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Capítulo 2 – A Solução de Controvérsias na OMC: Regras, Estratificação de Renda e Caso-

2.3. Participação dos PED no OSC – Uma abordagem preliminar

Em linha com a argumentação teórica defendida na presente pesquisa, a participação dos países em desenvolvimento no sistema de solução de controvérsias da OMC é importante principalmente por quatro razões:

i) Em um contexto de diminuição da velocidade do avanço da dimensão de mercado do sistema, o OSC passou a ser um dos principais normatizadores deste ao interpretar dispositivos, preencher lacunas legais e criar jurisprudência em um ambiente de case law (commom law) (TREBILCOCK et al, Op. cit; ZIMMERMMAN, 2006). Portanto, participar ativamente do OSC é por consequência participar do desenvolvimento do processo de contínua construção do regime (de suas normas e regras);

ii) As decisões do OSC afetam diretamente resultados econômicos específicos e funcionam como restrição ao comportamento dos países. A mera capacidade de participar do sistema eleva o poder de barganha do país reclamante. Como consequência, cerca de dois terços das disputas são resolvidas com concessões plenas ou parciais pelos acionados na fase de consultas (BUSCH, REINHARDT, 2000). A participação neste sistema, portanto, é fundamental para a garantia do cumprimento dos compromissos mesmo na ausência do prosseguimento das consultas em casos no OSC;

iii) A incapacidade de participar no sistema de solução de controvérsias pode ter efeitos adversos sobre os termos de troca da economia, afetando negativamente o bem-estar do país. A remoção ou redução de uma barreira comercial como consequência da atuação no OSC pode, assim, melhorar os termos de troca e aumentar o bem-estar do país (BAGWELL, STAIGER, 2012); e

iv) A capacidade ou incapacidade de um país em desenvolvimento em garantir o cumprimento de seus direitos de acesso a mercados na OMC através do sistema de solução de controvérsias pode alterar o equilíbrio de forças na barganha política doméstica. O que poderia bloquear ou dar vazão a preferências de grupos mais protecionistas ou mais liberais, a depender deste efeito, podendo afetar no médio longo prazo a formação das preferências do membro na dimensão de mercado do sistema (HOEKMAN, KOSTECKI, Ibid).

Ou seja, a capacidade de garantir o cumprimento dos compromissos acordados é um importante fator para prevalência de preferências liberalizantes nos países em desenvolvimento e, por consequência, fator crítico para a ocorrência de convergência de preferências na dimensão de mercado do sistema, avançando o processo de liberalização.

2.3.2. Visão preliminar dos PED no OSC

De um número total de 130 membros pertencentes à OMC entre 1995 e 2012, de acordo com os critérios estabelecidos nesta pesquisa, 84 membros tiveram participação no OSC em ao menos uma das categorias (reclamante ou acionado ou parte interessada) em um total de 454 casos.

Estes 454 casos contaram com um total de 482 reclamações e 467 acionamentos, onde os membros da OMC estiveram por 949 oportunidades em um dos dois polos destas disputas e atuaram em 1812 outras instâncias como partes interessadas em disputas em que não figuravam em nenhum dos polos – totalizando uma participação dos membros em 3668 diferentes oportunidades no OSC.

Os Estados Unidos apresentou 103 reclamações no período e foi acionado em 119 casos, enquanto a União Europeia, como bloco, apresentou 87 reclamações e foi acionada em 73 casos, ao passo que seus estados-membros foram reclamantes individualmente em 9 oportunidades e acionados em outras 38. No total, EUA e UE respondem por 199 reclamações e foram acionados em 230 casos.

Os 18 outros países desenvolvidos que tiveram participação no OSC no período protocolaram 92 reclamações e foram acionados em 62 oportunidades. No agregado, o conjunto dos países desenvolvidos foi responsável por 291 reclamações e respondeu a 292 acionamentos no OSC.

Já os países em desenvolvimento foram reclamantes coincidentemente por 191 casos e responderam a 175 acionamentos. Dentro deste grupo, os PEDma foram responsáveis por 103 reclamações e foram acionados em 95 oportunidades; enquanto os PEDmb protocolaram 85 reclamações e receberam 80; e os PMD foram responsáveis por apenas 3 reclamações, não tendo recebido nenhuma.

Estes dados nos fornecem uma primeira aproximação com o tema de pesquisa e uma visão geral da participação dos PED no sistema de solução de controvérsias da OMC. No entanto, pela própria natureza do funcionamento do OSC e de suas regras, além da situação particular de alguns membros, estes dados possuem distorções consideráveis que precisam ser sanadas para permitir a formação de uma base de dados adequada para as análises estatísticas e qualitativas a serem delineadas neste trabalho.

Do ponto de vista das distorções causadas pelo próprio sistema de soluções de controvérsias, estas derivam da grande flexibilidade das regras existentes para a instauração de um caso no OSC quanto aos seus membros participantes em cada um dos polos – demandante x acionado. Não há uma regra fixa que limite a quantidade de países participantes em cada um dos polos.

Dessa forma, a depender na natureza específica do caso em questão, pode- se ter como polo ativo da disputa (reclamante) um ou mais países em um mesmo caso, em outros momentos e de acordo com as considerações políticas e estratégicas dos países, estes mesmos membros podem demandar (reclamar)

ações de forma individual contra um mesmo alvo (acionado) acerca de uma mesma matéria.

No polo passivo (acionado) a mesma situação se repete, ora um país pode ser acionado por um grupo de países em um mesmo caso, ora pode ser acionado individualmente por diferentes países distribuídos em um número maior de casos acerca de uma mesma matéria.

Com isto, observa-se que os 454 casos protocolados no OSC até 31 de dezembro de 2012 produziram um número maior de reclamações (482) e acionamentos (467) do que o próprio número total de casos e que o número de reclamações não pode ser relacionado diretamente ao número de acionamentos, o que ocasiona diversas dificuldades no tratamento dos dados.

Ademais, dadas as especificidades da União Europeia ora os países- membros participam como reclamantes/acionados individualmente, ora como bloco. Em alguns casos, ainda, ocorre o acionamento ao mesmo tempo do bloco UE e de estados-membros individuais acerca de uma mesma matéria em um mesmo caso ou em casos separados para cada alvo.

O processo de alargamento europeu traz também algumas distorções que necessitam de correção na participação dos novos membros no OSC, visto que alguns deles antes de sua entrada formal no bloco participavam como reclamantes ou acionados em face de outro estado-membro. O que, de acordo com nossos critérios de classificação, produz o inusitado fenômeno da UE atuar ao mesmo tempo como reclamante e acionada de si mesma em alguns casos.

Com a finalidade de padronizar os dados e eliminar estas distorções criamos a figura do caso-padrão, de forma a criar um novo arranjo de indicadores que reflitam com maior precisão a participação dos países no OSC e permita a realização de análises estatísticas e qualitativas posteriores.