• Nenhum resultado encontrado

A INSUFICIÊNCIA DA REPARAÇÃO EM CASOS CONCRETOS EM FACE DA REALIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Nas lides propostas perante a Justiça do Trabalho, tem se tornado um dado constante a freqüência com que determinadas empresas figuram no pólo passivo da relação jurídico-processual em decorrência da prática reiterada de violação a determinados direitos laborais498. A reparação nos casos individuais significa, para o trabalhador, a tardia, porém adequada, percepção das verbas que lhe eram devidas ou realização de obrigações outras que perante ele deveriam ser cumpridas, a exemplo da anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social. Para essas empresas reclamadas, entretanto, o comparecimento ao Poder Judiciário não representará nada mais do que a postergação do pagamento daquilo que efetivamente era devido. A demora, própria do sistema processual, para obtenção do trânsito em julgado de uma decisão definitiva de mérito, bem como os artifícios engendrados na fase de execução tornaram-se perspectivas auspiciosas para tais empresas. Em muitos casos, ainda, os empregados que foram privados das prestações a que tinham direito simplesmente não ajuízam reclamação trabalhista,

498

JORGE LUIZ SOUTO MAIOR elabora contundente estudo acerca de diversas estratégias utilizadas por empresas para deixar de cumprir os direitos laborais, bem como das conseqüências econômicas e sociais de tais práticas, nos opúsculos O dano social e sua repercussão. RDT, nº. 12, nov./2007 e Por um pacto social. RDT, nº. 1, jan./2008.

seja por desestímulo social de ingressar numa demanda judicial, seja pelo temor de ser-lhe obstada a contratação em novo emprego, em razão das odiosas “listas negras” ainda existentes na atualidade.

O provimento jurisdicional individual nas hipóteses de prática de dumping social revela-se, assim, idôneo a por termo ao conflito particular e inócuo em face do flagrante dano social perpetrado. Conforme exposto, o dumping social de que se beneficiam determinados agentes econômicos gera profundos prejuízos sociais, atingindo trabalhadores, o mercado consumidor, as demais empresas concorrentes e, em última escala, a própria viabilidade do modelo capitalista.

Essa prática, em verdade, viola a estrutura capitalista consagrada na Carta Magna. O constituinte não elegeu a obtenção de lucros de maneira desmedida e distante de qualquer noção de responsabilidade social como objetivo nacional, mesmo porque um tal modelo estaria inarredavelmente fadado ao fracasso econômico, por insustentável. Ao revés, Constituição compromissória que é a Carta de 1988, elevou em seu bojo anseios, valores e objetivos sociais diversos. A livre iniciativa figura, sem dúvida, como fundamento da Ordem Econômica pátria, a teor do art. 170, sendo o valor social da livre iniciativa alçado à condição de fundamento da República. O poder econômico não é repudiado pela Constituição, mas reconhecido. Seu exercício, entretanto, não pode ser desvinculado dos demais princípios tutelados no texto constitucional. A Ordem econômica funda-se igualmente na valorização do trabalho humano, até porque, reconhece o constituinte, nenhum projeto sério de nação é viável sem a proteção do labor do ser humano e seu reconhecimento como meio, também, de satisfação e realização pessoal. Ademais, toda atividade econômica nacional deve ser dirigida à realização da dignidade humana ─ fundamento da República (art. 1º, III) ─ e da justiça social ─ objetivo da República (art. 3º, I).

A prática de dumping social configura-se, assim, como verdadeiro atentado à Ordem Econômica constitucional e ao modelo de capitalismo escolhido pelo constituinte. Diante deste quadro, JORGE LUIZ SOUTO MAIOR sustenta a possibilidade de condenação, ex officio, do autor de dumping social ao pagamento de indenização decorrente dos danos sociais perpetrados499. Lastreado na doutrina de MAURO

499

CAPPELLETI, SOUTO MAIOR indica que “apenas o ressarcimento dos danos individuais, ainda que coletivamente defendidos, não atinge a esfera da necessária reparação do ilícito cometido na perspectiva social”500.

Tratando-se de lide trabalhista em que se verifique a ocorrência de dumping social, deverá o magistrado voltar-se, também, à reparação do dano social ocorrido, considerando que os interesses relacionados àquele caso concreto ultrapassam a esfera de proteção individual501.

Registre-se que, refletindo o posicionamento de SOUTO MAIOR, firmou-se, na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, o Enunciado nº. 4, com o seguinte teor:

4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.

Ressalte-se, ainda, que a tese começa a encontrar acolhida na jurisprudência dos Tribunais trabalhistas pátrios, consoante se observa nos seguintes julgados:

INDENIZAÇÃO POR “DUMPING SOCIAL”. Tendo a reclamada agido de forma reiterada e sistemática na precarização e violação de direitos, principalmente os trabalhistas, o entendimento referente à indenização por dano social é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleceu na presente demanda. Dessa forma, afigura-se razoável, diante da situação verificada nos autos, que a reclamada seja condenada ao pagamento de indenização a título de dumping social502. DANO À SOCIEDADE. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. De acordo com o Enunciado n.º 4 aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, as agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista, com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais nos exatos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização

500

Ibid., p. 19. 501

Ibid., p. 20.

502 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. Terceira Turma. RO-0131000- 63.2009.5.04.0005. Relator: Des. RICARDO CARVALHO FRAGA. Data de Julgamento: 08/06/2011. Data de Publicação: 22/07/2011.

suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT503.

A jurisprudência, como visto, tem progressivamente admitido a tese da aplicação de sanção extraordinária pela prática de dumping social. Cumpre, agora, perquirir acerca dos elementos existentes na ordem jurídica aptos a fundamentar a atuação do magistrado ao fixar a condenação em apreço, o que será realizado no tópico a seguir.

7.2 FUNDAMENTOS NORMATIVOS PARA A IMPOSIÇÃO DE PUNITIVE