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Capítulo 2 – A Solução de Controvérsias na OMC: Regras, Estratificação de Renda e Caso-

2.1. Regras e procedimentos atuais da solução de controvérsias na OMC

As mudanças observadas entre o sistema de solução de controvérsias do GATT e da OMC foram bastante profundas e significativas. Dentre as principais destaca-se (GRIMMET, Ibid; BOWN, Ibid):

i) consenso negativo – a regra do consenso para a adoção de decisões oriundas do sistema de solução de controvérsias foi invertida e passou a ser necessário o consenso negativo para bloquear a adoção de decisões;

ii) jurisdição exclusiva e obrigatória – os países-membros não podem recorrer a quaisquer outros mecanismos ou foros para resolução de litígios relacionados a seus compromissos na organização; e

iii) criação de um Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) permanente e de um Órgão de Apelação independente – responsável pela revisão dos procedimentos do OSC.

Conforme estabelecido no acordo de constituição do novo sistema de solução de controvérsias (DSU/Art. 2), o Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC é um órgão específico, composto por representantes de todos os membros da organização, que se reúne mensalmente. Este é um órgão executivo, cujas principais funções são, entre outras, estabelecer os Painéis, constituir o Órgão de Apelação, decidir sobre os relatórios dos Painéis e do Órgão de Apelação e fiscalizar a implementação das decisões.

Esta é uma instância que une as fases diplomática e jurisdicional do sistema de solução de controvérsias da organização. Como o OSC possui jurisdição obrigatória e exclusiva, nenhum membro pode se negar a reconhecer a competência deste órgão para o tratamento de temas afeitos aos seus compromissos na OMC (BARRAL, 2007). Faremos a seguir uma análise detalhada das disposições do novo acordo de solução de controvérsias estabelecido na Rodada Uruguai.

As fases da solução de controvérsias da OMC estabelecidas pelo DSU são: i) Consultas - negociações diretas (DSU/Art. 4); ii) Implantação de Painel (DSU/Art. 6 a 14); iii) Circulação do relatório final do Painel (DSU/Art. 15); e caso não haja recurso ao Órgão de Apelação, iv-a) Adoção do relatório do Painel pelo Órgão de Solução de Controvérsias (DSU/Art. 16); v) Implementação (DSU/Art. 19 a 21); e caso não haja implementação, vi) Retaliação (DSU/Art. 22 e 23).

Caso haja recurso após o relatório final da fase de Painel, a disputa prossegue para, iv-b) Órgão de Apelação (DSU/Art. 17); v) Relatório do Órgão de Apelação (DSU/Art. 17); vi) Decisão do Órgão de Solução de Controvérsias sobre o relatório do Órgão de Apelação (DSU/Art. 17); vi) Implementação (DSU/Art. 19 a 21); e caso não haja implementação, vii) Retaliação (DSU/Art. 22 e 23).

A participação dos países-membros na solução de controvérsias pode se dar de três formas:

i) reclamante (DSU/Art. 3) – responsável pelo requerimento de abertura de uma disputa, figurando em seu polo ativo; ou

ii) acionado (DSU/Art. 3) – membro citado a responder a abertura de uma disputa, figurando em seu polo passivo; ou

iii) parte interessada (terceira parte) (DSU/Art. 10) – membro não relacionado às partes em disputa que pode requerer sua participação em virtude de interesse especial na matéria em disputa.

Na Figura 2.1 a seguir pode-se observar esquematicamente o fluxo de uma disputa no OSC:

Figura 2.1: Fluxo do sistema de solução de controvérsias da OMC

Fonte: Elaboração própria.

Não seria apropriado caracterizar uma parte interessada como um membro neutro na disputa, uma vez que aparecem frequentemente associados aos interesses do reclamante, no entanto este não figura no polo ativo e nem é paciente do processo.

As regras para a formação dos polos das disputas são bastante flexíveis, embora exista a recomendação no âmbito do Art. 9 para, sempre que possível, ao existirem dois ou mais reclamantes contra o mesmo membro em relação a uma mesma matéria seja estabelecido um único painel. Tanto na prática quanto nas disposições legais, porém, a decisão acaba por depender da vontade das partes reclamantes. Não existe nenhuma recomendação, no entanto, acerca do número de membros acionados em um mesmo caso.

Um país-membro pode solicitar a abertura de uma disputa contra um ou mais países-membros no âmbito do mesmo requerimento, disciplinado pelo Art. 7, de modo que estes figurarão todos como acionados no mesmo caso. Ou alternativamente, o membro reclamante pode protocolar requerimentos específicos contra cada um dos países-alvo, de maneira que estes figurarão como acionados em casos individuais.

De forma homóloga, um ou mais países-membros pode protocolar um requerimento conjuntamente ou isoladamente contra um ou mais países. Se o fizerem isoladamente, serão formados casos individuais. Se o fizerem conjuntamente, será formado um único caso onde estes figurarão conjuntamente como reclamantes. Adicionalmente, após o requerimento de abertura de um procedimento feito por um ou mais países-membros, outros países podem requerer sua inclusão no rol de reclamantes até a instalação do Painel do caso específico (DSU/Art. 9 e 12).

O procedimento é iniciado pela fase de consultas, de acordo com o DSU/Art. 4, sendo esta preliminar à abertura de qualquer procedimento no OSC. Antes da abertura de procedimento é requerido que as partes em disputa busquem uma solução mutuamente aceitável para o objeto da disputa bilateralmente. A abertura de consulta deve obrigatoriamente ser informada ao OSC e a parte acionada tem 10 dias para responder a consulta.

O procedimento bilateral de negociação inicia-se 30 dias após o pedido de abertura de consultas. Caso na fase de consultas a disputa não seja solucionada, a parte reclamante pode solicitar ao OSC a abertura de um Painel contra o reclamado.

O Painel, também chamado de Grupo de Trabalho, é constituído mediante requerimento da parte reclamante (DSU/Art. 6) e sua abertura somente pode ser recusada por consenso negativo no OSC. O Painel é constituído usualmente na primeira reunião do OSC subsequente ao pedido de abertura.

No entanto, dependendo da natureza do caso a parte reclamante pode solicitar um encontro extraordinário do OSC no prazo de 15 dias após o requerimento, com prazo mínimo de 10 dias para notificação prévia dos membros do órgão. Após a instalação de um Painel, é facultado ao reclamante solicitar a suspensão de seus trabalhos por um período de até 12 meses.

O requerimento de abertura de um Painel deve ser embasado e indicar a falha das consultas na resolução da disputa. O requerimento deve identificar as medidas contestadas, apontar o embasamento legal da disputa e identificar os dispositivos da OMC transgredidos pelo reclamado (DSU/Art. 7).

O Painel será composto por três integrantes encolhidos pelas partes, vedados nacionais de qualquer das partes envolvidas, e excepcionalmente, mediante acordo entre as partes, poderá ser composto por cinco especialistas igualmente neutros (DSU/Art. 8). Após o prazo de 20 dias, se as partes não acordarem a composição do Painel, o Diretor-Geral da OMC pode determinar sua composição.

Após a formação do Painel, este será responsável tanto pela avaliação fática quanto jurídica da disputa no que concerne ao descumprimento dos dispositivos elencados pela parte reclamante face o acionado (DSU/Art. 11 e 12). No entanto, a apreciação da matéria é restrita aos Termos de Referência acordados para o estabelecimento do Painel (DSU/Art. 7). A decisão do Painel, tanto sobre os aspectos fáticos quanto jurídicos, constará de relatório final que deverá ser submetido ao OSC (DSU/Art. 16).

Uma vez que o Painel não é uma instância decisória do sistema de solução de controvérsias, seu relatório final é considerado apenas uma recomendação. A única instância decisória do sistema, conforme veremos, é o próprio OSC. Portanto, as recomendações do Painel deverão ser aprovadas pelo OSC para produzirem seus efeitos. Se após a publicação do relatório final do Painel nenhuma das partes manifestar sua intenção de recorrer ao Órgão de Apelação no prazo de 60 dias (DSU/Art.15), o relatório é encaminhado para apreciação do OSC.

Ao apreciar o relatório final do Painel, o OSC poderá aplicar sua recomendação por qualquer placar de votação à exceção do consenso negativo (DSU/Art. 16). Tanto o reclamante quanto o acionado podem recorrer do relatório final do Painel durante a fase de revisão interna (DSU/Art. 15). Caso uma das partes recorra ao Órgão de Apelação, a disputa prosseguirá para as próximas fases.

O Órgão de Apelação é uma instância permanente do OSC, ao contrário dos Painéis que são compostos de forma ad hoc (DSU/Art. 17). Ele é composto de sete juízes eleitos pelo OSC por consenso e com mandato de quatro anos renovável por igual período. O critério de distribuição de vagas no Órgão é rotativo e geográfico, no entanto, a renovação deste se dá sempre de forma parcial com a não coincidência dos mandatos.

E embora os juízes do Órgão de Apelação sejam indicados pelos membros, devem atuar de forma independente e autônoma, sem nenhuma vinculação com governos nacionais. O Órgão de Apelação é uma instância de características recursais e como tal, a exemplo da maioria dos sistemas jurídicos, dedica-se apenas às questões relativas ao direito em análise previamente levantadas na instância anterior e não à revisão fática ou de novos dispositivos legais (BARRAL, Ibid).

No entanto, caso haja erro material evidente no relatório do Painel que necessite o exame ou reexame de matéria fática, o Órgão de Apelação pode remeter a disputa novamente para o Painel de modo a evitar a abertura de uma nova disputa no OSC (DSU/Art. 17).

Por fim, de maneira análoga ao Painel, o Órgão de Apelação não produz decisões e sim apenas recomendações. Em cada caso concreto, serão indicados três juízes do órgão para apreciação da disputa. Estes terão 60 dias, prorrogáveis por mais 30, para a produção de seu relatório final (DSU/Art. 17). O OSC, por sua vez, terá um prazo de 30 dias para deliberar sobre as recomendações feitas pelo relatório final do Órgão de Apelação (DSU/Art. 17).

O sistema de soluções de controvérsias da OMC, apesar de caminhar mais no sentido da judicialização do sistema do que o GATT, possui características bastante distintas dos sistemas jurídicos domésticos ou internacionais regulares. As instâncias do Painel e do Órgão de Apelação não são instâncias jurídicas, pois, não proferem sentenças, mas apenas recomendações. Estas recomendações só adquirem eficácia jurídica após prévia aprovação pelo Órgão de Solução de Controvérsias da organização, que figura como única instância decisória do sistema. Por esta razão o sistema é classificado como “quase-judicial” (TREBILCOCK et al., Ibid).

Após a aprovação pelo OSC do relatório final do Painel ou do Órgão de Apelação inicia-se a fase de implementação. Caso a medida contestada seja considerada incompatível com dispositivos de acordos da OMC, o membro acionado deverá informar ao OSC sobre sua intenção e a forma de correção da distorção apontada ou de compensação ao membro reclamante (DSU/Art. 21).

Se o membro acionado não puder cumprir a decisão do OSC de forma imediata, este deverá propor, em consenso com a parte reclamante, prazo para a efetivação desta correção. Não havendo consenso no estabelecimento deste prazo, o processo entra em fase de arbitragem obrigatória, sendo o árbitro constituído em comum acordo pelas partes (DSU/Art. 21).

Por fim, caso a parte reclamante não verificar a correção da distorção provocada pela parte acionada em prazo razoável e não houver acordo de compensação, esta poderá solicitar autorização para retaliar a parte acionada (DSU/Art. 22). Esta retaliação não têm caráter punitivo, mas sim compensatório pelos danos causados pelo não cumprimento das obrigações da parte acionada sob o acordo da OMC (BARRAL, 2004).

Portanto, a retaliação deverá corresponder à suspensão de direitos ou concessões da parte acionada em montante equivalente ao nível de prejuízo ou redução de benefício incorridos pela parte reclamante conforme determinado pela decisão do OSC.

O membro reclamante ao requerer o direito de retaliar, deverá informar ao OSC adicionalmente a lista das medidas retaliatórias propostas identificando produtos, setores e acordos envolvidos. Geralmente é requerido que ao menos o setor retaliado pertença ao mesmo Acordo da OMC do setor cuja medida foi considerada incompatível com as normas multilaterais (NETO, 2003).

No entanto, em caráter extraordinário, o reclamante pode solicitar retaliações cruzadas em outros acordos pertencentes ao arcabouço normativo da organização (DSU/Art. 22). Após o requerimento, o OSC terá 30 dias para autorizar a retaliação por qualquer placar de votação ou rejeitá-la por consenso negativo.

O membro acionado pode, ainda, solicitar arbitragem da decisão do OSC caso considere que as medidas retaliatórias aprovadas são impróprias ou desproporcionais ao dano/cessação de benefício incorrido pelo reclamante (DSU/Art. 25). Neste caso, o comitê de arbitragem será composto pelos membros originais do Painel do caso, sempre que possível, e terá prazo de 60 dias para determinar apenas se as medidas retaliatórias aprovadas são proporcionais aos danos ou cessação de benefício causado pelo acionado.

Após a produção do laudo arbitral, sua aprovação no OSC se fará pela regra estabelecida do consenso negativo. Caso o laudo seja aprovado e conclua pela pertinência das medidas propostas, o membro reclamante será autorizado a aplicar as medidas compensatórias solicitadas. É facultada ao reclamante, a despeito da decisão do OSC, a decisão unilateral de não aplicar as medidas autorizadas, aplicá- las em montante inferior à autorização ou postergar sua aplicação.