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PERSONAGENS HISTÓRICOS E SUA FICCIONALIZAÇÃO

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 65-76)

2 FICCIONALIZAÇÃO DA HISTÓRIA

2.3 PERSONAGENS HISTÓRICOS E SUA FICCIONALIZAÇÃO

Além da associação da matéria histórica ao mito e da quebra da linearidade temporal, a história é ficcionalizada em Santa Evita através da ficcionalização de personagens históricos. O escritor tem o poder de criar os personagens, de acordo com sua imaginação. Nisto difere do historiador, que não pode comprometer a credibilidade de seu trabalho compondo personagens a partir de elementos imaginários. Já se discutiram nesta dissertação as diferenças e as semelhanças no trabalho do historiador e do escritor literário. O que se propõe aqui é identificar os personagens históricos relatados no romance Santa Evita, e como estes são ficcionalizados.

Em Santa Evita é possível encontrar três tipos de personagens: os protagonistas históricos (personagens reais, cuja existência fora da ficção é comprovável, que estão no centro das ações); os coadjuvantes históricos (aqueles personagens reais que estariam em segundo plano, mas são alçados à luz pelo narrador que, com suas vozes, apresenta outras versões para a história); e os personagens de apoio (mencionados ou criados com vistas a cumprir um papel na ficção).

Não cabe a este trabalho dissertativo verificar a existência real ou não de cada personagem. Isto seria apenas inventariar o que é real e o que é ficcional; e embora esta possa vir a ser uma tentação, não se justifica, pelo fato de que Santa Evita é obra ficcional, não tem o propósito de ser discurso histórico, ou de substitui-lo. Reafirma-se, portanto, o objetivo de verificar os elementos relativizadores das margens entre ficção e história, sendo a ficcionalização de personagens reais um destes procedimentos.

Ao considerar-se que o romance narra a história da vida de Evita, a de sua morte, a do sequestro de seu corpo embalsamado, os protagonistas são María Eva Duarte de Perón (Evita) e o Coronel Carlos Eugenio de Moori Koenig. Se a história do próprio romance, a da metaficção, entra nesta consideração, então Tomás Eloy Martínez narrador homônimo do autor é também um dos personagens principais, pois seu trabalho de investigação e de escrita é narrado no romance.

Os personagens coadjuvantes históricos são vários, tais como: Juan Domingo Perón, presidente da Argentina e marido de Evita; Juana Ibarguren, mãe de Evita; Dr. Pedro Ara,

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Apresenta-se, no Apêndice B (p. 154), uma breve cronologia da história argentina compreendendo a atuação política de Juan Domingo Perón e Evita.

embalsamador; Eduardo Arancibia, Milton Galarza e Gustavo Adolfo Fesquet, militares que participam do sequestro sob as ordens do Coronel.

Os chamados aqui de personagens de apoio são históricos mencionados em algum momento da narrativa ou personagens criados para interagir com os protagonistas e coadjuvantes. O Papa Pio XII, a atriz Libertad Lamarque (desafeta de Evita), López Rega (assessor de Isabelita Perón), as irmãs de Evita, o cantor Agustín Magaldi, dentre outros, figuram entre os personagens históricos mencionados no enredo. Entre os elaborados com verossimilhança para interagirem com os protagonistas ampliando o enredo temos Evelina (que teria escrito duas mil cartas a Evita), Raimundo Masa (um dos milhares que teriam feito promessas pela recuperação de Evita), José Nemesio Astorga (o Chino, projetista no cinema que foi um dos esconderijos do corpo embalsamado) e Yolanda (filha do Chino).

Os personagens históricos, protagonistas ou não, ao serem introduzidos na ficção com seus nomes próprios, trazem sua bagagem histórica. Isto equivale a dizer que são reconhecidos pelo leitor de acordo com o conhecimento prévio que se tenha deles. Suas características pessoais e realizações tornadas conhecidas pelo discurso histórico entram imediatamente na ficção, sem que precisem ser retomadas. O efeito que isto causa será discutido mais adiante;58 no entanto destaca-se que, no interior da narração, estes personagens tornam-se ficcionais. Dispensam a caracterização minuciosa necessária ao personagem que é criado pela ficção, mas a descrição de seus atos não necessariamente corresponde ao universo histórico real.

A marca mais evidente que permite comprovar que os personagens históricos são ficcionalizados no romance é a narração de pensamentos e de emoções. Tal narração se dá sem base documental. Entra em operação a habilidade de ficcionista do autor que cria situações, descreve sentimentos e pensamentos de acordo com sua imaginação, para compor os personagens, dando-lhes vida para além dos documentos históricos.

No primeiro capítulo, intitulado “Mi vida es de ustedes”59

(MARTÍNEZ, 1995, p. 11), observa-se um exemplo de narração do universo íntimo de um personagem, no caso, Evita:

Al despertar de un desmayo que duro más de tres días, Evita tuvo al fin la certeza de que iba a morir. Se le habían dissipado ya las atroces punzadas en el vientre y el cuerpo estaba de nuevo limpio, a solas consigo mismo, en una beatitud sin tempo y sin lugar. Sólo la idea de la muerte no le dejaba de doler. Lo peor de la muerte no era que

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Tal discussão apresenta-se no capítulo 3: Efeito de historicidade da ficção.

sucediera. Lo peor de la muerte era la blancura, el vacío, la soledad del otro lado: el cuerpo huyendo como un caballo al galope.60

Nesta narração, surge a convicção de Evita quanto à sua morte e suas impressões sobre a mesma. Seu corpo é descrito como já se colocando fora da história, pois começa a estar sem tempo e sem lugar. A morte seria, assim, a ausência da história.

O cenário da narração é o quarto da residência presidencial no qual agoniza, seu leito de morte. Michelle Perrot, ao historiar os quartos, afirma que o “leito de morte” é o palco central e mesmo único do encerramento terrestre de uma existência (2011, p. 240). No quarto preparado para o doente terminal, “a morte é regulamentada, organizada como um concerto. É coletiva, pública e ativa” (PERROT, 2011, p. 241). Tendo em vista a figura pública que era Evita Perón, o evento de sua morte torna-se espetacular. Entretanto, de forma singular, o narrador relata a morte de Evita a partir da perspectiva da história privada, pois leva o leitor a adentrar seu quarto, seu leito de morte.

Segue a narração: “No podia levantarse de la cama por más que concentrara sus energías en los codos y en los talones, y hasta el ligero esfuerzo de recostarse sobre un lado u otro para aliviar el dolor la dejaba sin aliento” (MARTÍNEZ, 1995, p. 11).61

Neste exemplo, verifica-se a sensibilidade do narrador para apresentar o estado físico de Evita como doente terminal de câncer para quem não estava surtindo efeito o tratamento médico que lhe foi administrado. Embora a narração seja feita em terceira pessoa, a impressão que se tem é que a própria personagem fala de suas dores e de sua dificuldade de se movimentar, como se o narrador tivesse ouvido isto de sua boca e contasse aos leitores.

Outro exemplo de narração de sentimento:

Una semana atrás, ¿ya una semana?, se le había apagado la respiración por un instante (como les pasaba a todos los enfermos de anemia, o al menos eso le dijeron). Al volver en sí, se encontró dentro de una cueva líquida, transparente, con máscaras que le cubrían los ojos y algodones en los oídos. Después de uno o dos intentos, consiguió quitarse los tubos y las sondas. Para su extrañeza, advirtió que en ese cuarto donde las cosas se

60Em português: “Ao despertar de um desmaio que durou mais de três dias, Evita teve por fim a certeza de que ia

morrer. Já se haviam dissipado as atrozes agulhadas no ventre, e seu corpo estava de novo limpo, a sós consigo mesmo, numa beatitude sem tempo nem lugar. Só a idéia da morte é que não deixava de doer. O pior da morte não era que acontecesse. O pior da morte era a brancura, o vazio, a solidão do outro lado: o corpo fugindo como um

cavalo a galope”.

61 Em português: “Não conseguia erguer-se na cama, por mais que concentrasse as forças nos cotovelos e nos

calcanhares, e até o leve esforço de virar-se para um lado ou para o outro a fim de aliviar a dor a deixava sem fôlego” (MARTÍNEZ, 1996, p. 11).

movían rara vez de lugar había un cortejo de monjas arrodilladas delante del tocador y lámparas de luz turbia sobre los roperos (MARTÍNEZ, 1995, p. 13).62

Ressalta-se a estranheza sentida por Evita ao observar as mudanças ocorridas no ambiente a seu redor. Com isto, revela-se que a personagem não tinha mais controle sobre o que lhe acontecia, nem sobre o que acontecia a seu redor. A estranheza já se verifica na expressão de surpresa “¿ya una semana?”, que intensifica a ideia expressada anteriormente da morte como um processo de perda da temporalidade.

A menção a uma “cueva líquida, transparente” parece indicar o que acontecerá após sua morte, quando seu cadáver embalsamado será exposto dentro de uma caixa de vidro transparente. Obviamente, Evita não sabia que isto aconteceria no futuro. Este é um recurso empregado pelo narrador para apresentar sua própria onisciência, seu amplo conhecimento sobre os fatos que narra, contribuindo para a ficcionalização da história.

Ainda no primeiro capítulo de Santa Evita, narra-se a morte de Evita poeticamente, a partir de seus pensamentos e sensações. A sequência narrativa contém vários parágrafos, sendo um longo em comparação aos outros, no qual se revela mais nitidamente a confusão temporal em que se encontrava Evita próximo à morte. Nesta sequência, no parágrafo que antecede o mais longo, Evita reúne forças para levantar-se da cama: “Aún le quedaban remansos de debilidad en el pecho y en las manos, nada del otro mundo, nada que le impidiera levantarse. Tenía que hacerlo cuanto antes, para tomar a todos por sorpresa” (MARTÍNEZ, 1995, p. 15).63

Ao tentar levantar-se, sentiu uma dor terrível que “le devolvió de lleno la consciencia de la enfermedad” (MARTÍNEZ, 1995, p. 15).64 A expectativa de fazer surpresa a outros e a recordação da doença são situações íntimas da personagem, que só seria possível ao narrador conhecer se estivesse dentro da mente de Evita, algo que o historiador, no discurso histórico, não pode afirmar com tanta certeza. Já na ficção é possível ao narrador afirmar que a certeza da morte faz com que

62Em português: “Havia uma semana (já uma semana?), sua respiração se apagara por um momento (como é comum

acontecer com os anêmicos, pelo menos foi o que lhe disseram). Quando voltou a si, viu-se dentro de uma caverna líquida, transparente com máscaras sobre os olhos e algodões nos ouvidos. Depois de uma ou duas tentativas, conseguiu tirar os tubos e as sondas. Para sua estranheza, notou que, naquele quarto onde raramente as coisas mudavam de lugar, havia um cortejo de freiras ajoelhadas diante da cômoda e lâmpadas de luz mortiça em cima dos

armários” (MARTÍNEZ, 1996, p. 12).

63Em português: “Ainda restavam remansos de fraqueza no peito e nas mãos, mas nada do outro mundo, nada que a

impedisse de levantar. Tinha de fazê-lo o quanto antes, para pegar todo mundo de surpresa” (MARTÍNEZ, 1996, p. 14).

Evita suporte o sofrimento para poder levantar-se: “Voy a morir, ¿no es certo? Ya que voy a morir, todo está permitido” (MARTÍNEZ, 1995, p. 15).65

No parágrafo mais longo, Evita consegue ficar em pé e observa que, a seu redor, dormem, sentados em cadeiras, enfermeiras, sua mãe e um dos médicos. Diz o narrador que ela teria gostado que eles a vissem, “Pero no los despertó, por miedo a que la obligaran entre todos a acostarse otra vez” (MARTÍNEZ, 1995, p. 16).66 Evita aproxima-se da janela, vê o jardim, a avenida do Libertador, e parece ouvir o povo que faz vigília do lado de fora chamando-a. O narrador faz questão de frisar que ela se pergunta em que data está e verifica que é o sábado, vinte e seis de julho de mil novecentos e cinquenta e dois; e que, embora esta data não seja um feriado, o povo está na rua. Observando as pessoas através da janela, Evita as reconhece, bem como se lembra em que circunstância encontrou tais pessoas ou o que lhes doou através de sua fundação. O narrador cita nominalmente estas pessoas:

La que reza de rodillas es doña Elisa Tejedor, con el mismo pañuelo de luto en la cabeza que tenía cuando me pidió el carro lechero y los dos caballos que le robaron al marido la mañana de Navidad; el que se está arrimando a las valas de la policía, con el sombrero ladeado, es Vicente Tagliatti, al que le conseguí trabajo de medio oficial pintor; aquellos que prenden velas son los hijos de doña Dionisia Rebollini, que me pidió una casa en Lugano y se murió antes de que pudiera entregársela en Mataderos (MARTÍNEZ, 1995, p. 16).67

Uma narração como esta parece mostrar Evita com bons olhos, apresentando-a como capaz de reconhecer seus “grasitas”, como se de fato se importasse com eles. Segue o narrador relatando que ela gostaria de vê-los, mas não poderia deixar que eles a vissem como estava, pois eles se acostumaram a vê-la com trajes de gala, sempre bela e imponente. Por isso, Evita pensa em gravar uma mensagem pelo rádio para despedir-se do povo, recomendando-os a Perón, mas decide que terá tempo para fazê-lo depois. Sente-se fraca novamente e volta para a cama. Sua morte é narrada como um sono sem fim, analogia comum para a morte, mas que, da forma como apresentada pelo narrador, confere poesia à crueza do fato histórico: “Otra ráfaga de debilidad la devolvió a la cama, el cuerpo apagó la luz y la felicidad de su ligereza la llenó de sueño, pasó de

65Em português: “De qualquer jeito, vou morrer, não é? Já que vou morrer, tudo é permitido” (MARTÍNEZ, 1996, p.

15).

66 Em português: “Mas não acordou ninguém, por medo de que a obrigassem a voltar para a cama” (MARTÍNEZ,

1996, p. 15).

67 Em português: “Aquela ali rezando de joelhos é dona Elisa Tejedor, a cabeça coberta com o mesmo lenço preto

que usava quando veio me pedir a carroça de leite e os dois cavalos que roubaram de seu marido na manhã de Natal; aquele que vai chegando junto ao cordão de isolamento, com o chapéu de lado, é Vicente Tagliatti, para quem eu consegui um emprego de meio oficial-pintor; aqueles ali acendendo velas são os filhos de dona Dionisia Rebollini,

que me pediu uma casa em Lugano e morrer antes de eu lhe entregar a que arranjei em Mataderos” (MARTÍNEZ,

un sueño al otro y a otro más, durmió como si nunca hubiera dormido” (MARTÍNEZ, 1995, p. 17).68

Outro personagem que tem grande destaque em Santa Evita é o Coronel Carlos Eugenio de Moori Koenig, executor do sequestro do corpo embalsamado de Evita. Na primeira vez em que este personagem é mencionado, é chamado de “coronel” com inicial minúscula (MARTÍNEZ, 1995, p. 17). Depois, sempre que o narrador se refere a ele é como “Coronel”, com inicial maiúscula. Esta determinação gráfica indica que se cria um tipo. Segundo Nilce Martins (1997, p. 65), o emprego das maiúsculas pode sugerir respeito, admiração, sentimento religioso ou cívico, acatamento da autoridade (Pai, Mestre, Sacerdote, Pátria, Presidente, Senador, etc.) e, além disso, a maiúscula pode ainda sugerir uma personificação, uma idealização, ou a intenção de uma profundeza metafísica. Considera-se, portanto, que o uso da maiúscula no caso aponta não só para a autoridade da qual está investido Moori Koenig para cumprir a ordem que lhe foi dada por seus superiores, mas também para o regime militar por ele representado.

O narrador faz questão de ressaltar o significado do sobrenome do Coronel, “rei do lamaçal” (MARTÍNEZ, 1995, p. 19), descrevendo-o como obcecado por detalhes, pela precisão que o levava, quando espionava Evita, a interrogar enfermeiras e a revirar lixeiras, para escrever relatórios minuciosos: “El Coronel tenía el hábito de la exactitud” (MARTÍNEZ, 1995, p. 119).69 O Coronel atuava como professor na Escola de Inteligência do exército, ensinando sobre a natureza do segredo e os usos do boato (MARTÍNEZ, 1995, p. 17). Além desta função, estava encarregado de vigiar Evita:

En los dos últimos años, el Coronel había espiado a Evita por orden de un general de Inteligencia que invocaba, a su vez, órdenes de Perón. Su extravagante deber consistia en elevar partes diarios sobre las hemorragias vaginales que atormentaban a la Primera Dama, de las que el presidente debía estar mejor enterado que nadie. (MARTÍNEZ, 1995, p. 18).70

A primeira emoção do Coronel descrita pelo narrador é o temor: “Tras la caída de Perón, los escalafones militares fueron diezmados por purgas inmisericordes. El Coronel temía que le anunciaran su retiro de un día para otro por haber servido como edecán de la Señora, (...)”

68Em português: “Outra lufada de fraqueza a empurrou de volta para a cama, o corpo apagou a luz, e a felicidade de

sua leveza a encheu de sono, mas passou de um sonho a outro e mais outro; dormiu como se nunca tivesse dormido” (MARTÍNEZ, 1996, p. 16).

69Em português: “O Coronel tinha o hábito da precisão” (MARTÍNEZ, 1996, 104).

70Em português: “Nos últimos dois anos, o Coronel havia espionado Evita por ordem de um general da Inteligência

que, por sua vez, dizia cumprir ordens de Perón. Seu extravagante dever consistia em lavrar informes diários sobre as hemorragias vaginais que atormentavam a primeira-dama, e o que o presidente devia conhecer melhor do que

(MARTÍNEZ, 1995, p. 23).71 No entanto, tal temor revela-se desnecessário já que, por sua amizade com alguns dos golpistas e sua perícia para desmascarar conspirações, foi chamado pelos dirigentes do novo governo a atuar, não para assassinar Perón, como o narrador afirma que havia planejado, mas para resolver o problema dos despojos de Evita, que tirava o sono dos militares.

Ao ser convocado pelo presidente interino da República, diz o narrador, o Coronel não imaginava porque o chamavam; então começa a especular que problemas teria de investigar (MARTÍNEZ, 1995, p. 23) – mais um exemplo do universo íntimo do personagem esmiuçado pelo narrador. Até o que interessa ao Coronel o narrador afirma conhecer, como seu interesse pelos epítetos com os quais Perón e Evita eram chamados: “tirano prófugo” ou “ditador deposto” e “essa mulher”, respectivamente (MARTÍNEZ, 1995, p. 22).

Embora nesta passagem não seja mencionado o nome do presidente interino, sabe-se que se trata de Pedro Eugenio Aramburu.72 É possível chegar a este conhecimento através das menções a eventos históricos, tais como a renúncia de Café Filho, no Brasil, em novembro de 1955 (MARTÍNEZ, 1995, p. 23). Aramburu é descrito como um homem pálido, aparentemente tenso, em vias de perder o controle.

Interessa destacar aqui outro procedimento de ficcionalização de personagens históricos que é a narração dos diálogos que teriam travado. Um exemplo é o diálogo entre o presidente Aramburu, o vice-presidente Isaac Rojas, um capitão-de-fragata, um general obeso e o Coronel, ocorrido na reunião em que este recebeu a missão do sequestro do cadáver de Evita:

El Coronel sólo atinó a decir:

– ¿Cuáles son las órdenes? Yo me encargo de que se cumplan.

– En cualquier momento habrá un motín en las fábricas – explicó un general obeso.

Sabemos que los cabecillas quieren entrar en la CGT y llevarse a la mujer. Quieren pasearla por las ciudades. La van a poner en la proa de un barco lleno de flores y bajar con ella por el río Paraná para sublevar a los pueblos de las orillas.

71Em português: “Depois da queda de Perón, a oficialidade foi dizimada por expurgos impiedosos. O Coronel temia

que sua baixa fosse anunciada a qualquer momento por ter servido como acólito da Senhora, (...)” (MARTÍNEZ, 1996, p. 21).

72

Vide Apêndice B (p.154). No governo de Aramburu, Perón foi condenado à execração pública: “Fecham-se todas as instituições peronistas, e tanto o Partido, como a Fundação Eva Perón têm seus bens liquidados. Os asilos para velhos e crianças, fundados por Eva, conhecem tempos de austeridade. O governo Aramburu considera exagerada a atenção às crianças, e seus interventores esmeram-se na restauração da moralidade. Meninos e meninas, velhos e velhas, são submetidos à fome. / Os bustos de Eva e Perón são destruídos em todo o país, e queimados seus retratos. É proibido mencionar até mesmo seus nomes. A euforia da classe média, vitoriosa, e da oligarquia, é histérica. O governo, não satisfeito em destruir a imagem de Eva e de Perón, decide sumir com o cadáver da esposa do general, que, para milhões de argentinos, é santa. Esta providência, aprovada por Aramburu, custar-lhe-á a vida, muitos anos depois, e será a chave de toda a violência contemporânea na Argentina” (SANTAYANA, 1976, p. 91 – grifo do autor).

El Coronel imaginó la procesión infinita y los bombos redoblando junto al río. Las antorchas torvas. Las flotas de flores. El vicepresidente se incorporó.

– Muerta – dijo –, esa mujer es todavia más peligrosa que cuando estaba viva. El tirano

lo sabía y por eso la dejó aqui para que nos enferme a todos. En cualquier tugurio

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 65-76)