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CAPÍTULO I: A CENTRALIDADE DA MÍDIA NA POLÍTICA: MÚLTIPLOS

2.1 Os componentes no processo de agendamento

2.1.1 O aprimoramento do conceito de agendamento

A hipótese dos efeitos limitados da mídia a médio e longo prazo foi revista após décadas de pesquisa, já que muitos pesquisadores foram reconhecendo que esse potencial de agendamento estaria ficando mais aguçado na vida contemporânea. Trata-se da redescoberta do poder do jornalismo, como definiu Traquina (2001), ao revisar algumas conclusões mais recentes dos pesquisadores dedicados ao tema (comenta a existência de mais de 200 artigos e livros sobre agendamento, enquanto Azevedo (2004) fala em 300 artigos). Disto conclui (p. 39) que "certamente, ao longo dos anos, nos diversos estudos relacionados com o conceito de

agendamento, o poder do jornalismo foi conceituado de uma forma cada vez mais alargada, ultrapassando o conceito inicial que limitava a influência da agenda jornalística sobre a agenda pública à simples saliência das questões e ocorrências que tinha merecido destaque da notícia".

Esse aprimoramento na ênfase ao agendamento também é percebido na condução das pesquisas da dupla americana que originalmente formulou a hipótese. Quando surgiu o primeiro artigo de McCombs e Shaw, a tese central do conceito postulava um poder limitado da mídia. Mais de 20 anos depois, os mesmos autores, fazendo um balanço da evolução da pesquisa, afirmaram: "o agendamento é consideravelmente mais que a clássica asserção que as notícias nos dizem sobre o que pensar. As notícias também nos dizem como pensar. Tanto a seleção de objetos que despertam a atenção como a seleção de enquadramentos para pensar esses objetos são poderosos papéis do agendamento" (McCombs e Shaw, 1993, p. 62, apud Traquina, 2001, p.33). Adiante outra passagem: "(...) nossas investigações, explorando as conseqüências do agendamento e do enquadramento dos mídia, sugerem que os mídia não só nos dizem em que pensar, mas também como pensar nisso, e conseqüentemente o que pensar" (Idem, p. 65, Ibidem p.33-34), ou seja, reafirmando a constatação citada anteriormente. Aqui se percebe a evolução do conceito, incorporando também a noção de enquadramento, um desdobramento da tese do agendamento que vamos referir adiante.

Traquina (2001, p.34), observa que o objetivo de muitos estudos que seguiram a publicação que deu origem ao conceito de agendamento foi precisamente testar a hipótese teórica, avançada por McCombs e Shaw, ou seja, uma relação causal entre a agenda jornalística e agenda pública. Entre os autores citados, estão Behr e Iyengar (1985, p. 40) que confirmaram o poder de agendamento da televisão. Segundo Traquina (2001, p.35), eles encontraram uma evidência clara de que o noticiário televisivo estabelece a agenda pública. Esses mesmos pesquisadores testaram a possibilidade inversa, ou seja, a agenda pública interferindo a agenda jornalística. Porém concluem que a agenda jornalística ficou 'imune' às mudanças na agenda pública (p. 36). Reafirmam que a influência da agenda jornalística sobre a agenda pública é direta e imediata.

Portanto, pelo que afirmaram os pesquisadores, percebe-se que o efeito de agenda é potencializado a partir da mídia, sendo pouco eficientes tentativas de agendamento partindo da população em direção aos jornalistas. Porém, em se tratando de agentes governamentais, essa possibilidade tende a ser mais interativa. Uma vez que as ações de governo – que interferem na vida coletiva – dependem dos meios de comunicação massivos como principais mediadores no relacionamento com a população, difundindo as mensagens de interesse

público, ou mesmo disputando a hegemonia ou buscando o consenso político entre os diversos segmentos sociais. Vimos isso no capítulo um ao comentar sobre a centralidade da mídia na sociedade e seus desdobramentos na política. Outra constatação que reforça esse argumento é o caráter oficialista do noticiário, ou seja, a predominância de fontes oficiais (governamentais) em detrimento de outros atores sociais. Esta tendência será abordada através dos estudos do newsmaking, enfocando as pesquisas voltadas para a rotina de produção jornalística, área bastante afim com a temática do agendamento. Particularmente, a televisão tem um papel ainda mais relevante no agenda-setting, como demonstraram as pesquisas citadas anteriormente. Quando o enfoque é voltado para a televisão, percebe-se que o poder de agendamento passa a ser potencializado, justamente pela penetração dessa modalidade comunicativa junto à sociedade. Em parte, esse potencial da TV está ligado a sua eficácia como a principal fonte de informação entre a maioria da população, somado ao ímpeto persuasivo e sedutor característico das mensagens audiovisuais. Considerando a televisão como "uma janela para o mundo", ela passa a ser a principal referência das pessoas sobre os acontecimentos, principalmente como um instrumento de orientação coletiva para a tomada de decisões e posicionamentos políticos.

Alessandra Aldé (2004; p.16), ao analisar a relação dos cidadãos com a mídia, o destaque fica por conta da TV, com uma posição singularmente vantajosa na constituição da opinião pública, central para a reflexão acerca das suas implicações políticas. As pessoas buscam nela a essência dos fatos com destaque para os jornalistas e apresentadores de TV; o estatuto visual da verdade; e a personalização própria do enquadramento telejornalístico e das explicações populares para a política. A autora (Idem, p.173) constatou que, embora consumidos de maneira diferenciada, os meios de comunicação perpassam de maneira importante a construção das atitudes políticas de todos os tipos de cidadão e receptor. Em particular, a influência da TV enquanto quadro de referência primário se vê reforçada por mecanismos cognitivos de uso comum, presentes no discurso de todos os cidadãos, e cujos funcionamentos e implicações ela apresenta no capítulo 6 do seu livro. Assim, reforça que a TV influi na estruturação e manutenção das atitudes políticas do cidadão comum, estimulando sua incorporação ao discurso e ao repertório de exemplos de cada cidadão (p.175).

As pesquisas mencionadas por Traquina (2001), apontam nessa direção. Mencionando outros estudiosos que testaram o efeito da agenda-setting sobre todas as pessoas ou sobre todos os assuntos, o autor (2001, p.36-37) cita uma variedade de autores que afirmam a "necessidade de uma orientação" como fator decisivo: "assim, o efeito de agendamento ocorre com pessoas que têm uma grande necessidade de obter informação sobre um assunto; devido

a esta 'necessidade de orientação' estas pessoas expõem-se mais aos mídia noticiosos, provocando maiores efeitos de agendamento" (p. 37). Especificamente à televisão, o destaque é "quanto mais o espectador está afastado do mundo dos acontecimentos públicos, mais forte é o poder de agenda-setting dos noticiários televisivos"(Iyengar e Kinder 1987, p.60, apud Traquina, 2001, p.38). Em publicação anterior, Traquina (2000) relacionou outras pesquisas, incluindo estudos sobre a guerra do Golfo e o caso Watergate. Nestes relatos, a força da TV também estava evidente, como veremos adiante. Porém, há enfoques limitadores à perspectiva de agendamento em estudos voltados para a psicologia do público. Analisando o ciclo de atenção das pessoas, outras pesquisas enfocam a saturação da audiência quando o assunto fica muito tempo em exposição. Portanto, os jornalistas sabem disso ao dosar a exposição dos conteúdos nos noticiários.