suscetibilidade do país (recebedor líquido) ou sua capacidade na alocação (doador líquido) de fluxos de ODA. Espera-se uma correlação positiva (maior frequência de uso) no polo ativo e negativa no polo passivo (inibição da efetividade de acionamentos) quanto maior o valor de ODP.

ii) Dimensão institucional e capacidade legal – relacionada à qualidade e capacidade institucional/legal

Capacidade legal/institucional

Os efeitos da capacidade legal e institucional dos países sobre a frequência de uso do OSC e sobre a inibição de reclamações são indiretos. Ainda não há na literatura grande consenso sobre a significância deste efeito. Alguns estudos mais recentes, no entanto, tem apontado a importância desta dimensão especialmente para a iniciação de disputas. As principais abordagens na literatura para construção de proxies para a capacidade legal/institucional são o uso do número de membros das delegações dos países na OMC em Genebra e o PNB per capita.

Ambas as abordagens apresentam problemas na presente modelagem: a primeira por que é virtualmente impossível saber a direção do efeito neste caso, ou seja, se o tamanho das delegações são uma consequência da própria suscetibilidade do país a demandar/ser acionado no OSC ou a uma capacidade institucional/legal prévia (de acordo com o ditado popular, não sabemos se "o ovo vem antes ou a galinha"); na segunda o problema consiste na alta correlação da variável com outros efeitos, especialmente o PIB.

Portanto, nossa abordagem para esta variável será baseada no índice de eficácia governamental (government effectiveness), em termos relativos, calculado pelo Banco Mundial. Como este é um índice qualitativo normalizado, que pode assumir valores positivos ou negativos em torno de uma média, ajustes no mesmo são discutidos no Anexo 4. Espera-se uma correlação positiva entre a capacidade legal/institucional e a frequência de acionamentos no polo ativo e uma correlação negativa no polo passivo.

Aprendizado

Pretendemos também capturar o efeito aprendizado na participação dos países no OSC apontado pela literatura (HURREL, NARLIKAR, 2006). Assim como nossas variáveis explicativas para determinação da participação dos países em desenvolvimento no sistema multilateral de comércio são exógenas, nossa variável aprendizado também deverá ser exógena.

A variável aprendizado, a qual denominaremos APRE, será composta pelo somatório do número de casos em que o país atuou no OSC como parte interessada até o ano corrente em análise. A premissa é de que a atuação dos países especialmente como parte interessada em procedimentos no OSC não está captada pelas variáveis anteriores e tem o importante efeito de contribuir com a familiarização do país com os procedimentos do órgão.

Assim, além de aprender sobre a operação das diversas instâncias do OSC, os países em desenvolvimento poderiam aprender com a práxis de países mais desenvolvidos dos quais podem assimilar experiência, aumentando sua própria capacidade legal/institucional no tema.

Este processo poderia inclusive contribuir para ampliar a capacidade dos PED de avaliar os custos e benefícios de se iniciar uma determinada demanda no OSC, além das probabilidades de sucesso. Espera-se uma pequena correlação positiva entre esta variável e a dependente no polo ativo para os países em desenvolvimento e uma correlação nula ou insignificante para os países desenvolvidos. Não se espera efeito significativo da variável no polo passivo.

Regime político

O regime político é o conjunto de instituições pelas quais o Estado se organiza para exercer o poder político (BOBBIO, 2011; SOUZA, 2002). Ou seja, é o conjunto de instituições que media a relação entre os detentores do poder político e a sociedade. Dessa forma, trata-se da característica institucional mais importante do Estado. Independentemente da forma de Estado, sistema de governo e forma de governo, o regime político é a medida da representatividade social no exercício do poder político.

Dessa forma, quanto maior for a permeabilidade e representatividade das instituições do Estado face à sociedade, mais competitivo será o jogo de formação das preferências do ator-Estado. Portanto, quanto mais aberto o regime político mais os detentores do poder político precisarão observar as preferências de amplos e diversos grupos sociais na condução das políticas públicas.

Neste caso, a permeabilidade do processo decisório às preferências de grupos de pressão da sociedade na formação de políticas públicas e a transparência são maiores, porém, a efetividade na transmissão destas preferências é baixa, pois muitas se anulam, e a instabilidade da resultante de preferências é maior.

Quanto mais fechado o regime, mais os detentores do poder político podem ignorar pressões sociais (que podem inclusive ser reprimidas) e desenvolver políticas de seu próprio interesse ou de seu grupo ou outros grupos específicos com acesso privilegiado ao aparato estatal.

Caso em que a permeabilidade do processo decisório às preferências de grupos de pressão da sociedade é baixa, porém, para aqueles grupos com acesso privilegiado ao aparato estatal capazes de transpor estas barreira a efetividade na transmissão de suas próprias preferências para as políticas públicas é alta, bem como a estabilidade destas políticas.

Neste sentido, em nosso caso específico, quanto mais fechado o regime político de um país mais a política comercial deste poderá se distanciar das preferências da sociedade, reduzindo a influência das demais variáveis explicativas. De forma diversa, quanto mais aberto o regime mais próxima deverá estar a política comercial das preferências de sua sociedade, reduzindo eventuais distorções.

Para mensurar o grau de abertura do regime político (ao qual denominaremos POL) de cada membro durante o período de análise, utilizaremos a base de dados dos

relatórios anuais de liberdade política e civil no globo “Freedom in the World”12 produzido pelo think thank internacional sediado em Washington DC Freedom House. Cada membro terá POL classificado anualmente de acordo com seus status no relatório do respectivo ano: Livre (LV); Parcialmente Livre (PL); Não Livre (NL).

A partir da classificação anual de status dos países, introduziremos em nossos dois modelos (polo ativo e polo passivo) dummies para PL e NL de modo testar se há efetivamente efeito restritivo sobre a política comercial em função de graus mais autocráticos de regime político em relação ao grupo-alvo em que os modelos estarão centrados (LV).