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A partir da análise do art. 186398 do Código Civil de 2002, em interpretação sistemática, afigura-se como melhor entendimento aquele que visualiza, como pressupostos gerais da responsabilidade civil, a conduta humana, o nexo de causalidade e o dano, sendo a culpa apenas elemento acidental. Para atender aos fins deste trabalho, serão os referidos requisitos apresentados sucintamente a seguir, à exceção do dano, o qual, por sua peculiar relevância ao objeto deste estudo, merecerá detida abordagem em tópico específico.

O primeiro dos elementos da Responsabilidade Civil é a conduta humana, a qual, segundo a previsão do citado art. 186 do Código Civil, poderá ser positiva (ação) ou negativa (negativa). Importa que a conduta seja voluntária, isto é, que haja “consciência daquilo que se está fazendo”399, não sendo imprescindível a intenção de provocar o dano.

O nexo de causalidade consiste no “vínculo que se estabelece entre dois eventos, de modo que um represente a conseqüência do outro”400. É, pois, o liame entre conduta e evento danoso.

A culpa, por fim, na lição de PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA FILHO,

deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito401.

398 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

399

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. v. III: Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70.

400 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 55. Nas palavras de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, para que “se concretize a responsabilidade é indispensável se estabeleça uma interligação entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido, de tal modo que se possa afirmar ter havido o dano ‘porque’ o agente procedeu contra direito” (Responsabilidade Civil. Atualizador Gustavo Tepedino. 10. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012, p. 106).

401

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. v. III: Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173-174. AGUIAR DIAS, a seu turno, leciona que “(...) a culpa genérica, que se desdobra em dolo e culpa propriamente dita; aquele não e o vício da vontade, mas o elemento interno, que reveste o ato da intenção de causar o resultado, ao

Diante da inovação introduzida pelo Novo Código Civil402, consistente na ampla consagração da responsabilidade objetiva, é inegável que o sistema brasileiro tornou-se dual, não sendo mais adequado falar-se da culpa como elemento geral da responsabilidade civil.

Neste sentido, afirmam PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA FILHO que

ao lado da responsabilidade decorrente do ilícito (art. 186), em cuja noção encontra-se inserida a ideia de culpa, poderá o magistrado também reconhecer a responsabilidade civil do infrator, sem indagação do elemento anímico (responsabilidade objetiva) (...) (grifos no original)403

Tal instituto incidirá, conforme a novel previsão do diploma civil, em três hipóteses: abuso de direito404, expressa disposição legal ou exercício de atividade de risco. Quanto à noção de atividade de risco, conceito vago adotado pelo Código Civil, importa esclarecer que tem a doutrina envidado esforços no sentido de delimitar seu alcance405. Diversa não é a intenção da aprovação dos enunciados de n.º 38406 e n.º 448407 nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Conselho da Justiça Federal.

passo que na culpa, em sentido restrito, a vontade é dirigida ao fato causador da lesão, mas o ato não é querido pelo agente. A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude” (DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 120).

402

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

403

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. v. III: Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 175. ANDERSON SCHREIBER esclarece que a consagração da culpa esteve relacionada ao ideal de liberdade propugnado pela modernidade: “A culpa é, inegavelmente, a categoria nuclear da responsabilidade civil concebida pelos juristas da modernidade. A ideologia liberal e individualista, então dominante, impunha a construção de um sistema de responsabilidade que se fundasse no mau uso da liberdade individual, justificando, desta forma, a concessão de um amplo espaço à atuação dos particulares. Responsabilidade e liberdade passam, assim, a ser noções intimamente vinculadas, uma servindo de fundamento à outra”. (Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 12).

404 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

405 Movida por essa finalidade é a proposta de PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA FILHO: “Em nosso entendimento, o exercício dessa atividade de risco pressupõe ainda a busca de um determinado proveito, em geral de natureza econômica, que surge como decorrência da própria atividade potencialmente danosa (risco-proveito)” (Op. cit., p. 189).

406

Enunciado n.º 38 - A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927, do novo Código Civil, configura-se quando a atividade

Segundo a compreensão materializada nos referidos enunciados, a configuração de uma conduta como atividade de risco depende do oferecimento, por ela, de uma potencialidade de dano superior àquela normalmente admitida nas relações sociais. O último pressuposto ou elemento da responsabilidade civil, o dano, será cuidadosamente examinado adiante.

6.4 O ELEMENTO DANO E A CONFIGURAÇÃO DOS DENOMINADOS DANOS