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Capítulo 1 Raízes político-institucionais do PI (1962-2002)

1.4 Eleições de 1989: coligação Novo Espaço e o impacto no sistema

denominada Novo Espaço (NE), para concorrer nas eleições daquele ano. A iniciativa era capitaneada por PDC e PGP – de certo modo a reeditar a Frente do Povo do início dos anos 1970 –, mais um pequeno grupo (Movimento Integração, de origem batllista) e a União Cívica133, que assim passava a apoiar uma opção de centro-esquerda. Por conta das exigências da legislação eleitoral, o NE se apresentou nas urnas por meio do lema PGP.

Uma pequena parcela do PDC decidiu permanecer na FA, rompeu com o partido e, organizada sob a denominação Artiguismo e Unidade, somou-se à recém- formada Vertente Artiguista. Da mesma forma, uma dissidência do PGP, liderada pelo deputado Lucas Pittaluga (?-2015), reunida como Movimento 20 de Maio, também permaneceu na FA (YAFFÉ, 2005a, p. 157)134. Nieto (2007, p. 81) o

131 Sobre este processo, ver: Garcé (2006).

132 Apesar da adesão à FA, o MLN-T não apresentou candidatos nas eleições de 1989, o que passou a fazer a partir de 1994 (GARCÉ, 2006).

133 Trata-se do mesmo grupo ideológico que não aceitou a criação do PDC e que concorreu sem sucesso nas eleições de 1966 e de 1971, respectivamente, como Movimento Cívico Cristão e União Radical Cristã. Como indicado anteriormente, no processo de redemocratização dos anos 1980, ele retomou a denominação União Cívica e foi a única legenda, ao lado dos partidos tradicionais, autorizada a participar da eleição das autoridades partidárias de 1982. Também atuou nas negociações do Parque Hotel (1983) e do Clube Naval (1984). Concorreu no pleito de 1984, tendo elegido dois deputados, e participou do governo Sanguinetti (1985-1990) por meio da indicação do Ministro da Defesa e do presidente do Banco da República.

134 Pittaluga era um antigo militante da Lista 99 e o nome adotado pelo agrupamento faz referência à data do assassinato de Zelmar Michelini. Por todos esses vínculos, a decisão de não acompanhar o PGP causou impacto à época (GARCÍA, 2013; FALLECIÓ..., 27 enero 2015).

apresenta como representante do pequeno setor sindical do partido, que havia sido contrário à proposta de Batalla ser candidato à presidente pela FA.

Bottinelli (1993, p. 111) destaca que a condição de coligação do NE se evidencia não somente por ser um acordo eleitoral entre forças partidárias independentes, mas também porque, formalmente, cada uma das partes constituintes conservou a sua independência e a sua identidade institucional própria. No interior da aliança, as relações se davam horizontalmente entre os partidos. Os poucos organismos próprios da coligação atuavam como instâncias de coordenação, sem autonomia ou capacidade decisória superior às das instituições que a formavam135. Nesse sentido, o NE contemplava o modelo que PGP e PDC haviam reivindicado para a FA.

Em sua declaração de princípios, a coligação se autointitula:

[...] un partido de izquierda renovada, que asigna idéntico relieve y significado a la lucha por la justicia social que al respeto de los derechos humanos y las libertades individuales. Se declara abierto al diálogo plural acerca del papel de la izquierda en las sociedades modernas, teniendo en cuenta el fracaso de las construcciones socialistas autoritarias y los desafíos de nuestra época (NE, 1989 apud GIORA, 2005, p. 42).

Ser uma “esquerda renovada” implicava ter capacidade de diálogo com os partidos tradicionais e postar-se menos frontalmente como opositora do que a FA. Como sintetiza Serna (2004, p. 143):

esta ênfase se exprimiu na preocupação por um espaço público não limitado ao estritamente estatal, mantendo o tom social-democrata de valorização do Estado no intuito de melhorar a justiça social, mas apresentando uma postura crítica mais moderada com respeito ao papel do mercado na economia.

