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CAPÍTULO I: A CENTRALIDADE DA MÍDIA NA POLÍTICA: MÚLTIPLOS

1.5 Democracia e cultura política: a mídia como principal fonte de informação

1.6.1 A eleição de Lula em 2002

As eleições de 2002 foram as mais disputadas desde o pleito de 1989. Também, foi a que obteve maior visibilidade nos meios de comunicação, pois a mídia nacional investiu na cobertura aprofundada do processo eleitoral, diferentemente de outros pleitos como vimos anteriormente. Isto já foi diagnosticado na coletânea organizada por Rubim (2004) e Fausto Neto (2003), onde vários pesquisadores aferiram o comportamento da mídia na campanha presidencial. Portanto, não será nosso objetivo fazer um resgate exaustivo desses elementos, mas sim pontuar algumas questões que ajudem a compreender o papel da mídia no processo e antever o perfil de relacionamento do governo com os meios de comunicação que começou a ser esboçado já no período eleitoral. Como referimos em outras oportunidades, assim como a comunicação é fundamental para a conquista do poder, ela será decisiva para a manutenção do mesmo.

Comentamos anteriormente que uma das estratégias do Partido dos Trabalhadores após a derrota em 1994 foi promover uma aproximação de Lula com empresários de comunicação34. De fato, houve uma integração de Lula com expoentes do PIB nacional, numa

34 Comentamos anteriormente que Ricardo Kotscho referiu isto durante palestra promovida pela Associação

Catarinense de Imprensa, na Assembléia Legislativa de Santa Catarina (09/05/03), em evento comemorativo aos 35 anos da Casa do Jornalista. O assunto repercutiu na entrevista ao Diário Catarinense (11/05/03, p. 8): "fazíamos um trabalho de aproximação entre uma campanha e outra com os proprietários dos veículos de comunicação para evitar hostilidades". Em entrevista à revista Caros Amigos (n. 91, out. 2004, p. 35) diz "que 1989 não havia nenhum tipo de contato do Lula com a cúpula das empresas, com os donos da mídia. Já

inflexão ao centro político do eleitorado brasileiro. Isto foi traduzido na aliança com o Partido Liberal, onde o vice José de Alencar representaria as forças mais conservadoras, numa combinação proclamada de aliança entre o trabalho e o capital.

Itamar Aguiar (2006) demonstrou em sua tese que Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez o jogo das elites dominantes nas eleições presidenciais de 2002, afirmando que o seu programa de governo foi a alternativa encontrada pelas elites conservadoras para a manutenção do status quo. Considera um programa de governo de perfil conservador que foi construído também com o apoio de grupos econômicos poderosos, que inclui os grupos de comunicação que são de sua propriedade, interessados na consolidação de um projeto hegemônico (neo)liberal de governo no Brasil. Transcorrido o governo, vimos que Lula conseguiu agradar tanto as elites como setores pobres da população através de políticas sociais e de distribuição de renda.

Um dos aspectos referentes à eleição, além da visibilidade e do ampliado debate público proporcionado pela cobertura da mídia, foi o enquadramento discursivo provocado pelo Jornal Nacional. Conforme aferiu Miguel35, a cobertura do JN foi plural e equânime,

porém fez os candidatos assumirem publicamente um comprometimento no âmbito macroeconômico, com a não ruptura de contratos e acordos com os organismos multilaterais, entre outros. Este enquadramento discursivo no plano econômico ilustra nossa tese do mútuo agendamento, pois a tematização de alguns setores da mídia, especialmente a Rede Globo, fez os candidatos assumirem posturas públicas consoantes com questões predominantes na imprensa. Lula já havia anunciado a não ruptura à Nação quando divulgou a "carta aos brasileiros", assumindo publicamente uma manutenção da política econômica em curso no país. Veremos adiante que a política econômica do governo Lula foi uma área prestigiada pela mídia no mandato, resguardando temporariamente uma positiva imagem pública aos ministros Palocci e Meirelles, afetada posteriormente nos períodos turbulentos na crise política desencadeada em meados de 2005.

A eleição de 2002, também serviu para acrescentar no debate público os indicadores do “risco Brasil”, onde os meios de comunicação colocaram na pauta política alguns indicativos quanto aos temores do mercado internacional com a eleição brasileira, demonstrando como o a mídia é um agente expressivo do campo econômico.

em 1994 começamos a conversar, almoçar, jantar. O PT e o presidente Lula, não só nesse campo mas também no campo das alianças, tiveram uma inflexão grande".

Um dos momentos tensos da campanha e que reflete a complementaridade entre o campo político e o da comunicação, aconteceu no período pré-eleitoral, quando a candidatura de Roseana Sarney despontava nas pesquisas. Uma manobra política gerada dentro do governo FHC, notoriamente para beneficiar a campanha de José Serra (PSDB), através do confisco de dinheiro e de documentos comprometedores no escritório do marido de Roseana, desencadeou um amplo processo de desgaste da candidatura, com ampla repercussão no campo midiático. Isto ilustra o intercâmbio entre os campos que estamos defendendo na tese, mostrando como uma manobra política partindo do Estado consegue agendar o campo jornalístico, desgastando um candidato a ponto de retirá-lo da disputa eleitoral.

A agenda dos candidatos e o horário eleitoral gratuito pautaram boa parte da cobertura da imprensa, com aferiu Mauro Porto36. O Jornal Nacional foi um dos telejornais analisados

pelo pesquisador e sua equipe, cujas conclusões foram semelhantes às de Miguel.

Lula fez uma campanha centrada nas propostas para o país, evitando críticas ao governo FHC e gerar polêmicas que desgastassem sua candidatura. Assessorado pelo publicitário Duda Mendonça, o PT investiu bastante no simbolismo da campanha e na imagem pessoal do candidato, numa radical mudança da postura de Lula em relação aos pleitos anteriores. Evitando críticas aos adversários, valorizando a presença da esposa Marisa ao seu lado, ternos alinhados, barba sempre aparada, Lula rompeu com a imagem de sindicalista para projetar um perfil de estadista. De fato, o PT investiu durante a campanha numa política de perfil, centrada no candidato, ao invés de uma política de programa que marcaram as disputas anteriores. Nos programas eleitorais, sempre produzidos com qualidade técnica e valorização simbólica, com muitos apelos emotivos, demonstravam que Lula estaria bem assessorado na presidência, pois mostravam um breve perfil da equipe envolvida no programa de governo. Estes componentes, somados a uma mudança programática do PT em relação aos pleitos anteriores, com um projeto de governo mais centrado na social democracia, bem como um contexto político favorável à mudança diante do desgaste do governo Fernando Henrique Cardoso, culminaram com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva. No momento acirrado da disputa, justamente no segundo turno da eleição, Lula evitou participar de debates nos meios de comunicação, contrariando apelos de setores da imprensa e do adversário José Serra. Foi uma estratégia semelhante à utilizada por Fernando Henrique Cardoso na eleição de 1998. Porém, naquela oportunidade, a Rede Globo não promoveu debates em função da ausência do principal concorrente. Já no pleito de 2002, utilizou no

36 No artigo "A televisão e o primeiro turno das eleições presidenciais de 2002: análise do Jornal Nacional e do

segundo turno um formato diferenciado, evitando a intermediação dos jornalistas na indagação dos candidatos. Usando um cenário em forma de arena, a Globo mobilizou populares que eram sorteados para dirigir perguntas aos dois presidenciáveis. A Globo não repercutiu os debates em seus noticiários, evitando o desgaste público herdado com a eleição de Collor em 1989, quando um resumo do debate apresentado no Jornal Nacional teve notório enquadramento pró-Collor.

Enfim, não será o caso de fazer uma ampla retrospectiva do período eleitoral, mas destacar uma aproximação de Lula com a Rede Globo, privilegiando uma destacada emissora de comunicação no território nacional. Assim como o candidato aceitou participar somente do debate promovido pela emissora no segundo turno da eleição - recusando outros convites, concedeu entrevistas exclusivas após a vitória, privilegiando um veículo de comunicação em detrimento dos demais. No dia 27 de outubro de 2002, após fazer um pronunciamento à Nação como presidente eleito, transmitido ao vivo por várias emissoras de TV, Lula deu uma entrevista exclusiva para o programa dominical da Rede Globo, o "Fantástico". Segundo Eugênio Bucci (2004, p.210), "ao trazer Lula para dentro de seu próprio formato, ao "engolir" Lula, o Fantástico recondicionou a memória nacional", pois a Globo trouxe imagens de fundo que foram anteriormente banidas de seus noticiários com as cenas dos movimentos operários dos anos 80. No dia seguinte, o presidente eleito participou ao vivo no Jornal Nacional37,

portando-se na bancada do programa quase como um apresentador do noticiário. Isto foi um fato inédito na história do JN, causando "inveja" no ainda presidente Fernando Henrique Cardoso, que solicitou tratamento idêntico no telejornal do dia seguinte.

Alguns analistas apontaram este privilegio concedido à Rede Globo como um agradecimento à generosa cobertura eleitoral que Lula recebeu da emissora. Isto seria entrar em teorias conspiratórias, mas chama a atenção o fato de Lula ter priorizado a Globo na suas manifestações públicas depois de eleito. Por que somente a Globo? Fernando Lattman- Weltman38 (2003), no artigo "Institucionalização política da mídia no Brasil (ou, como foi

possível a Globo Lular depois de 13 anos)" aponta algumas pistas neste sentido. Lula depois de empossado não concedia entrevistas aos jornalistas. O curioso é que a primeira entrevista,

37 A entrevista exclusiva do presidente eleito causou polêmica na imprensa, com especulações em torno do

privilegiado tratamento de Lula à Globo. O assessor de imprensa de Lula, Ricado Kotscho, explicou que a Globo havia planejado a cobertura da campanha presidencial desde maio de 2002, quando os assessores assinaram um documento comprometendo-se a cumprir a agenda da emissora (em entrevista à Revista Imprensa, p. 15).

após vários meses de mandato, foi exclusiva para a Rede Globo, novamente para o programa Fantástico. Talvez isto explique a tradição governista da emissora, apontada por alguns analistas que vêm acompanhando a trajetória do império de comunicação montado por Roberto Marinho. Esta hipótese do enquadramento governista da Globo estaremos aferindo na análise que será feita do Jornal Nacional nos primeiros meses do governo Lula.

Enfim, ao trazer alguns elementos da campanha eleitoral, ainda que de forma fragmentada, destacamos determinados aspectos no relacionamento de Lula com a mídia, especialmente a Rede Globo. Isto introduz importantes elementos para a futura análise do Jornal Nacional, que será o noticiário chave para compreender as formas de enquadramento da mídia na cobertura da política nacional.

Diante da crescente espetacularização da política e da preferência dos indivíduos pela televisão como principal fonte de informação política, a comunidade científica precisa estar atenta para acompanhar as formas contemporâneas de atuação política, que estão cada vez mais deslocadas dos mecanismos convencionais para os processos eletrônicos de mediação social.

Uma vez que a comunicação social é um dos principais instrumentos para efetiva democratização de uma sociedade, não podemos considerar as instituições políticas e suas formas de atuação dissociadas das estruturas midiáticas, que demonstramos ter uma presença cada vez mais marcante nos dias atuais. Estas e outras questões serão retomadas no próximo capítulo a partir da perspectiva do agendamento, analisando também como as fontes governamentais são privilegiadas no noticiário e conseguem interferir no repertório da imprensa. Para isto discutiremos algumas particularidades da rotina jornalística e as interfaces com a área governamental. O objetivo desse capítulo foi elucidar algumas questões que norteiam o debate sobre os poderes da mídia na política, enaltecendo a necessidade de desenvolver novas pesquisas sobre as complexas relações envolvendo essas duas práticas sociais. Os fenômenos políticos contemporâneos requerem a continuidade desses estudos, para melhor compreender as interferências da mídia na sociedade.

CAPÍTULO II

A INTERFERÊNCIA DA MÍDIA NA CONFIGURAÇÃO

DAS AGENDAS PÚBLICA E POLÍTICA

O presente capítulo objetiva analisar as contribuições da sociologia do jornalismo1,

especialmente nos temas voltados para a comunicação e política. Enfocamos com mais profundidade a teoria do agendamento, agenda-setting, para compreender o poder da mídia em pautar temas na sociedade e sua repercussão sobre as ações de determinados agentes sociais, principalmente no campo político. Para isso, iniciamos com um resgate histórico das teorias sobre os efeitos da mídia na sociedade, acompanhando a evolução das pesquisas nos Estados Unidos, Europa e no Brasil, trazendo algumas contribuições dos pesquisadores que utilizam essa metodologia em suas pesquisas. Nesse percurso, discutimos estudos derivados do agendamento que atualizam seus pressupostos iniciais, através de enfoques complementares ao texto seminal de McCombs e Shaw (1972) sobre a agenda-setting. Com isso também recorremos a outras teorias afins ao agendamento, tais como enquadramento e newsmaking, procurando compreender como as notícias são produzidas para então tecer hipóteses sobre seus efeitos na sociedade, especialmente na política. No âmbito dos estudos sobre as rotinas jornalísticas, enfocaremos as teses sobre o oficialismo e a auto-referência das notícias, buscando com isso demonstrar como o governo é privilegiado no conteúdo midiático.

