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2 AS PREFERÊNCIAS COMERCIAIS UNILATERAIS NO SISTEMA

2.2 As preferências comerciais unilaterais

2.2.3 Avaliações de programas de preferências unilaterais

2.2.3.1 Programas da União Européia

Em 1975, a UE assinou a Convenção de Lomé, concedendo preferências tarifárias não- recíprocas a países da África, Caribe e Pacífico (ACP). Muitos dos produtos cobertos, no entanto, já gozavam de baixas tarifas e não faziam parte da pauta de exportações dos beneficiários, enquanto vários produtos agrícolas relevantes para os beneficiários não foram incluídos. Diferentemente de outros programas, as preferências de Lomé são outorgadas com base numa relação contratual, em que as mudanças nas concessões não podem ser feitas unilateralmente pela UE, mas dependem da concordância dos beneficiários. Quanto às regras de origem para os produtos industriais, a exigência de cerca de 50% a 60% de valor adicionado local inviabilizava as exportações para muitos dos países beneficiados, caracterizadas por um baixo grau de industrialização. Ao mesmo tempo, a utilização de escaladas tarifárias, impondo-se tarifas crescentes à medida que o produto aumentava seu grau de processamento, operava como um desestímulo aos investimentos em maior processamento e agregação de valor às exportações (ACHTERBOSCH; VAN TONGEREN; BRUIN, 2003).

Apesar de ter auxiliado alguns países ACP a ampliar o volume de suas exportações, as deficiências na estrutura das preferências de Lomé foram apontadas em diversos estudos. Em 1996, a Comissão Européia publicou um relatório avaliando os desafios da relação entre a UE e os países ACP. Na seção referente às preferências comerciais, a Comissão destacou a importância de estabilidade política e políticas domésticas para transformar as oportunidades criadas pelo programa em resultados concretos. Apesar de alguns casos bem sucedidos de diversificação para além de produtos tradicionais, no geral os países não tinham logrado diversificar suas exportações ou ampliar seu poder de atração de investimento produtivo. A alta dependência de produtos primários e, no caso da África, das exportações de petróleo, permanecia. Como lembra Lacomte (2001), a própria UE defendeu o término das preferências de Lomé com base em três principais constatações:

a) resultados pouco animadores, já que o grupo de países ACP viu sua participação nas importações feitas pela UE reduzir-se de 6,7% (1976) para 2,9% (2003)18;

b) erosão irreversível que derivaria dos termos acordados na Rodada Uruguai e do aumento de acordos preferenciais recíprocos pelo mundo; e

18 Disponível em: http://europa.eu.int/comm/trade/issues/bilateral/regions/acp/index_en.htm. Acesso em 5.11.2004

c) incompatibilidade com as regras do GATT/OMC.

Lacomte destaca, no entanto, que entre as verdadeiras motivações para o fim das preferências estaria a mudança de interesses comerciais da UE com relação aos mercados dos países ACP. Ao contrário do cenário prevalecente na década de 1970, em que a grande preocupação da UE era assegurar acesso a matéria-prima nos ACP, na década de 1990 o clima para investimentos em muitos desses países tinha melhorado, despertando o interesse não apenas da UE em exportar para estes mercados, mas também de investidores norte-americanos. A exigência de reciprocidade tornou-se, assim, um passo para possibilitar o acesso da UE a esses mercados.

Em 2000, o programa foi revisado e substituído pelo Acordo de Cotonou, que expandiu a lista de produtos agrícolas beneficiados. Pelo acordo, as preferências acordadas serão estendidas até 2008, quando a UE espera ter concluído acordos de livre comércio, denominados economic partnership agreements, com os países beneficiários, exceto os países menos desenvolvidos. Os países ACP têm sustentado, no entanto, que o foco do Acordo de Cotonou não é a liberalização comercial, mas, sim, a cooperação para a redução da pobreza e promoção do desenvolvimento sustentável, conforme definido nos objetivos do Acordo:

Artigo 1º - A parceria [Comunidade Européia e países ACP] centra-se no objetivo de redução da pobreza e, a prazo, da sua erradicação, em consonância com os objetivos de desenvolvimento sustentável e de integração progressiva dos países ACP na economia mundial. (ACORDO DE COTONOU, 2000)

As dificuldades dos países ACP para negociar os acordos de livre comércio com a UE vão desde restrições de capacitação técnica à ausência de recursos financeiros para arcar com todos os ajustes que a liberalização de seus próprios mercados acarretará. Considerando que vários países sofrerão redução de arrecadação tributária com a eliminação de tarifas de importação, os ACP têm enfatizado a necessidade de auxílio financeiro nessa transição.

Um estudo de casos para Jamaica, República Dominicana, Gana, Benin e Camarões (GAWU, DHS, CIECA, ADEID, GRAPAD, & EUROSTEP, 2004) indicou que os custos do ajuste a um eventual acordo de livre comércio com a UE para esses países serão elevados e poderão ter um impacto maior sobre os grupos mais vulneráveis à pobreza, como as mulheres, cujas oportunidades de trabalho nesses países concentram-se no setor agrícola.

Desde 5 de março de 2001, está em vigor a Iniciativa Everything But Arms, pela qual a UE promove acesso livre ao seu mercado, por tempo ilimitado, para todos produtos provenientes dos países menos desenvolvidos, exceto armas. Para bananas, arroz e açúcar - produtos agrícolas de grande importância para os países menos desenvolvidos - será realizada uma liberalização gradual, a ser concluída em 2006 no caso de bananas, e em 2009, para arroz e açúcar.

Achterbosch, Van Tongeren e Bruin (2003) lembram que antes da Iniciativa, 99% do comércio dos países menos desenvolvidos com a UE já estava coberto por preferências, mas a taxa de utilização era inferior a 50%. A baixa utilização parecia derivar das dificuldades impostas para qualificação dos produtos, incluindo regras de origem. A Iniciativa, no entanto, não facilita tais procedimentos, o que significa que muitas das dificuldades enfrentadas anteriormente devem prosseguir. Quanto aos resultados econômicos, espera-se que a Iniciativa desvie comércio de outros países em desenvolvimento, em particular dos da África, para os países beneficiários. Já a criação de comércio não deve ser substancial, exceto para açúcar e algumas frutas e vegetais.