• Nenhum resultado encontrado

A produção indiscriminada de encaminhamentos por parte das escolas, levando os estudantes a serem medicados sem necessidade na tentativa de homogeneizar os ânimos infantis e fabricar uma geração obediente, tornou-se um indício grave da desorganização que predomina na educação brasileira.

Arelaro (2005) descreve que pela Constituição, a educação é direito de todos e dever do Estado, estabelecendo alguns princípios para o ensino, não só a igualdade de condições de acesso e permanência, mas também, a obrigação da oferta de uma escola de qualidade que possibilite a todos, sem exceção, cursarem-na em boas condições funcionais, em termos de pessoal, material, recursos financeiros e projetos pedagógicos, permitindo-lhes reivindicar a escola de direito de todos os cidadãos.

A autora revela que um diagnóstico preciso da situação do ensino fundamental no Brasil tem como objetivo verificar se os direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 (CF/88), especialmente nos artigos 205 a 208, estão sendo cumpridos pelas políticas educacionais implementadas no país pelo Poder Público. Aponta ainda que algumas pesquisas se dedicam a compreender os processos alinhados a estas metas, se existem entraves e quais são eles.

1) A autora observou nos estudos que alguns nós permanecem enraizados, prejudicando o bom andamento dos trabalhos. Dentre eles estão:

2) A municipalização do ensino fundamental, delegando a responsabilidade aos municípios, pela maior parte dos estudantes matriculados;

3) A desigualdade sócio - econômica entre os municípios;

4) A modificação do currículo, antes da primeira à oitava série, e hoje, do primeiro ao nono anos, iniciando crianças de seis anos, ainda imaturas para o ensino fundamental;

5) A criação de classes de aceleração, quando a partir de 1997, estudantes com defasagem cronológica em relação à série em curso, pudessem ser matriculados em séries mais avançadas, evitando o abandono e produzindo consequências polêmicas; 6) A organização do currículo por meio de ciclos escolares, onde muitos

autores defendem que a aquisição de conhecimento e a aprendizagem iniciam-se antes da introdução da criança ao estudo; neste caso, justificam-se as causas para que alunos de apenas 6

anos passem a frequentar o ensino fundamental, aumentando assim, o quorum de alunos matriculados.

E, porque existem?

Arelaro (2005) descreve que a partir dos compromissos internacionais assumidos com a assinatura da “Declaração Mundial da Educação para Todos”, em 1990, o país concentrou seus esforços em superar o “buraco” estatístico do atendimento educacional brasileiro, apontado como um dos sete piores do mundo, em qualquer nível ou modalidade de ensino.

Esses dados estatísticos de cunho pejorativo, provocaram o interesse do governo em alterar positivamente os resultados nacionais e levou à implementação de políticas despreocupadas com o entendimento pedagógico da relação qualidade/quantidade educacional, que significassem rapidamente o aumento do número de alunos matriculados em escolas, quaisquer que fossem suas condições de funcionamento.

Ao tudo pode-se afirmar que a pesquisa realizada tem suas limitações:

[...] os dados podem ser compreendidos como um alerta acerca da tendência de nossa sociedade e, em certo sentido, das políticas educacionais exigirem de crianças, cuja principal demanda é o brincar, um esforço de adequação à disciplina dos tradicionais métodos da escola de ensino fundamental (ARELARO, JACOMINI e KLEIN, 2011, p. 48).

Provocativamente, questiona-se então qual a conveniência da implantação de um ensino fundamental com 9 anos de duração, iniciando-se, obrigatoriamente, com crianças de 6 anos. A quem interessa?

A Lei Federal n.11 114, aprovada pelo Senado Federal, ao que se sabe, por descuido do Ministério da Educação e Cultura (MEC), alterou artigos da Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), com o objetivo de tornar obrigatório, para todas as crianças de 6 anos, o início do ensino fundamental (ARELARO, JACOMINI e KLEIN, 2011).

As autoras acreditam que a mesma Lei, não foi sequer discutida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), ao vetar o artigo 30 da LDB que se refere ao estabelecimento de creches e pré-escolas para crianças de zero a seis anos, deixando sem critérios específicos, quais as instituições atenderiam estes estudantes.

A mesma Lei ao que parece, não pretende a concretização de um ensino fundamental de 9 anos, mas apenas que este seja iniciado aos 6 anos e não mais aos 7, simplesmente transferindo o último ano do ensino infantil para o fundamental, ampliando-se as possibilidades de utilização dos recursos da FUNDEF (Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério).

