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ELITISMO, SOCIOLOGIA E PROSOPOGRAFIA: A OPÇÃO PELA ANÁLISE CONJUGADA

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 160-165)

A partir da década de 1970, os estudos de Pierre Bourdieu contribuíram para a discussão da relação entre método prosopográfico e as posições sociais ocupadas em determinado campo. Restrito à história, uma “nova onda” de estudos elitistas marcou a aproximação com a sociologia, aliando o estudo das biografias coletivas com as análises sociológicas. Entretanto, Bourdieu criticava a forma como os denominados “elitistas” estudavam estes grupos sociais, como veremos adiante.

Relativamente à Teoria das Elites, podemos salientar que seu

“renascimento” coincide com a ascensão da democracia e a participação das massas como protagonistas no cenário político, por meio da atuação dos sindicatos e dos movimentos operários, na busca da igualdade de direitos para os trabalhadores. Mediante a esta “ascensão política das massas”, um sentimento de

pessimismo rondava as classes dominantes da época e os seus teóricos. Afinal, com uma ampliação da democracia e maior participação das massas nas esferas decisórias do poder, a tendência era de que segmentos com menor grau de instrução se tornassem atores políticos relevantes, pois os membros das massas não eram tão instruídos intelectualmente como os integrantes da classe abastada, segundo esses autores:

Uma das razões que esteve na origem desse desinteresse pelo tema reside no surgimento de novas perspectivas teóricas e novos programas empíricos de pesquisa, cujas indagações não mais conferiam às elites políticas e sociais um lugar central. Para sermos mais específicos, o arrefecimento da preocupação dos cientistas sociais pelo tema das elites deve-se, em essência, às críticas formuladas a partir de três perspectivas bem distintas:

o estruturalismo marxista, o institucionalismo de escolha racional e a Sociologia Relacional de Pierre Bourdieu. As críticas são contundentes e, não raro, convincentes. Não acreditamos, porém, que as aceitar implique necessariamente o abandono das elites políticas como objeto de estudo importante para a Ciência Política e a Sociologia Política (CODATO &

PERISSINOTO, 2008, p. 7)

Diante da crença nesta incapacidade das massas exercerem o poder, passou a ser democracia avaliada negativamente, já que aquelas eram autoritárias e irracionais, além de se deixarem levar pelo discurso demagógico e inescrupuloso.

Irrefutável até então, a democracia foi colocada em xeque pelos autores elitistas.

Surgia, neste contexto, a Teoria das Elites, pautada pelos pressupostos

“antidemocráticos e antissocialistas”, evidentes nos países em que os primeiros ideólogos elitistas conceberam-na.

Apesar da perspectiva pessimista e nascida em contraposição à democracia, ao socialismo e ao marxismo, a Teoria das Elites ganhou notoriedade ao longo dos anos, principalmente nos estudos ligados à Ciência Política. Mosca (1966;1968) e Pareto (1984) são exemplos desta corrente, fazendo da análise política um discurso científico – ambos defendendo a ideia de estudar os processos políticos a partir dos grupos de comando.

Bourdieu acredita que a sociologia deve romper com a visão essencialista das pesquisas adeptas do elitismo, direcionadas em duas fases: a primeira consiste em definir uma população e, posteriormente, deverá ser realizado o estudo da mesma, no que consiste aos atributos desta população (como os capitais

econômicos, sociais e políticos intrínsecos à mesma). Com esta operação, Borudieu sinaliza dois enganos da atividade sociológica.

O primeiro deles diz respeito à tendência da Teoria das Elites em tornar natural as capacidades distintas dos integrantes dos grupos dominantes, sendo assim dominantes apenas pela posição que ocupam socialmente. Uma preocupação derivada desta “naturalização” dos atributos individuais é, ao efetuar uma análise mais detida, constatar que esta “elite” só mantém esta posição individual justamente por conta “das posições objetivas ocupadas pelos agentes no espaço social”

(CODATO & PERISSINOTTO, 2008, p. 10).

Já a segunda objeção avalia a questão do produto das posições sociais ocupadas dentro do próprio campo:

o quantum de capital escolar vinculado a uma dada posição no campo cultural está diretamente vinculado ao quantum do mesmo capital vinculado a uma outra posição no mesmo campo. Para Bourdieu, o poder não é uma relação entre "indivíduos", mas uma relação entre diferentes posições que distribuem desigualmente os capitais específicos de um campo, o que, por sua vez, confere aos ocupantes dessas posições potencialidades distintas para produzir ganhos nas lutas que caracterizam o mesmo campo.

(CODATO & PERISSINOTTO, 2008, p. 10)

Ou seja, só haveria necessidade de estudar estes agentes distribuídos em um determinado campo se o produto deste trabalho fosse utilizado como base para análises sociológicas mais aprimoradas – não apenas um estudo em que o destino final de certo itinerário reunisse apenas elementos constitutivos de biografias individuais, que não fizessem sentido quando analisadas em conjunto.

Por outro lado, Bourdieu admite a dificuldade em constituir o perfil da população de certo campo sociológico sem recorrer aos atributos individuais. (1989, p. 374). Assim, devemos optar em coletar informações dos indivíduos do grupo social pesquisado para constituirmos os perfis individuais, a fim de que uma análise aprimorada de maneira coletiva (ou sociológica, melhor dizendo) seja efetuada.

Codato e Perissinotto (2008) apontam que “como as informações sobre o mundo social estão associadas a indivíduos é a eles que devemos dirigir-nos para indagá-los acerca das propriedades sociais que os constituem (BOURDIEU, 1989a, p.

