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3 DIPLOMACIA E COMÉRCIO NAS RELAÇÕES ESTADOS UNIDOS-

3.1 A América para os americanos

3.1.2 Guerra Fria

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a nova distribuição bipolar de poder entre Estados Unidos e União Soviética, o combate ao comunismo emerge como centro da formulação de política externa norte-americana. No papel de líder do mundo capitalista, a energia dos Estados Unidos concentra-se no auxílio para a reconstrução da Europa e a criação de organismos multilaterais onde a cooperação, liderada pelos Estados Unidos, pudesse se desenvolver. A criação das instituições de Bretton Woods e o Plano Marshall responderam a essa nova configuração. No comércio, não foi possível lograr a criação de um organismo específico multilateral, mas em 1947 foi assinado o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT 1947, cuja evolução gradual levaria à criação, apenas em 1994, da OMC.

Para a América Latina, o redirecionamento da agenda norte-americana significou que a região seria relegada à categoria de baixa prioridade, à medida que os Estados Unidos consideravam sua influência devidamente consolidada nas Américas.

A insistência dos governos latino-americanos por maior aproximação e ajuda econômica não encontrava respostas concretas por parte dos Estados Unidos. Em 1947, durante a Conferência Inter-Americana realizada no Rio de Janeiro, diante da sugestão do ministro de relações exteriores do Equador para que se criasse um Plano Marshall para a América Latina, os Estados Unidos responderam que o papel maior caberia à iniciativa privada, e não ao financiamento público (THORP, 1998).

A resistência norte-americana em financiar a América Latina teve, no entanto, seus pontos positivos. A busca de alternativas regionais para o desenvolvimento econômico levou à criação, em 1948, da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL, sob forte oposição dos Estados Unidos. Apesar das críticas que se podem tecer a algumas propostas feitas pela CEPAL, em particular às falhas do modelo de industrialização por substituição de importação, as reflexões desenvolvidas na CEPAL consistiram no primeiro produto de um pensamento originalmente latino-americano, gerado e desenvolvido a partir da realidade e de especialistas da região.

A baixa relevância da América Latina foi duramente abalada em 1959, com a Revolução Cubana. Um ano antes, em uma viagem pela América do Sul, o vice-presidente Richard Nixon já havia notado um clima de animosidade em vários países com relação aos Estados Unidos, o qual tinha sido interpretado automaticamente como a contaminação comunista. Com a Revolução de Cuba, as simples suspeitas materializaram-se no país que se tornaria, a partir de então, o maior desafio da política externa dos Estados Unidos nas Américas.

A Revolução Cubana ameaçou as bases da segurança norte-americana na América Latina e relevou que o “quintal” talvez já tivesse sido invadido pelo ideário comunista. A partir da década de 1960, a estratégia de Washington para a América Latina passa a refletir a política de contenção da ameaça comunista, representada tanto pelo inimigo externo quanto por inimigos internos. É nesse contexto que emerge a “Aliança para o Progresso,” lançada em 1961 pelo presidente democrata John F. Kennedy.

Em termos ideológicos, a Aliança para o Progresso pode ser resumida como uma tentativa de levar à prática a lógica da teoria da modernização. Como sintetizam Valenzuela e Valenzuela (1978), o pressuposto básico dos teóricos da modernização era a existência de um movimento entre dois tipos ideais, o tradicional e o moderno, sendo a América Latina o exemplo do primeiro tipo. Haveria, segundo os proponentes da teoria da modernização, um processo de transformação gradual rumo à modernidade, definida segundo o padrão dos países ocidentais desenvolvidos, e em um dado momento ocorreria um salto qualitativo no processo. É representativa desta proposta a idéia de Martin Lipset de que todas as coisas boas caminham juntas, sendo o desenvolvimento econômico um motor para estimular esse processo de modernização inclusive na esfera política, com a democratização.

A Aliança para o Progresso tinha, no entanto, elementos positivos. Seu objetivo era reunir esforços, durante um período de dez anos, para promover o desenvolvimento econômico e social, bem como a democracia, nas Américas. Para tanto, os países das Américas reuniram-se em Punta del Este, em 1961, e definiram conjuntamente uma agenda de prioridades que incluía (SMITH, 2000, p. 150):

a) Melhoria da renda per capita;

b) Reformas sociais, em particular a reforma agrária; c) Diversificação das exportações e dos mercados; d) Industrialização e aumento de emprego;

e) Melhoria do nível educacional e combate ao analfabetismo; f) Estabilidade de preços.

A viabilização financeira da proposta se daria mediante auxílio financeiro dos Estados Unidos. Assim, ao contrário das doutrinas anteriores, em que se confiava ao capital privado a função de promover o desenvolvimento econômico na América Latina, a Aliança concedia ao empréstimo público um importante papel. Entre 1962 e 1967, a América Latina chegou a receber cerca de 18% do total de auxílio financeiro feito pelos Estados Unidos. Entretanto, quando se examina o dinheiro gasto com pagamento do serviço de dívidas acumuladas e remessa de capital por empresas estrangeiras, o ingresso líquido reduz-se consideravelmente.

Apesar da boa intenção inicial, com a inclusão de temas cruciais como a reforma agrária, os Estados Unidos logo descobriram que a revolução social pacífica que planejavam não poderia ser tão facilmente implementada. Como bem pressentiu Hirschman (1971, p. 176), em artigo publicado em 1961 sobre os riscos da nova proposta norte-americana:

“[…] if we care for the attainment of what we are after, we ought to recognize that with this new policy we are entering uncharted territory. Unlike the Russians, we do not have much experience in promoting social change abroad.”24

A Aliança para o Progresso deixou lições relevantes para as relações Estados Unidos – América Latina. Primeiro, expôs que a vinculação entre desenvolvimento econômico e democracia, que freqüentemente emergia e continua a surgir nas propostas norte-americanas, não se manifestava de forma tão evidente na região. Em segundo lugar, mostrou que as elites locais, que para os Estados Unidos deveriam operar como forças sociais propulsoras do processo de modernização dos países latino-americanos, nem sempre comportavam-se dessa forma.

Com a chegada do republicano Richard Nixon à presidência, em 1969, a política externa para a América Latina voltou a se sustentar no apoio militar. Apesar das mudanças operadas por Jimmy Carter (1977-1981), durante a era Reagan, que perdurou por quase toda a década de

24 O artigo, entitulado “Second Thoughts on the Alliance for Progress,” foi publicado originalmente em 25 de maio de 1961 no The Reporter. Reproduzido em Hirschman, A.O. (1971). A Bias for Hope. Essays on Development and Latin America (pp.175-182). New Haven e Londres: Yale University Press.

80, o uso da força voltou a ser o elemento definidor da política externa dos Estados Unidos para a América Latina.