• Nenhum resultado encontrado

ELABORAÇÃO DE FONTES

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 88-97)

3 EFEITO DE HISTORICIDADE DA FICÇÃO

3.1 ELABORAÇÃO DE FONTES

As fontes e documentos históricos mencionados em Santa Evita passam por elaboração estética no universo ficcional, ou seja, são transformadas em ficcionais. Extraídas de outro campo – discurso histórico – passam por reelaboração e se tornam ficção.

O narrador de Santa Evita analisa vários tipos de fontes históricas que são apresentadas como reais: documentos militares, livros, revistas, jornais, musicais, o diário de Evita e cartas. No universo ficcional, estas fontes cumprem o papel de dar veracidade ao que se expõe. Reais ou não, introduzidas na ficção permitem a relativização dos limites entre história e ficção. Algumas são obviamente reais por serem de domínio público, mas as que se apresentam como novas possibilidades questionadoras dos fatos oficiais abrem a porta à dúvida. Uma vez mais, afirma-se nesta dissertação a opção por não inventariar se de fato são fontes reais. Um inventário deste tipo estaria mais apropriado a um trabalho de análise histórica e não literária. Ainda que se pudesse afirmar que seriam fontes estritamente reais, não se deveria assim considerá-las, pois introduzidas na ficção adentram outros tipos de significação, sofrendo reelaboração estética.

Seria possível indagar-se acerca deste afã manifesto pelo narrador de fundamentar em documentos históricos, ficcionalizados ou não, sua narrativa. Pode-se pensar que isto se refere à crítica que faz à história no sentido de apontar sua construção. Assim, a história não deveria ser tomada passivamente como a única narrativa possível sobre os eventos. Esmiuçar os documentos, as fontes, revela como estas são selecionadas pelo historiador para, com elas, escrever a história. Ora, uma narrativa que pretende discutir a história e sua produção, torna-se bastante atrativa ao

apresentar-se baseada em documentação. O leitor nem sempre irá verificar todas as fontes mencionadas, daí a eficácia do efeito de historicidade em estabelecer a aparência de história.

Nesta análise, são apenas indicados os vários tipos de documentos elaborados e analisados pelo narrador, sendo o único destaque o que é dado às cartas como exemplo de elemento deflagador do efeito de historicidade.

Destacam-se entre os documentos militares os relatórios do Coronel Moori Koenig sobre o estado de saúde de Evita, as fichas que guardava e seus cadernos. Nas fichas e nos cadernos, o Coronel escrevia, às vezes, através de um código, pois definia a si mesmo como um especialista do segredo:

El Coronel no desdeñaba ningún trabajo de espionaje, y para vigilar a Evita sirvió algún

tiempo en la corte de sus edecanes. (…) Escribía partes tan minuciosos como impropios de su rango: “La Señora pierde mucha sangre pero no quiere que llamen a los médicos”

(MARTÍNEZ, 1995, p. 19).101

Tengo las fichas en las que resumió la historia de tres oficiales del Servicio. Me las dejó, junto con sus demás papeles. A lo mejor le interesa copiarlas:

“Mi segundo es Eduardo Arancibia, mayor de infantería, casado, 34 años. Esposa doce años menor, con un primer embarazo, ya de tres meses. (…)” (MARTÍNEZ, 1995, p.

148, grifo do autor).102

El Coronel tenía el hábito de la exactitud. Cada mañana anotaba en un cuaderno los trabajos que ya había terminado y los que se proponía empreender (MARTÍNEZ, 1995, p. 119).103

¿ Qué sucedió al morir el padre en 1926?

(Informe cifrado. Última línea:

yitqvhatcpmcaislhzkmlbmifcsebamkmybegsccqfitbkx) (MARTÍNEZ, 1995, p. 136, grifo do autor).104

O narrador revela a chave de leitura das cifras, o que permite desvendar o código, e esclarece que o criptograma do Coronel assemelha-se ao de A jangada, de Julio Verne “donde

101 Em português: “O Coronel não desprezava nenhum trabalho de espionagem e, para poder vigiar Evita, serviu

algum tempo em sua corte de acólitos. (...) Escrevia informes tão minuciosos quanto impróprios para a sua patente:

“A Senhora perde muito sangue mas não quer que chamem os médicos” (MARTÍNEZ, 1996, p.18).

102Em português: “Eu tenho as fichas onde ele resumiu a história dos três oficiais do Serviço. Ele as deixou comigo,

junto com o resto da papelada. Talvez lhe interessem: “Meu auxiliar direto é Eduardo Arancibia, major de infantaria, casado, 34 anos. Esposa doze anos mais nova, grávida do primeiro filho, no terceiro mês de gestação.

(...)” (MARTÍNEZ, 1996, p. 128).

103Em português: “O Coronel tinha o hábito da precisão. Toda manhã ele anotava em um caderno os trabalhos que já havia finalizado e os que se propunha a empreender” (MARTÍNEZ, 1996, P. 104).

104Em português: “O que aconteceu depois da morte de seu pai, em 1926?

también el mensaje, una vez descifrado, debe ser leído de atrás para adelante, letra por letra”105

(MARTÍNEZ, 1995, p. 286):

Había dejado en su caja de seguridad del Banco Francés una copia de la clave, con instrucciones de que si moría o desaparecía se la entregaran a su amigo Aldo Cifuentes. Fue el propio Cifuentes quien me mostró la frase, escrita con la letra filosa e inclinada del Coronel:

He aprendido que no es injusto el daño que me está sucediendo.

Ab cdebfghgi jkb li bm hfnkmpi bq gcri jkb sb bmpc mktbghbfgi

Y luego: g=u, b=z, k=w, y=y, v=v. Los números: 0=1, 2=9, 3=8, 4=6, 5=5. La escritura se invierte. El texto es el espejo.106

O narrador apresenta como fontes historiográficas alguns livros, tais como: as memórias póstumas do embalsamador, doutor Pedro Ara, El caso Eva Perón (MARTÍNEZ, 1995, p. 28); a autobiografía de Evita, La razón de mi vida (MARTÍNEZ, 1995, p. 66); o livro Mi mensaje, também de Evita (MARTÍNEZ, 1995, p. 285); e a biografia de Evita, La vida de Eva Perón, escrita por Roberto Vacca e Otelo Borsoni (MARTÍNEZ, 1995, p. 245).

Outros tipos de fontes apresentadas são as revistas: Sur, que publicou un poema de Silvina Ocampo sobre a morte de Evita, celebrando o que denominou o fim do pesadelo (MARTÍNEZ, 1995, p. 70); Time, que, em 1947, chamou Evita de indecifrável (MARTÍNEZ, 1995, p. 203);

Panorama, Crítica, La Razón, Gente, e Así, que se dedicaram, a partir de 1965, a fazer conjecturas sobre o cadáver (MARTÍNEZ, 1995, p. 301); e Sintonía, “ ‘el magazine de los astros y las estrellas’ que había sido la lectura preferida de Evita” (MARTÍNEZ, 1995, p. 309).107

Os jornais também foram úteis ao narrador Martínez: Democracia y Mundo Peronista

(MARTÍNEZ, 1995, p. 75); El Trabajo, de Mar del Plata, que trazia recortes de artigos do Coronel Moori Koenig (MARTÍNEZ, 1995, p. 77); Clarín, na narrativa, um recorte é reproduzido em duas colunas, cor cinza, para imitar o jornal (MARTÍNEZ, 1995, p. 93) – um detalhe que traz efeito de realidade, como definido por Barthes (1970, p. 95) – e, por fim, o semanário Propósitos,

105Em português: “onde a mensagem, depois de decifrada, também deve ser lida de trás para a frente” (MARTÍNEZ,

1996, p. 246).

106 Em português: “Tinha deixado uma cópia da cifra em seu cofre no Banco Francês, com a instrução de que, em

caso de morte ou desaparecimento, fosse entregue a seu amigo Aldo Cifuentes. Foi o próprio Cifuentes quem me mostrou a frase, escrita com a letra aguda e inclinada do Coronel:

He aprendido que no es injusto el daño que me está sucediendo.*

Ab cdebfghgi jkb li bm hfnkmpi bq gcri jkb sb bmpc mktbghbfgi

E abaixo: g=u, b=z, k=w, y=y, v=v. Os números: 0=1, 2=9, 3=8, 4=6, 5=5. A escritura se inverte. O texto é o espelho. (*) Aprendi que não é injusto o mal que está me acontecendo. (N. T.)” (MARTÍNEZ: 1996, p. 245).

107Em português: “ ‘a revista de astros e estrelas’ que tinha sido a leitura preferida de Evita” (MARTÍNEZ, 1996, p.

mencionado por Martínez em nota de pé de página para esclarecer de onde retirou informações sobre os apelidos de Evita (MARTÍNEZ, 1995, p. 131).

Martínez narrador recorre também a fontes musicais: “La ópera, el musical (¿cómo se

llama eso?) de Tim Rice y Andrew Lloyd Webber ha simplificado y resumido el mito” (MARTÍNEZ, 1995, p. 203)108. Segundo o narrador, as produções musicais sobre Evita converteram-na em uma figura mais familiar a povos distantes da Argentina, mas não lhes permitem conhecer quem ela é de fato, como ele a conhece, porque ela faz parte de sua história:

(...) en New Jersey, Evita es una figura familiar, pero la historia que se conoce de ella es la de la ópera, la de Tim Rice. Nadie, tal vez, sabe quién fue de veras; la mayoría supone que Argentina es un suburbio de Guatemala City. Pero en mi casa, Evita flota: su viento está; todos los días deja su nombre en el fuego (MARTÍNEZ, 1995, p. 204).109

Por fim, o narrador utiliza o diário de Evita (que resultou no livro Mi mensaje) cujos manuscritos estiveram nas mãos do Coronel Moori Koenig que buscava neles comprender Evita (MARTÍNEZ, 1995, p. 291).

Além dos livros, Martínez narrador analisa carta s. Segundo Borkosky (2005, p. 94), a carta ficcional pode estar inserida num texto narrativo ou dramático com função estética. Constitui uma estratégia discursiva destinada a expor a interioridade de algum personagem ou algum propósito de ação, neste caso colocando em contato dois personagens por razões práticas, informativas. O efeito que se cria com a utilização de cartas ficcionais no texto literário é o de verossimilhança.

A primeira carta é de Evita a Perón. Esta carta é apresentada pelo narrador como não ficcional. Emprega-se o recurso da nota de pé de página, mencionando-se os livros que teriam reproduzido a carta:

2

La carta parece una parodia pero no lo es. Fue reproducida en El último Perón de Esteban Peicovich (Planeta, Barcelona, 1976), en Eva Perón de Nicholas Fraser y Marysa Navarro (W. W. Norton, New York, 1980), y en Perón y su tiempo, I. La Argentina era una fiesta de Félix Luna (Sudamericana, Buenos Aires, 1984) (MARTÍNEZ, 1995, p. 44).110

108 Em português: “A ópera, o musical (qual é o nome disso?) de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber simplificou resumiu o mito” (MARTÍNEZ, 1996, p. 176).

109Em português: “(...) em Nova Jersey, Evita é uma figura familiar, mas a história que dela se conhece é a da ópera

de Tim Rice. Talvez ninguém saiba quem ela foi na realidade; a maioria imagina que Argentina é um subúrbio de

Guatemala City. Mas, na minha casa, Evita paira no ar: seu sopro está; todos os dias deixa seu nome no fogo”

(MARTÍNEZ, 1996, p. 176).

110Em português: “A carta parece uma paródia, mas não é. Foi reproduzida em

El último Perón de Esteban Peicovich (Planeta, Barcelona, 1976), em Eva Perón, de Nicholas Fraser e Marysa Navarro (W. W. Norton, New York, 1980), e em Perón y su tempo: I. La Argentina era una fiesta, de Félix Luna (Sudamericana, Buenos Aires, 1984) (MARTÍNEZ, 1996, p. 39).

O historiador Felipe Pigna (2009, p. 207) menciona esta carta escrita por Evita, classificando-a como uma espécie de testamento, na qual expressava seu temor de sofrer um acidente e morrer durante a viagem.

Na biografia escrita por Alicia Dujovne Ortiz (2002, p. 274), reproduz-se a carta integralmente, o que permite supor que a veracidade afirmada pelo narrador de Santa Evita não é exata. Como a obra de Dujovne Ortiz também é de gênero híbrido, biografia e romance, não se pode ter certeza sobre tal veracidade. Teria existido uma carta, mas não como narrado no romance Santa Evita. A carta presente no romance é uma carta ficcional, uma adaptação da supostamente não ficcional. A situação que ensejou a escrita da carta é a mesma, assim como a época, mas há alteração da ordem de algumas frases, inexatidão nas palavras, permitindo supor que a carta não está reproduzida fielmente no romance.

Esta carta ficcional, apócrifa, enseja outra: a resposta de Perón. No enredo do romance, o motivo ao qual se relacionam as cartas ficcionais é um diálogo entre Evita e sua mãe. Evita, já muito enferma e acamada, havia passado alguns dias inconsciente. Quando recuperou momentaneamente a consciência, sua mãe estava em sua cabeceira. As duas conversam sobre a doença de Evita, a dificuldade dos médicos para encontrar a cura, os relatos da imprensa sobre ela, algo sobre o passado em Junín, cidade onde Evita cresceu, e seu relacionamento amoroso com Perón. Evita pede que sua mãe, Juana, pegue duas cartas em sua escrivaninha, e as leia em voz alta:

_ Dos cartas – dijo la madre –: ¿éstas són? _ Leémelas.