29)”.(p. 11).

Uma das saídas encontradas para equacionar este problema é a utilização da prosopografia, como já anotado acima. Monteiro (2014) salienta que a partir da década de 1970, Pierre Bourdieu aproximou o método aos trabalhos da sociologia.

O propósito foi analisar os grupos dirigentes franceses do período, no sentido de compreender a atuação destes na composição social da época. A opção metodológica de Bourdieu – centrada no sujeito (ainda que a crítica à metodologia elitista fosse lembrada), possibilitou aplicar aos dados históricos um enfoque sociológico (HEINZ,2006, p.9). O agente social enquanto produtor e reprodutor da realidade social em que está inserido – direcionadas mais à posição social em que o agente se encontra do que em relações estritamente entre indivíduos. Portanto, a ideia de tornar sociológica a análise da base de dados histórica se tornou evidente a partir do método prosopográfico.

A prosopografia, aliada à sociologia, deve concentrar as características de todo o grupo pesquisado – e não de cada indivíduo em particular. Para tal, as informações individuais são importantes, necessárias para o estabelecimento da compreensão do todo. Assim, a biografia individual nos dará subsídios para entender as posições ocupadas na realidade social:

A trajetória que ela visa reconstituir define-se como uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou por mesmo um grupo de agentes em espaços sucessivos [...]. É com relação aos estados correspondentes da estrutura do campo que se determinam em cada momento o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos, entendidos como colocações e deslocamentos nesse espaço ou, mais precisamente, nos estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo, capital econômico e capital simbólico como capital específico de consagração (BOURDIEU, 1996, p.82).

Estas trajetórias ditas por Bourdieu têm como referência a questão de objetivar o habitus, isto é, a partir de um grupo de biografias unidas, visando exprimir algo sobre determinada realidade social, consolidar a busca de informações individuais. A partir do estudo das trajetórias é possível visualizar as posições ocupadas no campo pelos atores sociais, que ocupam sucessivas funções na sociedade.

Nesta busca biográfica, salientamos que não somente as histórias de vida interessam, mas sim o “balanço” orientado pela trajetória de seus membros, isto é,

qual foi o itinerário percorrido ao longo dos anos por seus integrantes, qual trajetória percorrem na maçonaria, que conexões sociais estabeleceram? Esta sucessão de acontecimentos marcados na história é tratada por Bourdieu, dizendo que:

O que equivale a dizer que não podemos compreender uma trajetória sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se densenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de estados pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontando com o mesmo espaço dos possíveis. (BOURDIEU, 1996, p.

81)

Assim, é necessário avaliar e analisar o campo em que as trajetórias de vida ocorreram: suas conquistas, seus relacionamentos, sua presença em determinado período da história. A valorização da biografia coletiva nos proporcionará compreender a relação estabelecida pelos Grão-Mestres do o Grande Oriente do Brasil – Paraná (GOB/PR), a o Grande Oriente do Paraná (GOP) e a Grande Loja do Paraná (GLP).

Conforme adiantamos, a noção de trajetória passa a vigorar em consequência da simples ideia de narrar as “histórias de vida”:

A análise crítica dos processos sociais mal-analisados e mal compreendidos que estão em jogo, sem que o pesquisador o saiba, na construção dessa espécie de artefato irrepreensível que é a “história de vida”, não é a sua finalidade (BOURDIEU, 1996, p 81).

Portanto, mais do que analisar simplesmente as “histórias de vida”, Bourdieu argumenta que é necessário avaliar as trajetórias – que são, desta forma, a construção de certo capital de ingredientes formados ao longo dos anos. Assim, as trajetórias deverão ser analisadas olhando para todo o itinerário – e não somente os elementos que compõem as biografias individuais.

A opção metodológica desta tese é avaliar as biografias a partir da trajetória de cada Grão-Mestre, pois apenas as histórias de vida não seriam suficientes para ofertar elementos necessários à análise sociológica dos mesmos. Outrossim, a opção pelo método prosopográfico facilita a busca de informações para a constituição da trajetória destas lideranças da maçonaria. Ou seja: aliando a teoria sociológica de Pierre Bourdieu (e os autores que fomentam este debate) à

prosopografia, é possível olhar para o conjunto de biografias e questionar: qual é, portanto, o perfil sociológico destes Grão-Mestres? Quais são os elementos de suas trajetórias que refletem a posição social ocupada (à luz de Wright Mills)? Podemos afirmar que existe sim um perfil delimitado destes personagens?

Tais perguntas esperam reunir dados que ofertem uma análise sociológica condizente com as intervenções destes sujeitos na sociedade paranaense, na tentativa de fornecer substâncias que nos afaste das preocupações do que os autores denominam “so what question” (GIDDENS, 1974, p. xii-xiii; PUTNAM, 1976, p. x), rebatizada por Codato e Perissinotto (2008) como “e daí?”. Isto é, após um exaustivo levantamento de dados, de confecção de trajetórias de vida (e não simplesmente de biografias esparsas) e, ao olhar um grupo social a partir das características comuns de indivíduos, espera-se analisar a dinâmica sociológica dos integrantes da liderança da maçonaria no Paraná do período estudado diante da sociedade. Em suma: como pano de fundo desta questão relacionada à Giddens e Putnam e, posteriormente, aprimorada por Bourdieu, espera-se alinhar o posicionamento dos Grão-Mestres na realidade do Paraná, bem como qual é, de fato, a importância institucional quanto aos aspectos sociais, políticos e econômicos na distribuição da correlação de forças da maçonaria dentro da sociedade.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 160-165)