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A concorrência pode ser definida como a “situação do regime de iniciativa privada em que as empresas competem entre si, sem que nenhuma delas goze da supremacia em virtude de privilégios jurídicos, força econômica ou posse exclusiva de certos recursos”151.

O princípio da livre concorrência, constitucionalmente consagrado, consiste, segundo lição de ANDRÉ RAMOS TAVARES, “na abertura jurídica concedida aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de mercado e a contribuição para o desenvolvimento nacional e a justiça social”152.

EROS GRAU, a seu tempo, partindo da premissa de que a livre concorrência identifica-se a uma das perspectivas da livre iniciativa, aduz que aquela pode ser desdobrada em três sentidos, a saber: faculdade de conquistar a clientela, vedada a

economia nacional” (grifos no original) (MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para o conceito de Constituição Económica. Coimbra, s. ed., Separata do Boletim de Ciências Económicas n.º 17, 1974, p. 24).

150 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 122. 151

SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Best Seller, 1999, p. 118/119.

152

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 256.

utilização de práticas de concorrência desleal; proibição de formas de atuação capazes de obstar a concorrência; neutralidade estatal em face da concorrência em igualdade de condições.

Cogita-se, aqui, de princípio que possui verdadeiro caráter instrumental relativamente ao princípio da livre iniciativa. Com efeito, para a garantia do livre acesso ao mercado, preconizada por este, faz-se necessária, no contexto de concentração econômica próprio do atual estágio de capitalismo de grupo, a repressão a investidas empresariais aptas a determinar a própria configuração de certo setor da economia, possíveis, a princípio, acaso se admitisse a livre iniciativa em seus termos extremos. Reside, inclusive, precisamente neste aspecto uma das mais relevantes justificativas para a afirmação histórica da necessidade de intervenção estatal no âmbito econômico, a fim de assegurar a própria manutenção do modo capitalista de produção153. O livre acesso ao mercado, afinal, jamais será efetivamente alcançado se não houver livre disputa de clientela.

Nesse sentido, pondera MANOEL JORGE E SILVA NETO que “a liberdade absoluta induzirá inexoravelmente à redução ou mesmo extinção da competitividade no sistema econômico”154.

O tratamento constitucional da matéria é complementado através do art. 173, a seguir transcrito ipsis litteris:

153 Discorrendo acerca da crise do liberalismo, EDVALDO BRITO observa, com lucidez, que as configurações assumidas pelo Estado após a I Guerra Mundial são fonte da “(...) reação contra o Estado do liberalismo econômico, determinada por diversos fatos que em síntese podem ser exemplificados: no desmentido oposto pelos fatos às premissas do liberalismo econômico; nos desequilíbrios contínuos gerados pela livre concorrência, ao invés do equilíbrio automático da oferta e da procura; a inexistência da garantia da justa renda, do justo preço, do justo lucro, do justo salário diante da concentração de capitais e do capitalismo de grupos; e, aproveitando-se das facilidades que lhes eram dadas pelo regime de iniciativa privada, sem o devido controle por via de qualquer regulamentação, os fortes oprimiam os fracos. Tudo isto resultou em se defender, em lugar da liberdade que oprimia, a intervenção que libertaria.” (BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do estado no domínio econômico: Desenvolvimento econômico. Bem-estar social. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 19). A seu tempo, referindo-se ao processo histórico de consagração dos direitos difusos, MÁRCIO MAFRA LEAL aduz que “outro sério questionamento a respeito da preponderância da lógica do mercado dizia respeito à visão de curto prazo na obtenção de resultados e de eficiência, característica do interesse econômico, porém deletéria de outros valores que, em longo prazo, acabariam por eliminar as vantagens econômicas já obtidas.” (. Ações coletivas: História, teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 99).

154 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 607. WALDO FAZZIO JÚNIOR, a seu tempo, observa que: “A densificação da livre iniciativa só pode configurar-se em toda sua extensão num mercado em que se observa a livre concorrência, até porque a liberdade de atuação no mercado decorre do equilíbrio entre os que nele interagem.” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 99).

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

(...)

§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Como se observa, a Lex Legum regulamentou a configuração jurídica das empresas estatais que desenvolvam atividade econômica de maneira a vedar indevidas vantagens concorrenciais decorrentes de eventuais privilégios de ordem civil, comercial, trabalhista ou fiscal, reafirmando, assim, a consagração da livre concorrência.

Ademais, depreende-se dos dispositivos acima transcritos que a Lei Maior reconheceu a existência do poder econômico como inerente ao modelo capitalista adotado. É repudiado, todavia, pela ordem constitucional pátria, o exercício abusivo deste poder. Nesta linha de entendimento, JOSÉ AFONSO DA SILVA ressalta: “Este [o poder econômico] não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado, intervir para coibir o abuso”155.

Verifica-se, assim, que, no presente momento histórico, a regulação da concorrência confirma-se como elemento necessário à própria continuidade do sistema capitalista e, para além disso, desponta como mecanismo de realização de políticas públicas. Refletindo a importância da regulação da concorrência na dinâmica econômica contemporânea, diversos diplomas normativos foram editados no Brasil visando à repressão do abuso de poder econômico e garantia do equilíbrio dos agentes econômicos. São eles: a Lei n.º 8.137/90, a qual regula crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, a Lei n.º 8.176/91, que estabelece crimes contra a ordem econômica, a Lei n.º 8.884/94, denominada de Lei Antitruste, que estabelecia sanções administrativas decorrentes da adoção de

condutas violadoras da livre concorrência e, por fim, a Lei n.º 12.529/11, que revogou quase integralmente aquela, reestruturando o sistema brasileiro de defesa da concorrência.

Analisada a Constituição Econômica, é possível, agora, avançar ao exame da Constituição do Trabalho. É o que se fará a seguir.