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Capítulo 1 Raízes político-institucionais do PI (1962-2002)

1.5.3 Partido Novo Espaço

Ainda no contexto da eleição de 1994, é preciso destacar: se PGP e PDC promoveram novas alianças fora do âmbito do NE, e a União Cívica voltou a concorrer de modo independente – decisões que puseram fim à coligação formada em 1989 –, um setor do PGP não concordou com a associação ao PC e decidiu manter o NE, já não mais como uma coligação, e sim como um novo partido.

Desse modo, houve a refundação do Novo Espaço, tendo como principal liderança Rafael Michelini (1958-)154, que então tinha 35 anos e era classificado como uma emergente figura política (MIERES, 1996, p. 45)155. Ele foi o candidato

154 Filho de Zelmar Michelini, ele iniciou a carreira eleitoral em 1984, quando se elegeu para a Junta Departamental de Montevidéu pela FA (setor PGP). Em 1989, tornou-se deputado pelo NE.

155 Esquibel (1999, p. 108-109) afirma que, ao surgir para o grande público, ele trouxe algumas características que o configuravam como uma marca e o diferenciavam da classe política existente: a juventude e a herança do pai (o sobrenome, que criava um vínculo evidente e evocava força, energia

único à presidência pela legenda, seguindo a tradição cultuada pela FA e que já havia sido acompanhada pela coligação NE.

A intenção de preservar referências às suas origens como Lista 99 – o que estaria sendo negado pela opção de se aliar com o PC, adotada por Batalla e pelo PGP – está presente não só no fato de o novo partido ser liderado pelo filho de Zelmar Michelini, mas também na escolha do número 99.000 para identificar a lista de candidatos ao legislativo156.

Assim como ocorrera com seu homônimo há quatro anos, ele foi criado às pressas, quase às vésperas das eleições, tendo se efetivado por meio de uma Plenária Nacional, realizada em junho de 1994, e de um Congresso fundacional, ocorrido em agosto daquele ano. Para tornar mais grave o seu caso, ele enfrentou a tarefa de ser testado nas urnas em meio a uma disputa acirrada e equilibrada entre FA, PN e PC, na qual restavam poucas oportunidades para os demais competidores.

Talvez por isto, ao invés de procurar um nome novo, a preferência tenha sido por repetir a denominação já testada nas urnas, com a intenção de minizar os riscos e se beneficiar de um lema que havia sido apresentado recentemente ao eleitor, bem como cujo significado correspondia à ideia de se manter como uma opção política. Pode-se considerar que nessa segunda disputa, a denominação Novo Espaço já não fosse tão nova, mas inegavelmente o lema procurava se afirmar como uma alternativa eleitoral às opções já conhecidas.

e independência; a semelhança física; a presença constante da foto de Zelmar e de referências no discurso; e a carreira política desenvolvida em espaços fronteiriços). Ele ainda destaca os slogans de campanha, “a força das ideias” e “agora Michelini”, que também reforçavam a figura de Zelmar e a noção de ser um “político diferente”.

Tabela 5 – Votos válidos nas eleições presidenciais e representação parlamentar por partido e por setor partidário (Uruguai, 1994)

Partido Pres./Senado (%)1 Câmara (N) Senado (N)2

Colorado 32,3 32 11 Foro Batllista - 25 8 Cruzada 94 - 4 1 PGP - - (0+1) Battlismo Radical - 2 1 U. Colorada e Batllista - 1 - Nacional 31,2 31 10 Herrerismo - 14 4 Mãos à Obra - 15 4

Movimento Nac. Rocha - 2 1

EP-FA 30,6 31 9 Assembleia Uruguai (39,5) 18 4 PCU3 (9,5) 2 1 Partido Socialista (18,1) 6 2 Vertente Artiguista (9,5) 2 1 MPP (7,2) 2 1 Corrente 78 (5,2) 1 0 PDC (2,9) - - Confluência Frente-amplista (5,2) - - Outros (2,9) - - Novo Espaço 5,2 5 1 Outros4 0,7 - - Total 100 99 31

Fonte: CRESPO; MIERES (1996, p. 329); CRESPO (2002, p. 171); CHASQUETTI (2004b, p. 362); PIÑEIRO; YAFFÉ (2004, p. 302); ALTMAN; CASTIGLIONI (2006, p. 152); BOTTINELLI; GIMENEZ; MARIUS (2014)

1 - PC apresentou quatro candidatos a Presidente e o PN, três. O resultado está contabilizado pelo lema, sem discriminar as candidaturas. O número entre parênteses na FA indica % de votos para o Senado que o setor obteve no lema EP-FA.

2 – Inclui o Vice-presidente Hugo Batalla, do setor PGP (PC), que tem assento no Senado. A informação está discriminada pela soma.

3 – Concorreu por meio da Democracia Avançada, repetindo o que fizera em 1984 e em 1989.

4 – Partido Verde Eto-Ecologista, 0,27%; Partido do Sol Federal e Pacifista, 0,11%; União Cívica, 0,1%; Partido Azul, 0,08%; Partido Seguridade Social, 0,04%; Partido dos Trabalhadores, 0,02%; Aliança Oriental, 0,02%; Movimento Justiceiro, 0,01%; Partido Democrata Laboral, 0,01%; Partido Republicano, 0,01%; Movimento Progressista, 0,01%.

As circunstâncias da criação, a ausência do PGP e de Batalla, que eram os principais referenciais do NE, mais o cenário de paridade entre os favoritos, repercutiram no resultado obtido pelo novo partido nas eleições de 1994. A candidatura presidencial atingiu 5,2% e o partido conquistou uma cadeira de senador (ocupada por Michelini) e cinco de deputado. Em 1989, quando ainda era uma coligação e contava com um número maior de partidos-membros, havia obtido 9% dos votos presidenciais, dois senadores e nove deputados.

Ainda assim, diante do quase empate entre FA, PN e PC, registrado nessa oportunidade, o NE foi apontado como chave para a governabilidade futura e, portanto, potencialmente dotado de uma importância mais ampla do que aquela indicada pelo seu tamanho parlamentar. Bafejado pela oportunidade política, beneficiado por estar posicionado entre as principais forças partidárias, ele teria a possibilidade de formular acordos com qualquer uma delas, atuar como reforço à

oposição ou ao governo, conforme a agenda em pauta e os seus interesses político- programáticos (BARAHONA, 2001, p. 155, 164).

Por conta da circunstância de sua criação, o NE só se organizou efetivamente após o pleito de 1994. Um Congresso Nacional foi realizado em novembro de 1995 para estabelecer o estatuto definitivo – o evento anterior, diante da premência do processo eleitoral, havia aprovado um provisório –, e o I Congresso Federal ocorreu em novembro de 1997 (BARAHONA, 2001, p. 157-159). Com tais definições, ele se apresentou como

partido político cuyo proyecto surge de diversas corrientes de opinión provenientes del socialismo democrático, el socialcristianismo, de colectividades tradicionales de nuestro país y de ciudadanos independientes, mancomunados en la afirmación de los valores, acciones y objetivos del partido (NE apud BARAHONA, 2001, p. 158).

Conforme a análise produzida por Barahona (2001, p. 159-160), o partido orientava sua energia em busca da construção de uma sociedade democrática, baseada na liberdade, na igualdade, na justiça, na verdade, no solidarismo e na paz. Apresentou forte campanha pela transparência e o combate à corrupção na administração pública, além do apoio a iniciativas que conduzissem à verdade, à memória e à reconciliação por meio do esclarecimento da situação dos cidadãos desaparecidos durante a ditadura civil-militar.

Uma das iniciativas mais destacadas neste campo foi a organização da Marcha do Silêncio, ao lado do movimento de Mães e Familiares de Uruguaios Presos e Desaparecidos, e de outras instituições. A Marcha foi realizada pela primeira vez em 20 de maio de 1996, quando se completavam 20 anos do assassinato de Zelmar Michelini e de outros três cidadãos uruguaios (Hector Gutierrez Ruiz, William Whitelaw e Rosario Barredo157).

Segundo informam Demasi e Yaffé (2005, p. 82), a iniciativa foi do NE, por meio das lideranças Rafael e Felipe Michelini (1962-)158. A Marcha tem como objetivo recordar os mortos e os desaparecidos da ditadura civil-militar, assim como reivindicar que os crimes não fiquem impunes, seja por meio da revogação da “ley

157 Ruiz (1934-1976), de apelido Toba, era blanco e presidia a Câmara de Representantes por ocasião do golpe de 1973. Whitelaw (1948-1976) e Barredo (1943-1976) eram militantes tupamaros. 158 Irmão de Rafael. Nessa ocasião era deputado pelo NE, tendo sido eleito em 1994. Foi reeleito em 1999, 2004 (já associado à FA) e 2009. É doutor em Direito e docente na Udelar.

de caducidad”, seja pelo cumprimento de seu art. 4º, que contempla a possibilidade de punições. Tal artigo diz:

Sin perjuicio de lo dispuesto en los artículos precedentes el Juez de la causa remitirá al Poder Ejecutivo testimonios de las denuncias presentadas hasta la fecha de promulgación de la presente ley [22 dic. 1986] referentes a actuaciones relativas a personas presuntamente detenidas en operaciones militares o policiales y desaparecidas así como de menores presuntamente secuestrados en similares condiciones.

El Poder Ejecutivo dispondrá de inmediato las investigaciones destinadas al esclarecimiento de estos hechos.

El Poder Ejecutivo dentro del plazo de ciento veinte días a contar de la comunicación judicial de la denuncia dará cuenta a los denunciantes del resultado de estas investigaciones y pondrá en su conocimiento la información recabada (URUGUAY. Ley no 15.848, art. 4º).

A Marcha percorre a principal via do centro de Montevidéu, a 18 de Julho, e se tornou um evento de grande adesão popular, que ocorre anualmente na data em que, em 1976, os quatro exilados foram assassinados em Buenos Aires, em uma ação da Operação Condor. Aos poucos, também passou a ser realizada em outras localidades do país.

Os vínculos entre o NE e o evento são evidentes, por meio de seu presidente, Rafael, que tem neste um dos principais temas de sua atuação política. Em 2017, foi promovida a 22ª edição, cuja dimensão é possível perceber por meio da imprensa:

A las 19 horas comenzó la 22° Marcha del Silencio, saliendo desde la esquina de avenida Rivera y Jackson, bajo la consigna ‘Impunidad: Responsabilidad del Estado ayer y hoy’. En 18 de Julio se colocaron parlantes donde primero sonó música de José Carbajal ‘El Sabalero’ y luego comenzaron a escucharse los nombres de los desaparecidos. […] Cuando la marcha llegó a la sede del gobierno departamental, comenzaron a sonar por los parlantes los nombres de las personas desaparecidas durante la última dictadura. Ante cada nuevo nombre, la multitud respondía ‘presente’. Esto se repitió hasta llegar a la Plaza Cagancha, donde todavía quedaban nombres por recordar. […] Puntualmente en los balcones del casino de Maroñas Entertainment de 18 y Yaguarón y en el hostel Acá me quedo de 18 y Javier Barrios Amorín se pudo ver a varias personas observando a los manifestantes. Finalizaron los nombres de los desaparecidos y se procedió a entonar el himno nacional. Al igual que en los tiempos del gobierno militar, el ‘Tiranos temblad’ sonó con más fuerza y en muchos casos fue acompañado por puños en alto. Los últimos compases fueron tapados por un aplauso que se alargó por cerca de dos minutos y que hacia la mitad cambio su tono de felicitación por el de reclamo (SCELZA, 20 mayo 2017).