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Após falar de educação e perceber como os distintos teóricos e estudiosos da educação apontam como o principal alvo, a criança e pregam nos seus discursos a liberdade e a formação de cidadãos livres e responsáveis para pensar, cabe aqui refletir um pouco sobre a criança e o que acontece com ela nos tempos atuais. Onde o sistema educacional parece não acompanhar os avanços tecnológicos, sociais e mudanças no desenvolvimento destas crianças, mantendo processos pedagógicos obsoletos e se apropriando de ações que mantenham a criança prisioneira a estes processos.

A criança por si mesma e por curiosidade, normalmente vai em busca de respostas para suas dúvidas, concretizando a aprendizagem através das vivências. O educador, no que lhe cabe, deveria ser apenas um anteparo que organiza e devolve à criança curiosa, seus saberes criativos aos quais busca incessantemente. Cuidando de estar atento com o exagero dos comportamentos criativos, para que estes não sejam considerados como indisciplina, transtorno ou doença.

No passado segundo Roudinesco (2003) as crianças eram vistas como pequenos adultos, sem opinião, crianças que não podiam gritar, correr, espalhar criatividade ou simplesmente viver. Hoje se diz que a criança deve ser livre para pensar, criar, jogar e viver. Mas o que se observa é o fato de confundir a criatividade, a curiosidade e o interesse da criança com transtorno ou doença. Para Sartre e Descartes, segundo Lebrun (2008), a infância é constituída por uma série de armadilhas e preconceitos dos quais raramente se liberta. É uma fase delicada na qual o sujeito fica abandonado e indefeso, exposto a traumas que serão futuramente considerados como parte integrante da individualidade do seu ser. A forma como a criança experimenta esta fase pode tornar-se a sua essência como indivíduo (LEBRUN, 2008).

Aprender demanda esforço e motivação, não sendo uma função mental que ocorre espontaneamente, requer trabalho e dedicação do aluno e do professor. O interesse pelo que será aprendido também é condição de extrema importância, assim como por parte do professor atuante, sua habilidade e motivação em ensinar

(Marchesi, 2004). Freitas (1991) acredita que as principais explicações quanto ao fracasso escolar responsabilizam a criança e sua família e não questionam qual seria a responsabilidade da sociedade, do professor com sua formação ineficiente e da escola. Para a autora, a escola produz ignorância, quando não tolera que os alunos falem, perguntem, duvidem ou cometam erros. Igualmente, critica os métodos educacionais inadequados aplicados nas escolas, especialmente às classes sociais mais pobres, responsabilizando os alunos pelos maus resultados obtidos e atribuindo o fato às condições psicosocioeconômicas.

Ao tudo, não se deve esquecer que a aprendizagem é dinâmica. O aprendiz relaciona os conteúdos novos aos já conhecidos, evoluções e retrocessos que contribuem para a sedimentação do conhecimento.

Os moldes oferecidos ao aprendiz de acordo com Souza (2012), existem justamente para que o aprendiz, possa transgredi-los, e cada um, o faz à sua maneira, uns mais e outros menos, sendo que alguns nem conseguem chegar aos limites propostos, tamanha é a sua obediência. Por trás do medo de transgredir, a fantasia que assombra é o temor da anarquia e do caos. Em luta consigo mesmo, a essência imaginativa do sujeito quer exteriorizar-se e agir, muitas vezes sem passar pelo estágio do pensamento, vindo ao encontro do que espera a sociedade. O problema de acordo com Birman (2012) se dá quando os estudantes passam a experimentar os excessos. Assim, a agitação, a explosividade, a indisciplina e a irritabilidade passam a caracterizar o aluno contemporâneo.

Nos tempos atuais, se vive um momento de grande agressividade, indisciplina e violência, Hanna Arendt (2013) nos alerta do grande esforço em solucionar este enigma no comportamento humano. A violência pode impor-se de forma banal, reflexo dos obstáculos que se apresentam às crianças; elas não sabem mais como resolver nem pequenos, nem grandes problemas. Portanto, tanto as provocações quanto as repressões da energia agressiva, poderão ocasionar comportamentos explosivos perigosos (BIRMAN, 2012).

A ciência moderna explica que os homens compartilham características como a agressividade com as demais espécies; a razão e o pensar, presentes no

homem, ser instintivo por natureza, podem produzir atitudes de extrema violência (Arendt, 2013). Mas, “[...] que a violência frequentemente advenha da raiva é um lugar comum, e a raiva pode realmente ser irracional ou patológica, mas isso também vale para qualquer outro sentimento humano” (ARENDT, 2013, p. 81).

Para a pesquisadora Marlene Guirado (1996), Foucault descreve brilhantemente o quanto estigmatizar e reprimir de forma legítima, através das instituições sociais, pode produzir efeitos contrários aos desejados. Tortura, fome, disciplina castradora e privação desumanizam. Daí vem a violência e simplesmente eliminá-la, seria como uma castração (Arendt, 2013). A castração funciona de modo permanente e pernicioso, vigiando sem ser percebida e desassujeitando o sujeito para poder utilizar-se dele (FOUCAULT, 2014).

As correções disciplinares fazem-se presentes no controle dos corpos e da fala e o medo atinge não só aos estudantes, mas também aos educadores; ambos temem romper com os limites pré-estabelecidos. Nas salas de aula, o silêncio tem que ser absoluto e os movimentos corporais refletem a disciplina necessária para a boa aprendizagem: na classe, alunos sentados, fora dela, em filas. Esta descrição nos reporta aos tempos mais antigos e ao modelo disciplinar considerado ideal por muitos educadores, infelizmente, mesmo hoje em dia. Esta forma de ensinar recorre ao castigo, à humilhação, à violência, à obediência e à subordinação. O professor, hierarquicamente superior aos alunos, deve despejar conhecimento e zelar pela formação moral dos alunos (AQUINO, 1996).

A família e a escola precisam estar articuladas para produzir o processo educacional. Talvez sejam os indisciplinados, cujo comportamento originou-se nas vivências anteriores ao período escolar, no ambiente familiar. Aquele aluno rebelde, agressivo, indiferente, desatento e sem limites, não sabe reproduzir em classe, aquilo que não aprendeu em casa. Neste caso, a escola não tem como assumir a responsabilidade de estruturar psiquicamente este estudante, quando as relações familiares são incapazes de agregar valores indispensáveis à formação da criança como ser humano, acabam por destruir o trabalho educacional promovido na escola e as dificuldades de aprendizagem são parâmetros sobre os quais precisamos analisar e discutir, com o objetivo de compreender a indisciplina.

Tudo isto torna-se a matéria-prima necessária para os laboratórios farmacêuticos que se utilizam dos modelos médicos para adoecer qualquer sofrimento ou criatividade, com foco nos lucros financeiros (ROUDINESCO, 2016), oferecerem soluções imediatas e mais fáceis para o controle dos corpos e das mentes, através da medicalização destes corpos e a escola não fica alheia a estas soluções, mesmo porque a formação e as condições de trabalho dos professores ficaram aquém das reais necessidades da educação das crianças e dos jovens. Em vista do aumento do uso de medicamentos nas escolas do mundo tudo, para Collares e Moysés (1994) o termo mais indicado seria a patologização da aprendizagem, ao invés de medicalização, isto porque o uso abusivo destes medicamentos estão patologizando a criança e negando-lhe seu desenvolvimento e condição de criança. E é assim que, “alunos briguentos até então suspensos são agora encaminhados para a Ritalina®” (ANTUNES, 2013, p. 35).

4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO