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5 AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

5.2 Efeitos sobre a produção de coca e cocaína

De forma semelhante ao que ocorre na avaliação da diversificação de exportações, também no caso das drogas é preciso uma análise multidimensional que não vincule os resultados a uma única causa. Como destacado no World Drug Report 2004, do United Nations Office on Drugs and Crime – UNODC (2004), devido à ilegalidade do mercado de drogas, os dados disponíveis devem ser tratados com precaução e há grande dificuldade em afirmar se o problema das drogas está se agravando ou não pelo mundo. Para a cocaína, por exemplo, à estabilização do consumo no mercado norte-americano, contrapõe-se o aumento do consumo em outras regiões, como no Leste Europeu, América Central e América do Sul, notadamente no Brasil.

Item Descrição 1994 1995 Item Descrição 2000 2001

jóias preciosas e semi-preciosas 68212 cobre refinado 565.169 415.824

89731 jóias preciosas e semi-preciosas 92.720 91.858 06111 açúcar de cana, bruto 5.629 20.197 05459 vegetais, frescos ou resfriados 40.732 41.451 05459 vegetais, frescos ou resfriados 12.557 16.774

68211 cobre não-refinado 0 13.395 68512 chumbo e concentrados 12.114 12.982 68212 cobre refinado 9.569 11.995 68611 zinco, unwrought 13.346 7.028 Sub-total 92.345 176.484 Sub-total 698.621 549.133 Total 106.994 207.572 Total 845.513 672.363

Participação no total 86% 85% Participação no total 83% 82%

Fonte: USITC Dataweb. Nota: Elaboração própria.

Ranking 1995 Ranking 2001

O combate às drogas tem sido feito com um conjunto de instrumentos, incluindo ações de cooperação internacional e políticas nacionais. Paralelamente ao ATPA, os governos nacionais da Bolívia, Colômbia e Peru implementaram iniciativas de combate ao tráfico de drogas. Já no âmbito internacional, o Programa de Monitoramento de Culturas Ilícitas do UNODC tem possibilitado a cooperação com governos nacionais para o monitoramento do cultivo nos principais produtores de coca (Colômbia, Peru e Bolívia) e papoula (Afeganistão, Laos e Mianmar), bem como auxiliado em experiências de desenvolvimento alternativo.

Se, do ponto de vista estritamente comercial, não é possível identificar um efeito significativo do ATPA sobre a diversificação das exportações dos beneficiários, no combate às drogas o fracasso do programa é mais evidente. O cultivo agregado da coca nesses países manteve-se elevado durante toda a década de 90, com picos de área cultivada em 1999 e 2000.

Pelo Gráfico 5.12, percebe-se que a redução do cultivo de coca no Peru e Bolívia foi acompanhada pelo aumento do cultivo na Colômbia.

0 50 100 150 200 250 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 (E m M il H ec ta re s)

Colômbia Peru Bolívia

Gráfico 5.12 – Áreas destinadas ao cultivo de coca, 1986-2003. Fontes: 1986-1989: UNODCPP, 1999, p.42

1990-2003: UNODC, 2004, p.229 Nota: Elaboração própria.

Ao contrário do que se poderia esperar com o programa, a Bolívia, que apresenta o maior nível de concentração em um único produto exportado pelo ATPA, conseguiu reduzir significativamente o cultivo da coca. Este fato é ainda mais notável quando recordamos que o

consumo de folha de coca é uma prática tradicional das comunidades locais. A política adotada pelo governo partiu desta realidade para negociar um pacto com as organizações de agricultores, estabelecendo áreas legais para o cultivo, paralelamente à erradicação dos excedentes de produção. Segundo o governo da Bolívia, um fator reconhecido como essencial era a provisão de alternativas econômicas sustentáveis para os agricultores que deixassem o cultivo da coca (UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME; GOVERNMENT OF BOLÍVIA, 2004) .

No caso peruano, o consumo tradicional da folha de coca também precede à explosão da demanda internacional por cocaína e a planta de coca tampouco é ilegal. Deve-se destacar que a legalidade, tanto no caso peruano quanto boliviano, refere-se à possessão e consumo da planta, mas não ao processamento ou ao tráfico. Em 1996, foram aprovadas leis mais rigorosas para o combate ao narcotráfico e estabelecido um órgão encarregado pela coordenação das políticas antitráfico. Considerando a dificuldade de separar a produção legal da produção voltada à fabricação de drogas, a redução do cultivo no Peru não parece derivar apenas de fatores domésticos. A queda na demanda pelo principal “comprador” da pasta de coca, a Colômbia, e a ruptura da rota aérea Colômbia-Peru em meados dos anos 90, modificou a inserção do Peru na cadeia de produção da cocaína. O último levantamento feito em conjunto pelo UNODC e Governo do Peru (2004) enfatiza, entretanto, que o problema não está totalmente controlado, já que a diminuição da produção de folhas tem sido acompanhada, recentemente, de um aumento na produtividade.

Já a Colômbia, que se destaca por exportar itens líderes do ATPA, como flores cortadas e pigmentos, experimentou um crescimento alarmante no cultivo de coca a partir de meados da década de 1990. Com o desmantelamento dos cartéis colombianos na década de 80, o movimento de descentralização das operações foi acompanhado pelo crescente cultivo da coca e produção da pasta, num fenômeno que poderia ser descrito como a integração do insumo doméstico à cadeia produtiva. Nesse aspecto, a produção local foi favorecida pelo solo adequado, já que o cultivo da coca ocorre em áreas de suave declive e boa drenagem do solo, competindo com culturas-chave na Colômbia, como o café e o cacau. A expansão do cultivo da coca na Colômbia revela a alta capacidade de reestruturação na cadeia de produção da cocaína, tendo em vista que ao contrário da Bolívia e do Peru, nunca houve a tradição cultural no país do cultivo de coca para consumo local, inexistindo um mercado legal para folhas de coca.

A partir de 2000, ano em que se a política de erradicação e fumigação é intensificada, verifica-se um sensível declínio no cultivo de coca. É também em 2000 que os Estados Unidos aprovam o Plano Colômbia, prevendo a alocação de US$ 1,3 bilhão para o combate ao tráfico no país, com a maior parte do orçamento destinada a ações e equipamentos militares (VAICIUS; ISACSON, 2003). No relatório conjunto do UNODC e Governo da Colômbia (2003) destaca-se que além da erradicação e fumigação, contribuíram para a redução no cultivo a intensificação do conflito armado e situação de insegurança, levando ao abandono forçado de áreas pelos agricultores, bem como a melhoria nos preços do cacau e cana de açúcar em 2002, o que incentivou o cultivo destas culturas.

Apesar da diminuição no total de área cultivada, identifica-se uma alta mobilidade intra e inter departamentos. A redução significativa da produção no departamento de Putumayo, um dos focos da campanha do governo, foi acompanhada por aumento expressivo no cultivo de coca em outros departamentos, como Nariño, em que o cultivo elevou-se de 3.959 hectares em março de 1999 para 15.131 hectares em dezembro de 2002 (UNODC; GOVERNMENT OF COLÔMBIA, 2003). Este fator, associado à possibilidade de retorno do plantio em áreas fumigadas, após um período de descanso, sinaliza a limitação de um enfoque restrito à erradicação.

Outro fator relevante no caso da Colômbia foi o aumento de sua participação no cultivo de papoula e produção de heroína na década de 1990, superando o México nas Américas. Apesar de mais de 90% da produção de ópio ser proveniente do Afeganistão, Laos e Mianmar (UNODC, 2004), Colômbia e México destacam-se no fornecimento nas Américas, com o último exercendo um importante papel como rota de trânsito para outras drogas. A produção colombiana parece ter estabilizado nos últimos anos, mas a possibilidade de diversificação além da cocaína não pode ser menosprezada.

As iniciativas internacionais e as experiências nacionais têm apontado a importância de um enfoque além da questão de erradicação e substituição de cultura. No caso da erradicação, os danos ambientais somam-se ao grave problema de deslocamento populacional. Na Colômbia, os migrantes das áreas rurais mais afetadas pela política de erradicação e pela violência do conflito armado não encontram alternativa de inserção econômica e social nas áreas urbanas. Desde uma perspectiva internacional, atividades de interdição e erradicação também são

conhecidas por gerar o transbordamento do problema para outros países, como já ocorre para o Equador, Venezuela e Brasil.

O enfoque “de cima para baixo” da idéia de substituição de cultura, marcante no ATPA, também se mostrou ineficiente para lidar com um problema multidimensional. Foi justamente este reconhecimento que levou à construção de uma proposta de desenvolvimento alternativo no âmbito do UNODC, cujo princípio fundamental é a consideração das características sociais e culturais das comunidades envolvidas na produção de drogas. Conforme enfatizado pelo United Nations Office for Drug Control and Crime Prevention37 (2001, p. 73), “[…] coca cultivation does not have the same cultural basis or the same social hold in each country of the Andean area.”

Nesse sentido, o enfoque norte-americano no ATPA é inadequado em vários aspectos. Além de basear-se numa visão unilateral centrada na eliminação do cultivo da coca, independente dos custos sócio-econômicos locais que represente, o ATPA sofre de uma deficiência conceitual evidente, ao ignorar que a ilegalidade não elimina a validade de muitas regras de mercado - vantagens comparativas, escala de produção, integração de cadeia e oferta e demanda – que norteiam a dinâmica do setor de drogas. Curiosamente, os argumentos que os Estados Unidos utilizam para defender o livre comércio e uma maior liberalização internacional dos mercados são ignorados quando se trata da produção de culturas utilizadas para a fabricação de drogas. De fato, pelo aspecto estritamente econômico, é improvável que haja uma cultura capaz de oferecer aos beneficiários do ATPA ganhos mais substanciais do que os obtidos com a produção de coca, mesmo considerando que parte substancial da renda é capturada nos estágios mais avançados da produção de drogas.