_ Dejáme ver... Los lentes. “Mi Chinita querida”. _ No, primero la otra.

_ “Querido Juan”. ¿Ésta: “Querido Juan? Estou muy triste porque no puedo vivir lejos de vos...

_ Se la escribí en Madrid, el primer dia de mi viaje a Europa. O en el avión tal vez, cuando estaba llegando, ya no me acuerdo. ¿Ves la letra, qué despareja, qué nerviosa? Yo no sabía qué hacer, queria volverme. No había empezado el viaje y ya queria estar de vuelta. Dale, seguí.

_ ... te quiero tanto que lo que siento por vos es una especie de idolatría. No sé cómo expresarte lo que siento pero te aseguro que he luchado muy duramente en la vida con la ambición de ser alguien y he sufrido muchísimo, pero entonces llegaste vos y me hiciste tan feliz que pensé que estaba soñando, y puesto que no tenía otra cosa que ofrecerte más que mi corazón y mi alma te la di del todo, pero en estos tres años de felicidad nunca dejé de adorarte ni una sola hora o de dar gracias al cielo por la bondad de Dios al concederme la recompensa de tu amor... No sigo, Chola. Estás llorando y vas a hacerme llorar a mí también.

_ Un poquito más, dale. Soy una floja.111

111 Em português: “ _ Duas cartas. _ disse a mãe. _ São estas aqui? / _ Leia para mim. / _ Deixe-me ver... Os óculos. Minha Chinita querida. / _ Não, primeiro a outra. / _ Querido Juan. É esta: Querido Juan? Estou muito

Elas prosseguem:

_ Te soy tan fiel, cariño, que si Dios quisiera no tenerme en esta dicha y me llevara, te seguiría siendo fiel en la muerte y te adoraría desde el cielo. ¿Para qué escribías eso, Cholita? ¿Qué te pasaba por la cabeza?

_ Tenía miedo, mamá. Pensaba que, cuando yo volviera desde tan lejos, él ya no estaría. Que no habría nada. Que me despertaría en el cuarto de la pensión, como cuando era chica. Estaba muerta de miedo. Todos creían que yo era audaz, y había ido más lejos que ninguna mujer. Pero yo no sabía qué hacer, mamá. Lo único que me importaba era volver.

_ ¿Te leo la otra carta?

_ No, terminá con esa. Leé la última frase.

_ ... Todo lo que te han dicho sobre mí en Junín es una infamia, te lo juro. En la hora de mi muerte debés saberlo. Son mentiras. Salí de Junín cuando tenía trece años, y a esa edad, ¿qué puede hacer de horrible una pobre muchachita? Podéis sentirte orgulloso de tu esposa, Juan, porque cuidé siempre tu buen nombre y te adoré... (MARTÍNEZ, 1995, p. 43).112

O tema da carta, a declaração nela expressa, o uso de determinados substantivos (cariño), adjetivos (querido), diminutivo (muchachita), indicam tratar-se de uma carta de amor. A partir desta carta ficcional, o narrador pode apresentar o estado de espírito de Evita quando a escreveu, imaginando a possibilidade da morte, e no momento em que dialoga com sua mãe, agora de fato diante da realidade próxima da morte.

A segunda carta, a resposta de Perón a esta escrita por Evita quando estava na Europa, não possui nenhuma indicação de haver existido na realidade. Compreende-se, neste trabalho, essa resposta como uma carta inteiramente ficcional. Entretanto, de forma a revelar a liberdade da obra de ficção que pode se construir como desejar, utiliza-se como fórmula de abertura uma

triste porque não posso viver longe de você... / _ Eu a escrevi em Madri, no primeiro dia da minha viagem à Europa. Ou talvez no avião, quando estava chegando. Já não me lembro. Você reparou como a letra está trêmula, nervosa? Eu não sabia o que fazer e queria voltar. Mal tinha começado a viagem e já queria estar de volta. Vamos, continue. / _ ...

amo tanto você que este sentimento chega a ser uma espécie de idolatria. Não sei como expressar o que sinto, mas posso assegurar que lutei muito duramente nesta vida na ambição de ser alguém e sofri muitíssimo, mas então chegou você e me fez tão feliz que pensei que estava sonhando, e como eu não tinha nada a oferecer além de meu coração e minha alma entreguei tudo a você por inteiro, mas nestes três anos de felicidade nunca deixei de adorá -lo um só momento ou de agradecer aos céus pela bondade de Deus ao me conceder a recompensa de seu amor ... Vou parar, Chola. Você está chorando e vai me fazer chorar também. / _ Só mais um pouquinho. Eu é que sou uma frouxa (MARTÍNEZ, 1996, p. 38).

112

Em português: _ Eu lhe sou tão fiel, meu bem, que, se Deus quisesse me tirar essa felicidade e me levasse, continuaria sendo fiel a você para além da morte e a adorá -lo lá do céu. Mas o que tinha dado em você, Cholita, para escrever uma coisa dessas? / _ Eu estava com medo, mãe. Achava que, quando voltasse de tão longe, ele já não estaria. Que não haveria mais nada. Que acordaria no quarto da pensão, como quando era pequena. Estava morta de medo. Todos achavam que eu era audaz e que tinha chegado mais longe do que qualquer outra mulher. Mas eu não sabia o que fazer, mãe. A única coisa que eu queria era voltar. / _ Leio a outra carta? / _ Não, acabe essa. Leia a última frase. / _ ... Tudo o que você ouviu sobre mim em Junín é uma infâmia, juro. Na hora de minha morte você haverá de saber. São mentiras. Saí de Junín quando tinha treze anos e, nessa idade, o que pode fazer de tão horrível uma pobre moça? Você pode ter orgulho de sua mulher, Juan, pois sempre zelei por seu bom nome e o adorei...

expressão utilizada no encerramento de uma carta não ficcional de Perón a Evita, reproduzida por Felipe Pigna (2009, p. 122) – mi chinita querida: “Muchos, pero muchos besos y recuerdos para mi chinita querida. Perón”.113

Esta carta faz parte do trio de cartas escritas por Perón quando estava preso na ilha Martín García, após a tentativa de golpe em 1945. Observa-se o recurso empregado por Martínez de relacionar a carta ficcional, apócrifa, à não ficcional, permitindo que a aparência de historicidade se estabeleça:

_ Leé la otra carta. Y no sigas hablando.

_ Mi chinita querida. Mirá, la escribió a máquina. Las cartas de amor escritas a máquina valen menos que las otras. A lo mejor se la dictó a un secretario, a lo mejor no es de él. _ No digas eso. Leé.

_ Yo también estoy muy triste por tenerte lejos y no veo las horas de que vuelvas. Pero si decidí que viajaras a Europa es porque ninguna persona me parecía más indicada que vos para difundir nuestras ideas y para expresar nuestra solidaridad a todos esos pueblos que acaban de pasar por el flagelo de la guerra. Estás haciendo un gran trabajo y aquí todos piensan que ningún embajador lo hubiera hecho tan bien. No te aflijás por las habladurías. Jamás les he llevado el apunte y no me hacen mella. Ya quisieron llenarme la cabeza de chismes cuando estávamos por casar, pero a nadie le permití que alzara la voz en tu contra. Cuando te elegí fue por lo que vos eras y nunca me importó tu pasado. No creas que no aprecio todo lo que has hecho por mí. Yo también he luchado mucho y te comprendo. He luchado para ser lo que soy y para que vos seas lo que sos. Estáte muy tranquila, entonces, cuida tu salud y no te trasnoches. En cuanto a doña Juana, no te atormentes por ella. La vieja es muy corajuda y sabe defenderse sola, pero te prometo por lo más sagrado que voy a ocuparme de que nada le falte. Muchos besos y recuerdos, Juan.

_¿Ahora entendés por qué lo quiero tanto, mamá? _ A mí me parece una carta común y corriente.

_ Me la mandó a Toledo, al día siguiente de recibir la mía. Y si me contestó, no fue porque hiciera falta. ¿Para qué, si todas las noches hablábamos por teléfono? Fue por delicadeza, para que me sintiera bien.

_ Te lo merecías. Ninguna otra mujer hubiera escrito lo que vos escribiste.

_ Él se lo merecía. Ahora sabés que fui feliz, mamá. Todo lo que he sufrido valió la pena. Si querés, quedáte con las cartas. Ya me has visto desnuda tantas veces que una vez más no importa.

_ No. Nunca te he visto tan desnuda como ahora (...) (MARTÍNEZ, 1995, p. 45)114

113Tradução nossa: “Muitos, mas muitos beijos e lembranças para minha chinita querida. Perón”. 114

Em português: “_ Leia a outra carta. E pare de falar. / _ Minha Chinita querida. Olhe só, escrita à máquina. As cartas de amor escritas à máquina valem menos do que as outras. Quem sabe ele tenha ditado isso a um secretário, quem sabe nem seja dele. / _ Não diga isso. Leia. / _ Eu também estou muito triste por você estar longe e não vejo a hora de tê-la de volta. Mas quando planejei sua viagem à Europa foi porque nenhuma pessoa me parecia mais

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 88-97)