Apesar dessa pretensão, Mieres considerou que a denominação adotada não dizia nada, soava vazia, sem sentido ideológico ou programático (GARCÍA, 2013, p. 188). Pode-se especular que o pouco tempo disponível – a coligação foi formada poucos meses antes das eleições – tenha impedido os fundadores de escolherem uma denominação com mais conteúdo político e também com mais apelo eleitoral para além de se afirmar como uma nova opção ao eleitorado136. Ainda assim, cabe

135 A ressalvar que a intenção do NE era a de extrapolar a aliança eleitoral e atuar no parlamento como uma bancada, ou seja, definir-se também como uma coalizão parlamentar.

destacar que, em 1994, quando um grupo pretendeu dar continuidade a uma opção eleitoral diferente de FA e dos partidos tradicionais, o nome foi preservado – aliás, continua sendo utilizado para identificar tal grupo, que hoje atua como um setor da FA.

Tabela 4 – Votos válidos nas eleições presidenciais e representação parlamentar por partido e por setor partidário (Uruguai, 1989)

Partido Pres./ Senado (%)1 Câmara (N) Senado (N)2

Colorado 30,3 30 9 Batllismo Unido - 17 5 U. Colorada e Batllista - 13 4 Nacional 38,9 39 13 Herrerismo - 24 6 Renovação e Vitória - 3 (2+1)

Movimento Nac. Rocha - 11 3

Pela Pátria - 1 1 Frente Ampla 21,2 21 7 PCU3 (46,9) 10 3 Partido Socialista (22,4) 5 2 Vertente Artiguista (15,8) 3 1 MPP (10,8) 2 - Outros (4,1) - -

Mov. Pop. Frente-amplista4 - 1

Independente5 - - 1 Novo Espaço 9,0 9 2 PGP - 8 2 PDC - 1 - Outros6 0,6 - - Total 100 99 31

Fonte: CRESPO; MIERES; PÉREZ (1991, p. 311); CRESPO (2002, p. 143); CHASQUETTI (2004b, p. 362); PIÑEIRO; YAFFÉ (2004, p. 302); BOTTINELLI; GIMENEZ; MARIUS (2014)

1 – PC e PN apresentaram três candidatos a Presidente cada um. O resultado está contabilizado pelo lema, sem discriminar as candidaturas. O número entre parênteses na FA indica % de votos para o Senado que o setor obteve no lema.

2 – Inclui o Vice-presidente Gonzalo Aguirre (1940-), do setor Renovação e Vitória (PN), que tem assento no Senado. A informação está discriminada pela soma entre parênteses.

3 – Concorreu como Democracia Avançada. Elegeu quatro senadores, mas um deles era Astori, então independente, tendo concorrido como primeiro nome de todos os sublemas para simbolizar a “união” entre os setores após a cisão de PGP e PDC. Em combinações prévia, ele ocupou vaga correspondente à cota da Democracia Avançada (GARCÉ; DE GIORGI; LANZA, 2012, p. 146), registrada como independente.

4 – Denominação adotada pelo MBPP desde 1984. Compôs a Democracia Avançada. Elegeu seu líder, Rodríguez Camusso. 5 – Indica quem não está formalmente vinculado a nenhum setor do partido137. No caso, refere-se a Astori.

6 – Partido Verde Eto-Ecologista, 0,55%; Movimento Justiceiro, 0,02%; Partido dos Trabalhadores, 0,02%; Partido Convergência, 0,01%.

A ideia do NE era construir uma opção esquerdista mais próxima do centro. Com isto, conseguiria arrastar a maioria do eleitorado frente-amplista e, ao mesmo tempo, obteria adesões externas à FA (SERNA, 2004, p. 186)138. Na prática, isto não se verificou: ele apresentou Batalla como candidato a Presidente, tendo ficado em

137 É tomado aqui no sentido atribuído por Sartori (1982, p. 97): membros “que se identificam com a plataforma partidária, com ‘posições apoiadas pela totalidade do partido eleitoral, e não com facções ou tendências”. No trecho citado figura uma frase que é, originalmente, de Richard Rose.