Introduzem-se assim padrões de comportamento na organização escolar, de acordo com Arelaro, Jacomini e Klein (2011), profissionais da área da educação, de tal forma que o professor, sempre facilmente convencido de sua incapacidade pessoal, fruto de sua frágil formação profissional inicial, aceitará pacificamente, as mais diferentes imposições.

Oliveira (2007) contraria, acreditando nas mudanças da política educacional, mesmo lentas, como formas de crescimento. O autor contribui, aceitando que a agenda internacional está fortemente atrelada à nossa, prisioneiras dos interesses do capital, embora com perfis específicos de acordo com cada país. Recusa-se a afirmar, entretanto, que os interesses financeiros sejam os fatores determinantes para a implementação das nossas políticas educacionais. Para ele, evidentemente a exclusão permanece e o ensino fundamental não deixou de ser uma fase produtora de desigualdade educativa. Continua acreditando que os discriminados de ontem continuam os mesmos, mas a desigualdade existente hoje é diferente daquela que acontecia no passado, pois, apesar de pobres, meninos e negros, reprovarem e evadirem mais, em nossa história, nunca se aprovou tanto e nunca, tantos alunos permaneceram matriculados, ainda que fazendo parte dos setores mais excluídos.

O ponto é que deve- se enfatizar a positividade da universalização do ensino fundamental, compreendendo porque os desafios do hoje, são outros.

Os dados obtidos pelas pesquisas e descritos até então, provocam reflexões. Por um lado, professores insatisfeitos e perdidos? — ou já adaptados às mudanças promovidas pelas políticas educacionais desde 1990. Do outro lado, estão os alunos do ensino fundamental, iniciantes aos 6 anos, “repetentes” matriculados em séries avançadas, bons exemplos do desajuste instalado pelas mudanças mal planejadas e até onde, bem-intencionadas?

As falas das professoras sobre a necessidade de realização de um trabalho que dê conta da alfabetização da criança ainda no primeiro ano parecem refletir o anseio dos pais e da sociedade em torno de uma alfabetização cada vez mais precoce, que desconsidera as diferenças culturais, sociais e de ritmo de aprendizagem das crianças. Menos do que oferecer oportunidade de desenvolvimento saudável e prazeroso às crianças brasileiras, essa organização escolar pode sugerir uma tentativa subliminar de acelerar ou reduzir os tempos da infância (ARELARO, JACOMINI e KLEIN, 2011, p. 48).

Entre ambos os lados, está a política educacional brasileira com suas peculiaridades agregando vários problemas, mas dentre eles: a patologização da aprendizagem e a medicalização do escolar.

Para Ribeiro (2014, p.17):

Particularmente, a área de educação tem sido alvo do grande aumento da emissão de diagnósticos de supostos transtornos como alternativa de explicação das dificuldades de escolarização enfrentadas pelos estudantes”; “Associada a ideia da existência de dificuldades/transtornos de aprendizagem e do comportamento constroem-se explicações sobre o fracasso escolar como resultante da condição exclusiva do aluno, ou seja, argumentações com o foco no indivíduo (RIBEIRO, 2014, p.18).

Neste percurso tortuoso, aumenta a produção de encaminhamentos por parte das escolas, baseadas na crença de que um diagnóstico fornecerá elementos suficientes para a intervenção pedagógica, com o objetivo de superar as dificuldades do aprender (HECKERT e ROCHA, 2012).

Os autores preocupam-se com a intensificação das demandas por parte dos profissionais da educação, para a realização de diagnósticos médicos e para a emissão de laudos que descrevam os problemas com os quais a escola tem que lidar. Collares e Moysés (1994), apontam para o fracasso escolar na rede pública de ensino brasileira evidenciada pelos educadores; o diagnóstico está sendo focado apenas nos alunos e suas famílias, sendo que as instituições escolares, assim como a política educacional vigente não é questionada.

A aprendizagem é construída pela riqueza de estímulos que a criança recebe diariamente, pelos afetos, atenção e interação familiar. Seu tempo, desde que organizado adequadamente, à sua idade e aos seus limites, propiciam o seu desenvolvimento seguro e boa auto estima.

Cada cultura e cada núcleo familiar tem o seu modo de vivenciar o processo educacional, assim como cada faixa etária, necessita ser de abordada de maneira personalizada para gerar bons frutos. A desconsideração de tais parâmetros, por mais básicos que sejam, torna disfuncional todo o processo educativo, degringolando todas as fases da aprendizagem.

3 A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS