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158 3.2 Elementos para uma arquitectura da água

95 HALL, Edw ard T op.cit p

158 3.2 Elementos para uma arquitectura da água

O olhar sobre o element o água será na sua função art iculadora de espaços em t odas as escalas. Est a relação é pat ent e em quaisquers das sit uações imagináveis, quer ausent e, quer present e.

Como afirma STRANG:

“ Em todo o planeta azul (…) as pessoas estão envolvidas em conflitos sobre a água. Há debat es acerca de quem a deve possuir, gerir, t er acesso a, lucrar com, cont rolar ou regular” .100

Na envolvent e da água surgem todo o t ipo de element os ou sist emas, bens com caract eríst icas t ipológicas e morfológicas diversas, com funções dist int as. A Água actua como elo de ligação ent re eles; apesar dest a diversidade, coincidem num objectivo comum: o aproveit ament o dos recursos hídricos. A diversidade de const ruções exist ent es e a complexidade de mat izes que as definem, conformam uma paisagem cult ural que evidencia um perfeit o equilíbrio ent re o meio natural e a acção do Homem sobre ele.

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STRANG V., The M eaning of Water, 2004Ed. Berg Oxford,

Um dos aspect os mais import antes de qualquer sociedade ao longo da sua própria hist ória é o modo de recolher, armazenar e dist ribuir a água. Este element o é peça chave não só para o Homem, mas t ambém para t udo aquilo que o rodeia. Apesar dest a necessidade ser comum a t odos os grupos sociais, o element o diferenciador poderá ser o modo e os mecanismos ut ilizados para conseguir os object ivos ant eriores.

Este processo gerou inúmeros exemplos que evidenciam não só a import ância da água como recurso, mas t ambém a perfeit a adapt ação ao meio nat ural dos seus habit ant es at ravés da const rução de diversas e variadas est rut uras arquitect ónicas que permit iram a disrt ribuição dest e element o

O nosso espaço laborat orial aparece modelado por todas e cada uma dest as est ruturas, out orgando sinais de identidade que identificam perfeit ament e um espaço habit ado

Também aparecem out ros valores simbólicos associados á presença da água. Referenciam moment os rit uais, est ratégias e diferent es sistemas de rega, act ividades desaparecidas t ais como a figura do «aguador» ou «pipero», e out ras ainda vigent es como a utilização da água para a limpeza das t ripas do porco nos meses em que decorrem as mat ançasas domést icas.

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Estas figuras pert encem a espaços onde a presença da água é ocasional, onde se considera um bem escasso. Referimo-nos á t erras do sul da Península Ibérica, Serras de Aracena e Pedroches.

A sit uação na região galaico- minhot a é bem diferent e. A água, dada a sua omnipresença, gera linhas, planos, arquit ect uras sobre o suporte t errit orial. Nos estudos de caso anteriormente analisados, é consubst ancial á existência dos socalcos. Não se pode pensar na exist ência de socalcos se não existir uma rede de escoagem e filt ragem das águas pluviais. (Ilust ração 98 De igual modo, a exist ência dest as linhas é consubst ancial á existência do lugar. Tal poderá observar-se no lugar de Souto (Ilust ração 99), onde caminho e linha de água correm em paralelo .

Os diversos modos de relacionament o ent re Homem e Água oferecem uma variedade de manifest ações formais, gerando exemplos de int eresse no âmbit o da arquitect ura vernacular, fundament almente chafarizes, font anários e lavadouros.

Ilustração 98: Rede hídrica nos socalcos de Bárrio-P. de Lima

160 3.2.1. Fontes

A presença cont inua nest e t errit ório do element o água reduz o significado especial que possa t er nout ras regõees mais secas. Assim, uma font e poderá ser uma simples t orneira que t ermina num fio de água, isent a de qualquer manifest ação formal. M as est a presença será definit ivament e um fact o permanente em t oda a paisagem. A fonte poderá ter expresão no plano, normalment e no plano da parede ou muro onde é encost ada.

Ilustrações 100 e 101: Chafariz da rua do Arrabalde de São de Fora em Ponte de Lima (esquerda) e, ponto de abastecimento de água no lugar de Anta, freguesia de Correlhã (direita)

161 3.2.2. Chafarizes

A palavra chafariz deriva do t ermo árabe s'ahríj e aplica-se, t radicionalment e, aos equipament os que disponibilizam a água pot ável no espaço público. Funcionalmente, o que o define são a exist ência de mais de uma bica de água e a possibilidade do ut ilizador aceder direct amente à água que dela sai, especialmente para que com ela possa encher um recipiente com alguma capacidade. Est a será a composição mais simples, mas nout ros casos tem t ambém um ou mais t anques, que servem de bebedouro para os animais ou, por vezes, para lavagens. A arquit ect ura derivada dest as funções oferece ainda hoje em dia uma rica t ipologia de espaços que geram na sua envolvente. E nest as funções, gerament e mais ligadas aos espaços públicos urbanos, não deixam de est ar patentes dum modo ou dout ro nos espaços públicos rururabanos ou rurais. Por nat ureza, um chafariz localiza-se no espaço colect ivo da cidade para que t odos, sem excepção, possam t er acesso a esse bem único que é a água. Temos, de fact o as característ icas que lhe conferem at ribuições de bem público, embora est e conceito possa ser inst it uido muit o post eriorment e. O espaço que lhe permite o acesso, cuja configuração é a necessária para que a

água possa circular e chegar a t odos os habit ant es e t odos os pont os da cidade, é igualmente público por inerência.

Aos chafarizes e font es de diversas cidades ajudaram à configuração da sua imagem urbana. O serviço essencial que desempenhava deriva numa at ribuição de grande cent ralidade na cidade, o que origina um processo duplo. Dum lado, a aparição do chafariz provoca a cent ralidade, e dout ro, a localização dest es elementos procura-se sempre em locais que previamente det ent avam alguma cent ralidade urbana ou comunit ária.

A monument alização depende dos produt os da relação ent re as at ribuições conferidas pela cidade e os desempenhos de um equipament o e da relação ent re as suas propriedades e as funções práticas a desempenhar. Ou seja, um chafariz perdurou at é aos nossos dias e t ornou-se monument o porque a sua função prát ica, a sua presença no espaço público e a dinâmica e evolução da cidade, em t odos os seus níveis, assim o permitiram. M as é pela cont emplação das propriedades necessárias logo nas fases mais premat uras de concepção que se pot encia est a at ribuição. Com efeit o, são os objectos aos quais se at ribuiu, desde logo, a função de monument os, que t êm mais hipót eses de efect ivament e serem aceit es como t al

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do que aqueles para os quais não houve est e desígnio na sua génese. Efect ivamente, como o abasteciment o de água, muit os out ros artefact os, equipamentos, act ividades e funções deixaram de est ar presentes na rua, deixando de cont ribuir para a sua vit alidade, identidade e ornamento. Poderemos est ar act ualment e, segundo est a óptica, de facto com um problema de esvaziament o do espaço público.

Porém, a cidade cont inua a ser um sist ema que a todos concerne, que de t odos depende e de que todos dependem. E est e sist ema, hoje mais que nunca, é alt amente complexo. Vários são os níveis que o compõem, várias são as t écnicas, os meios e as t ecnologias que cont inuam present es, mesmo fisicament e, na cidade. Fica assim, ent ão, o desafio de explorar e expor as act uais funções e ut ilidades da cidade, tornando-as element os cont ributivos para o espaço público. Deste modo, ao at ribuir visibilidade àquilo que faz uma cidade funcionar, est aremos a valorizar o seu espaço público, afast ando a hipót ese de est e se est ar a t ornar inút il ou moribundo, mant endo o seu papel fundament al na cidade.

Interessa neste caso o tipo de espaços capazes de gerar a presença do chafariz e nest e sent ido, a import ância deste element o é relativa, ainda que ocasionalmente geram sit uações

de algum int eresse enquant o espaços públicos. Nos est udos de caso analisados este int eresse é pontual e est á mais próxima a ideia de uma bica como ponto de referência, na linha definida pelos nichos apoiados nos muros de pedra, do que a presença de caract er t ridimensional, ao que oarece element os reservados para a qualificação de espaços urbanos.

A cultura da água perde alguma import ância no t errit ório minhot o, salvo nos aglomerados urbanos. A presença da água como bem prezado mas abundante cont ribui para est e est ado O chafariz acabará por ser um element o existente de modo pontual e nos núcleos ou aglomerados de maior população. Tal será o caso do chafariz da Vila de Ponte de Lima, erigido em 1603 e deslocado at é a sua implant ação act ual em 1929. Nste caso existe clarament e uma função simbólica que complet ará a simples solução funcional que de fact o já resolve a propia font e. Excluindo o chafariz já referido não se conhecem mais element os que privilegiem a forma t ridimensional como element o que dist ingue font es de chafarices

163 3.2.3. Lavadouros

O rit ual que rodeia a lavagem e t rat amento das roupas define espaços mais ricos, de caráct er urbano no espaço laborat orial que o próprio abast eciment o da água pot ável. Eis uma diferência substancial com out ras regiões de Portugal, onde o chafariz engloba inclusive todos os diversos rit uais, privilegando o forneciment o de água pot ável sobre as diversas funções, nomeadamente os bebedouros de animais e t anques de água ppara lavar., Tais det alhes podem ser observados nos chafarizes de Borba ou da Font e da Pedra no concelho de Alandroal, por exemplo. Nout ros casos, est a prevalência vêm coadjudada pelo fact o de ocupar a bica de água pot ável uma posição mais alt a para favorecer a organização de percursos que acabam com o curso de água incorporado ao leit o dum riacho. Tal aspect o poderá const at ar-se no caso do conjunto de arquitectura da água de Linares da Sierra (Serra de Aracena). No âmbit o dos modos de articular o t errit ório, a acção da lavagem supõe um pont o de referência necessário na abordagem dest as acções como actos de caract er privado, ou público, dando lugar a um leque de espaços específicos para est as acções. Foram detect ados casos que podem ilust rar est as acções, ganhando o nat ural interesse quanto mais grupal seja

est a acção, isto é, quant o maior seja a incidência como grupo, maior será a import ância e temporalidade deste t ipo de arquitecturas.

Podemos dist inguir espaços efémeros, que duram exact amente o t empo da lavagem e secagem das roupas à beira duma linha da água, seja num espaço privado, seja num espaço aberto, á beira dum ribeiro, como observamos no lugar de Pedrosa.

Ilustração 102: Proximidades da ponte da ermida da Nossa Senhora das Neves-Pedrosa-Correlhã

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