138 Esta também é uma das estratégias que impulsiona o PI, como a continuidade do texto vai demonstrar.

quarto lugar, com 9% dos votos139. Elegeu dois senadores (Batalla entre eles) e nove deputados, dos quais apenas um do PDC, Hector Lescano (1948-)140, e todos os demais ao PGP, como mostra a Tabela 4.

Como pondera Fernández (2004, p. 29), para a FA, a saída de PDC e PGP parecia ser uma tragédia. Sem o PDC, ela perdeu o lema permanente com a qual havia se apresentado até então, o que punha em risco a possibilidade de acumular votos141. Sem o PGP, perdia o setor mais votado na eleição anterior e a muito popular figura de Batalla. Além disso, deixavam-na dois dos seus fundadores, que eram os setores mais moderados e que, somados, haviam obtido praticamente 50% dos votos que ela alcançara em 1984, como mostrou a Tabela 3.

O primeiro dos possíveis problemas, o da acumulação de votos, foi contornado por meio de uma modificação na legislação eleitoral, aprovada em outubro de 1989, com o apoio dos partidos tradicionais e do PGP. Assim, a FA pode utilizar pela primeira vez e oficialmente nas cédulas a denominação Frente Ampla. A norma passou a considerar lema permanente quem tivesse se registrado entre 1º de março de 1985 e 1º de setembro de 1989 na Corte Eleitoral (MAIZTEGUI CASAS, 2010, p. 139)142.

O segundo, o da perda eleitoral, não se confirmou. Conforme a Tabela 4, a FA praticamente repetiu o percentual alcançado na disputa anterior, o que não era ruim, considerando as circunstâncias da ruptura recente que sofrera – embora, evidentemente, se a cisão não tivesse acontecido, o desempenho teria sido bem melhor. Além disso, alcançou uma vitória inédita, ao eleger o Intendente de Montevidéu, Tabaré Vázquez.

139 Na oportunidade, ganharam a presidência os blancos, por meio do herrerista Luis Alberto Lacalle (1941-).

140 Ele foi reeleito, pois em 1984 conquistara a cadeira de deputado pela FA. Tanto nessa oportunidade quanto em 1989 teve Mieres como suplente. Integrou-se à FA em 1994 e foi eleito senador em 2004, mas não exerceu o cargo, pois se tornou Ministro do Turismo de 2005 a 2012, nos governos de Vázquez e de Mujica.

141 Para poder somar votos de diferentes listas, o que trazia a exigência legal de concorrer com um lema permanente (aquele que participou do pleito anterior e conquistou representação parlamentar), a FA não utilizara, em 1971 e em 1984, a sua denominação e adotara a do PDC. A questão poderia ter outros desdobramentos, pois Mieres e o PDC defendiam que, com a ruptura, a FA havia acabado. Consequentemente, consideravam que o lema e todos os seus símbolos não poderiam mais ser utilizados pelos remanescentes ou, alternativamente, que poderia ocorrer uma disputa entre os dois grupos (os que ficarem e os que se foram) em torno desse espólio.

142 A mudança também beneficiou o PGP, que pode utilizar este lema para acumular votos do NE. Contudo, independentemente dessa mudança e ao contrário da FA, o NE tinha outros lemas permanentes à disposição (PDC e União Cívica, no caso), embora eles não tivessem o mesmo apelo eleitoral do PGP.

A questão ideológica também contrariou as expectativas sombrias. Por meio de reconfigurações internas, o espaço deixado pelos setores mais moderados foi ocupado por novas frações, como a Vertente Artiguista, que conquistou três cadeiras de deputado e uma de senador, o que equivale a 14,3% da bancada.

Apesar disso, a maior parte do espaço que PGP e PDC ocupavam passou para os setores radicais e a FA se tornou eleitoralmente e em termos de bancada mais esquerdista. O PCU, por meio do sublema Democracia Avançada, obteve quatro das cadeiras de senador (44,7% da bancada) e 10 das de deputado (57,1%); o PS alcançou duas no Senado (28,6%) e cinco na Câmara de Representantes (23,8%); o estreante MPP fez duas das cadeiras de deputado (28,6%).