Entre os temas discutidos neste capítulo, está o poder da mídia na configuração da agenda púbica e política, bem como as disputas inerentes a esse processo de formação da opinião pública. Para isso, recorremos a algumas pesquisas que relatam algumas experiências com o agendamento, principalmente na política. O capítulo encerra com a reflexão sobre a noção de campo, baseada em Bourdieu e outros autores, que será utilizada como um recurso alternativo para compreender as relações entre mídia e política.

As primeiras pesquisas voltadas para verificar o potencial de agendamento dos meios de comunicação surgiram nos Estados Unidos a partir da década de 70. Em um artigo publicado em 1972, McCombs e Shaw utilizam pela primeira vez o termo agenda-setting, admitindo o poder midiático de interferir no repertório da comunicação interpessoal, com uma

1 Max Weber já defendia em 1910 no artigo "Sociologia de Imprensa: um programa de pesquisa" (Lua Nova, n.

55-56, 2002, p 185-194) que a sociologia estude "as relações de poder criadas pelo fato específico de que a imprensa torne públicos determinados temas e questões" (p. 187).

tendência das pessoas conversarem e pensarem sobre os temas ofertados pela mídia. A partir de então o paradigma do agenda-setting desencadeou uma extensa linha de pesquisa, principalmente voltada para a mídia e política. Os autores, ao examinar a cobertura da campanha presidencial de 1968 e a repercussão entre eleitores de Chapel Hill (EUA), observam que escolhendo e exibindo notícias, os jornalistas fazem uma tarefa importante, moldando a realidade política. Por isso consideram que o conceito de "agenda-setting parece útil para estudo do processo de consenso político" (Mc Combs, Shaw, 1972, p. 187).

A idéia básica do conceito pode ser resumidamente apresentada da seguinte maneira: "a capacidade da mídia em influenciar a projeção dos acontecimentos na opinião pública confirma seu importante papel na figuração da nossa realidade social, isto é, de um pseudo- ambiente, fabricado e montado quase completamente a partir dos mass media" (Mc Combs and Shaw, 1977, p.7, apud Traquina, 2001, p.14). Particularmente, interpreto o agenda-setting como o poder dos meios de comunicação em pautar, tanto a comunicação interpessoal, como os acontecimentos na sociedade.

Mauro Wolf (1995, p 130, apud Shaw, 1979, p.101) destaca que o pressuposto fundamental da agenda-setting é que a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida, por empréstimo, pelos mass media. Os autores em outra publicação defendem que "a arte da política numa democracia é, num grau considerável, a arte de determinar que dimensões das questões são de importância maior para o público ou podem tornar-se salientes de forma a conseguir o apoio do público" (Mc Combs and Shaw, 1977, p.15, apud Traquina; 2001, p.14). O autor defende que a análise do conceito de agendamento contribui para a melhor compreensão da comunicação política, "assunto bem problemático em qualquer democracia recém-nascida" (p. 14-15). Transpondo essa premissa para o Brasil, que vive uma democracia em amadurecimento, percebemos a validade do paradigma para compreender as interferências da mídia na política e vice-versa. Isto reforça a importância da nossa pesquisa em verificar o papel da mídia em governos democráticos, justamente nos seus enlaces com o governo Lula.

Como lembra Azevedo (2004, p.44), o conceito e o modelo investigativo do agenda- setting ganham inteligibilidade e relevância teórica, quando relacionados ao tema mais geral da formação da opinião pública em sociedades midiatizadas ou "democracias de público" (Manin 1995), como é o caso do Brasil. "Nessas democracias, a relação entre os meios de comunicação de massa e a opinião pública (aqui definida, sinteticamente, como correntes de opiniões, atitudes e crenças sobre um tema particular e compartilhadas e expressas por uma

parte significativa da população) é crucial para entender como se definem as agendas temáticas e questões públicas relevantes" (Idem, p. 44).

Sobre o estabelecimento de agenda, Curran e Seaton (1997, p.327) assinalam que os primeiros estudos dos efeitos da imprensa e da difusão destruíram suposições iniciais a cerca do poder dos media, assimilando a liberdade das audiências. “No entanto, um exame da prova deixou dúvida neste ponto de vista. Foi sugerido que os media podem não persuadir o público diretamente, não obstante, afetam o que as pessoas sabem e o que pensam que é importante”.

Portanto, como veremos a seguir, este capítulo apresenta os aspectos teóricos e metodológicos da tese, esmiuçados através das reflexões sobre o agendamento e o enquadramento dos fatos políticos, substanciados pelo enfoque no oficialismo e da auto- refencialidade do jornalismo, que serão os elementos centrais na análise dos dados empíricos da pesquisa, apresentados a partir do capítulo cinco.