No cômputo geral, pode-se dizer que houve uma expansão ideológica, pois, além da manutenção de sua ala “direita”, por meio da VA, ocorreu o ingresso dos tupamaros, que estavam, naquele momento, mais à “esquerda” do que a média da FA (MIERES, 1992b, p. 74; 1994a, p. 68).

Por todo esse cenário, a eleição de 1989 é reputada como um marco importante para a política uruguaia e para a FA em particular. Conforme Serna (2004, p. 77), ela é vital para entender as mudanças e a dinâmica de longo prazo do sistema partidário pós-transição democrática. O pleito expressou o esgotamento da matriz bipartidária tradicional e a conformação de um formato multipolar. Igualmente, foi o primeiro em que a FA alcançou o poder executivo e também em que uma organização partidária não vinculada a blancos e a colorados atingiu tal espaço institucional. E não foi conquistada uma intendência qualquer: a capital Montevidéu concentra quase 50% do eleitorado e mais da metade do PIB do país, posicionando- se como inquestionável centro político-econômico nacional. A partir de então, a FA teria uma experiência de governo fundamental para “mostrar a que veio”143.

143 Garcé e Yaffé (2014, p. 62-63) afirmam que o acesso ao governo teve efeitos para a FA em termos de pragmatismo, moderação e disciplina. Mas também que ele impactou positivamente o eleitorado não frente-amplista, pois a gestão se desenvolveu com tranquilidade e previsibilidade, tendo gerado confiança na sociedade e desdemonizado a FA. Na opinião de Garcé (2007), desde o primeiro dia à frente de Montevidéu, a FA governou pensando em transformar sua gestão em um trampolim para o governo nacional: além de atentar às atividades cotidianas, ela incorporou novas tarefas, como a política de descentralização, o fortalecimento das políticas sociais e o desenvolvimento de relações internacionais. A experiência do governo Vázquez, a que se seguiram novas administrações da FA na capital – o partido completará, em 2019, 30 anos ininterruptos ou seis períodos à frente da gestão de Montevidéu –, mostrou a capacidade administrativa da esquerda. Logo, que ela podia assumir responsabilidades, sem que isto originasse conflitos graves, assim como lançou Vázquez para a cena política, uma figura até então pouco conhecida do grande público, menos ainda como político. Mais detalhes, ver: Schelotto (2004).

De modo convergente, Crespo (2002, p. 134) destaca 1989 como o pleito que encerrou o processo de restauração da democracia, dado que, pela primeira vez desde 1966, a disputa se deu em plena normalidade, sem medidas de exceção (como em 1971) ou a exclusão de competidores (como em 1984). Igualmente, ela trouxe significativas novidades, caso da já citada conquista de um governo subnacional por um partido distinto dos tradicionais, mais a alternância no governo nacional (passagem dos colorados para os blancos) e o advento de uma quarta força (NE). Logo, chamou esta eleição de o fim de uma época e o início de outra.

Ao refletir sobre o resultado deste pleito, Mieres (1990, 1992a) argumentou que o sistema partidário estava em transição, especialmente porque o eleitorado adotou um comportamento mais flutuante e menos vinculado às tradições políticas. O diagnóstico decorria da queda da votação de PC e de PN, acompanhada do crescimento do outro campo, formado por FA e NE – o qual foi identificado por González (1999) como dos “partidos desafiantes”144.

O mais destacado para os objetivos desta tese é a ideia defendida por Mieres de que tal diagnóstico não correspondia a situações conjunturais, mas a tendências de fundo. Ela se coaduna com a hipótese da criação de um sistema partidário pluralista, em que, seguindo os ensinamentos de Sartori (1982), haveria espaço para um quarto partido relevante. E esta quarta legenda, sendo nova, poderia atrair progressivamente as atenções de um eleitorado cada vez mais volátil e menos dependente de adesões prévias, ou seja, menos fiel aos partidos históricos (aí incluída também a FA). Nesse sentido, Mieres corroborava as potencialidades do NE, cuja votação alcançada em escassos quatro meses de campanha, indicaria que esta possibilidade era efetiva.

De modo convergente, Rodolfo González (1990, p. 21) exaltou o feito do NE, que teria sido o primeiro a contrariar a tradição uruguaia de que o setor que se separa de um lema – ele faz referência a PGP e PDC – recebe magra votação na eleição de estreia.

144 O termo desafiante tem de ser entendido em termos de competição, mas não necessariamente envolve contestação relativa à condução política. Ressalva-se, ainda, que López (2005, p. 45-47) considerou que o NE nunca alcançou a condição de desafiante. Ele analisou os partidos individualmente, e não em bloco, e classifica como tais aquelas “oposiciones emergentes en un contexto de transformaciones del sistema de representación, las cuales no han alcanzado el gobierno, pero compiten por él representando una alternativa (a los partidos del statu quo) ante la ciudadanía” (LÓPEZ, 2005, p. 42).

Em um novo artigo, Mieres (1992b, p. 73) foi mais longe na interpretação. Ao observar a votação de FA e NE, afirmou que, da tímida tipificação do sistema partidário como de dois partidos e meio, passou-se a uma clara estruturação pluripartidária, com a presença de quatro partidos relevantes. Como um reforço à argumentação, ele cita um trabalho de González (1993, p. 232), no qual o autor se utiliza das categorias de Sartori (1982) para afirmar que haveria um pluralismo moderado no país.

O interessante é que o juízo de González estava baseado em um cenário que ele havia identificado não em 1989, e sim na eleição de 1984. E ele se referia à existência, além de PN e de PC, de duas Frentes Amplas, atestada por pesquisas realizadas com seus parlamentares e os eleitores de Montevidéu: uma era fruto da proximidade ideológica entre PGP e PDC, e que ele chamou de “direita” da FA (ou seja, mais próxima do centro-esquerda); e a outra, da proximidade entre IDI e PCU, que compunham a “esquerda”. Ao mesmo tempo, essas duas alas apresentavam um razoável distanciamento entre si e em relação ao “centro” da FA, que era ocupado pelo PS (GONZÁLEZ, 1993, p. 164, 168).

Para Mieres, os achados de González eram uma evidência de que, na prática, o quarto partido existia desde 1984 e que ele havia sido “percebido” como tal pelo eleitorado desde esta época. Em 1989, ele simplesmente teria aparecido aos votantes como uma opção partidária efetivamente autônoma. Não por acaso, esta quarta força, o NE, era formado pelos mesmos setores que, anteriormente, compunham a ala direita da FA.

Contudo, González (1993, p. 117, 128) observou que a distância ideológica entre as duas alas da FA era pequena (1,2 pontos na escala 1-10) e também menor do que a existente no interior do PC (1,6) e do PN (2,5). Logo, para ele, a FA parecia ser ideologicamente mais coesa do que os partidos tradicionais, apesar de cindida em dois blocos. A “novidade” da assertiva estava em constatar a existência de duas Frentes Amplas e, de certo modo, antecipar a cisão ocorrida em 1989.

Há outro elemento a considerar nesta questão. Rodolfo González (1990, p. 71) e Fasano Mertens (1990), ao debruçarem-se sobre os resultados desse pleito, destacam que a tendência geral foi de os votos da esquerda permanecerem com a FA. Aqueles que o NE conquistou provinham majoritariamente de quem havia votado no PC em 1984. Na visão de Fasano Mertens (1990), este fato foi decisivo

tanto para a vitória dos blancos na eleição nacional quanto para a da FA na intendência de Montevidéu145.

Crespo (2002, p. 132-133) e Rodolfo González (1990, p. 71, 109) seguem esta interpretação e ponderam que houve esta tendência porque a campanha do NE, ao privilegiar o Estado como ator vital de futuras mudanças socioeconômicas, adotou referências batllistas, que tinham capacidade de sensibilizar o eleitor colorado. Na mesma medida, destacam que, apesar de supostamente o PGP disputar o voto com a FA, foi o PC quem se constituiu o objetivo primordial da ofensiva do NE, em virtude da ascendência batllista que o acompanhava, verificável especialmente na figura de Batalla, o candidato presidencial.

A interpretação de Bottinelli aprofunda esta característica, mas o faz pela perspectiva do PC, pois afirma que votar em Batalla

era vista por los votantes colorados batllistas como alguien de su familia. No era como votar al extraño […] Era muy atractivo para ese tipo de gente socialdemócrata que no podía votar a Jorge Batlle [...] la única alternativa de votar a Jorge Batlle era Pacheco. Ah! No se puede votar a Pacheco que fue un autoritario y Jorge Batlle está diciendo que hay que terminar con el Estado, que quiere el libre mercado (BOTTINELLI, 2015 apud STUNT, 2016, p. 52)146.

A interpretação de Rodolfo González (1990, p. 109) é idêntica:

en momentos en que los candidatos del batllismos en el Partido Colorado, no ofrecían una gran credibilidad, confianza y además prácticamente habían casi desaparecido las opiciones autotituladas socialdemócratas, se abría la posibilidad de votar por candidatos de origen colorado y batllista, fuera del lema sin tener la necesidad de votar al tradicional adversario.

Na apreciação de Mieres (1994a, p. 83), embora o resultado eleitoral do NE não possa ser considerado ruim, em razão do curto período de formação, todos os setores que o compunha tiveram redução da votação em comparação a que haviam

145 A decisão do voto implica um processo mais complexo, como o próprio autor reconhece. Mas, de fato, a FA manteve a mesma votação relativa alcançada em 1984 (21,3% e 21,2%), o PN cresceu timidamente (de 35% para 38,9%) e o NE alcançou 9%. Logo, o PC, foi o único a perder votos: caiu de 41,2% a 30,3%. Ver: Tabelas 2 e 4.

146 Havia um terceiro candidato pelo PC, não citado por Bottinelli neste excerto: Hugo Fernández Faingold (1947-), alheio aos principais setores, que obteve 2,4% dos votos do partido (BOTTINELLI; GIMENEZ; MARIUS, 2014). Batlle se tornou o candidato oficial do Batllismo Unido (Lista 15) ao vencer, em uma prévia intrassetorial, o então Vice-presidente Tarigo, que era o nome preferencial do Presidente Sanguinetti. Embora ambos pudessem ser candidatos, a prévia fez parte de um acordo entre os seus setores para lançar uma candidatura única. A intenção era evitar a divisão de forças, o que poderia beneficiar Pacheco, claramente identificado com a direita e pouco comprometido com a democracia (LAGROTTA; LEONÍS, 2015).

alcançado em 1984. PGP recuou de 8,3% para 7% do total de votos ao Senado; PDC, de 2,3% a 1,6%; e União Cívica, de 2,4% a 0,3%. No cálculo de Rodolfo González (1990, p. 47, 52), a votação do NE em 1989 correspondeu a 89,1% da alcançada por PGP e PDC em 1984, sendo que houve claro predomínio do PGP no interior da coligação: ele respondeu por 78,1% dos votos, contra 18,1% do PDC e 3,7% da União Cívica, mais 0,1% corresponde a votos diretos no lema.

Na ótica de Mieres (1992b, p. 74):

la situación so pode ser explicada pela dimensión simbólico-institucional: [...] los partidos no son solo estructuras organizativas orientadas a la captación de votantes en clave socioeconómica o de autoidentificación ideológica; son también depositarios de identidades colectivas que incluyen ordenamientos axiológicos y referencias afectivas que determinan y conservan adhesiones. [...] Cuando el ala moderada del Frente Amplio de 1984 se constituyó en una alternativa político-electoral, no lo hizo como una continuidad parcial, reivindicando la herencia de la tradición frentista, sino como una opción nueva, que abandonaba una identidad vigente. Así, resulta lógico que, a