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PARA ALÉM DOS SEGREDOS: A ESTRUTRA INTERNA DA MAÇONARIA

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 49-55)

O último ponto para delineamento da atividade maçônica nos conduz à seguinte questão: como está estruturada a maçonaria? Importante salientar que tal dúvida não deve ser destacada para compreensão do tema, uma vez que a exposição da estrutura interna da instituição nos conduzirá até as possíveis explicações das rupturas ocorridas no Século XX da maçonaria brasileira, afetando diretamente sua constituição no Estado do Paraná.

21 Carta de Poços de Caldas. Documento disponível na íntegra em: <

http://www.comab.org.br/arquivos/carta_pocos_de_caldas.pdf>. Acesso: 30 jan 2016.

22 Disponível em: < http://www.cmsb.org.br/index.php/our-services/24-projeto-corrupcao-nunca-mais/217-corrupcao-nunca-mais>. Acesso: 30 jan 2016.

Hierarquicamente, o maçom para ser iniciado deve primeiramente ser indicado em uma loja maçônica regular, pertencente a uma das chamadas

“potências” da instituição, isto é, em um dos organismos de abrangência nacional e reconhecido pela Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI). A questão do reconhecimento é um dos paradoxos enfrentados dentro da própria maçonaria:

apesar de serem universais em suas regras e postulados, somente as potências estabelecidas com tratado de amizade e mútuo reconhecimento com a GLUI podem ser declaradas regulares, isto porque a GLUI é a:

1ª Grande Loja da História, tida por isso como a Grande Loja Mãe do Mundo. Para esses, não importa se uma obediência possui reconhecimento de outras duzentas obediências regulares nos cinco continentes ou até mesmo da própria obediência a que eles pertencem. Se não tiver o reconhecimento da GLUI, não é regular (ISMAIL, 2013, p. 110)

Das três principais potências maçônicas do país, apenas o Grande Oriente do Brasil (GOB) é reconhecido pela GLUI, algo que ocorreu em 1919. Outras quatro Grandes Lojas estaduais são reconhecidas também. Todavia, por outros tratados firmados internacionalmente, além do GOB, o sistema de federação formado pela Confederação Maçônica do Brasil (COMAB) e pela Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil (CMSB) também podem ser consideradas potências reconhecidas, permitindo o acesso, visitação e convívio entre os maçons destas três organizações.

Este período de reconhecimento mútuo passa por divergências entre o comando do Grande Oriente do Brasil em relação às demais potências citadas. Em 15 de agosto de 2014, o Grão-Mestre geral do GOB, Marcos José da Silva, enviou uma carta aos Grandes Orientes Estaduais, ratificando que, após a publicação do anuário “List Of Lodges”, o qual contempla as potências reconhecidas mundialmente, citou que “Diante do exposto, cumpre-nos ressaltar que as Lojas do GOB somente podem receber a visitação de maçons que pertençam às Potências Maçônicas Simbólicas ali listadas”23. Ou seja, apenas as lojas do Grande Oriente do Brasil (presentes no referido anuário) podem receber visitas e manter contato

23 O documento citado estão na forma dos Anexos I e II.

apenas entre si, excluindo-se as lojas da COMAB e CMSB. Esta decisão gerou divergências entre o poder central do GOB e os Estados federados, assunto ainda não solucionado.

O exemplo supracitado demonstra que a questão do reconhecimento no universo maçônico ainda não está totalmente resolvida. Paralelo a esta disputa pelo reconhecimento, algumas potências consideradas “espúrias”, isto é, sem a aceitação destas três organizações supracitadas, continuam praticando a maçonaria no país, algo que não será objeto deste trabalho. Nossa opção por trabalhar com a admissão destas potências (GOB, COMAB e CMSB) ocorre por alguns motivos.

O primeiro motivo é a questão histórica. Tanto GOB quanto CMSB e COMAB, quando comparados com as demais, são as instituições mais antigas do país que atuam maçonicamente, sendo que as duas últimas são derivadas do Grande Oriente do Brasil, fundado em 1822. Ou seja, utilizamos como parâmetro o GOB e suas vertentes, oriundas do mesmo.

O segundo motivo diz respeito sobre o reconhecimento. Ainda que o Grande Oriente do Brasil tenha suspendido temporariamente o relacionamento com os integrantes das lojas da CMSB e da COMAB, há um bom contato entre os membros das lojas pertencentes a estas potências maçônicas, com reconhecimento mútuo entre as mesmas (ISMAIL, 2012).

Assim, ao abordarmos a questão do reconhecimento, apontamos que a iniciação em uma loja maçônica regular, pertencente a uma das três potências citadas, deve ocorrer a partir de uma indicação de um membro que já participa da instituição – conhecido como padrinho. Não há um espaço temporal padrão para que o processo de indicação até a iniciação ocorra: ele varia de acordo com cada loja maçônica.

O padrinho – figura que faz o convite para ingresso na maçonaria, segundo Couto (2005, p.15), é “um maçom estabelecido, de qualquer grau, que o convide oficialmente”. Após o convite, há a cerimônia de iniciação, na qual o candidato atravessa processos para que se torne maçom. Nossa intenção não é descrever o passo a passo da iniciação, dada à imprecisão e fidelidade das descrições disponíveis.

Feito o ingresso, o maçom passa a integrar uma loja maçônica, isto é, uma célula da organização dentro da potência. Uma loja é autônoma em relação às demais, com seus projetos e ações decididos exclusivamente por seus integrantes, sem sofrer sanção ou coerção de forças administrativas superiores. Cada loja possui direção e organização interna, variando de acordo com o rito utilizado (NETO, 2005).

Ademais, uma loja maçônica deve necessariamente integrar-se a uma potência, formando uma relação de dependência: não existe potência sem lojas; também não há loja sem potência. A figura abaixo ilustra a organização interna da maçonaria quanto ao relacionamento potência / loja maçônica, demonstrando a interdependência entre as duas esferas: uma estadual (ou nacional) e outra local, além de expor os principais cargos exercidos em uma loja:

Figura 1. Relação potência/loja maçônica e organização interna

Fonte: VALENCIANO, Tiago (2014)

Quanto à estrutura interna, as lojas maçônicas estão compostas por maçons (denominados entre eles de irmãos, fixando a relação de irmandade existente na instituição). Cada maçom tem um grau específico, que são três: aprendiz (grau 1, correspondente à iniciação ou ingresso); companheiro (grau 2, nível intermediário); e mestre (grau 3, no qual um maçom pode exercer todos os cargos da loja, com a prerrogativa de ser votado para os mesmos). Obedecendo a esta estrutura interna de graus, o maçom também deve conhecer quais são as funções exercidas para que

POTÊNCIA MAÇÔNICA Grão-Mestre Grão-Mestre Adjunto

Demais cargos

LOJA MAÇÔNICA Venerável Mestre

1º Vigilante 2º Vigilante Secretário Demais Cargos

a loja funcione. No ordenamento interior de uma loja, o cargo de mais alta patente é o de Venerável Mestre (Presidente), seguido pelo 1º Vigilante (Primeiro Vice-Presidente), 2º Vigilante (Segundo Vice-Vice-Presidente), Orador (que conhece as Leis e tem o dom da oratória), Secretário (Responsável pelas atas e registros), Tesoureiro (finanças, recebimento de mensalidades, pagamentos à potência), Chanceler (que verifica a presença), Mestre de Cerimônias (conduzindo o andamento da sessão), Guardas Interno e Externo (atuando na inspeção dos integrantes da loja) e Mestre de Harmonia (ou musicista, que executa hinos de acordo com os respectivos momentos). Esta organização interna pode variar conforme o rito24, mas geralmente preservam esta disposição hierárquica (COUTO, 2005).

A partir desta estrutura que as sessões são realizadas, isto é, as reuniões da maçonaria. São sete os eventos de cada sessão (COUTO, 2005, p. 53): a abertura dos trabalhos seguindo os princípios ritualísticos, a leitura e aprovação da ata da reunião anterior, o expediente recebido e enviado, a ordem do dia – na qual os assuntos predefinidos são deliberados, as doações filantrópicas, o uso da palavra pelos integrantes e o encerramento também ritualístico.

Cada loja maçônica atua independentemente, sem que um organismo possa interferir nos trabalhos do outro. Ao passo que o candidato é iniciado, este segue freqüentando a instituição e, com o passar dos meses, deve apresentar um trabalho para postular o segundo grau – o de companheiro, com conteúdo que verse sobre os aprendizados no primeiro grau. A mesma seqüência lógica é adotada para a passagem ao terceiro grau, quando o maçom encerra seu aprendizado na loja simbólica (NETO, 2005).

Esta explicação sobre a estrutura interna da instituição suporta a questão filosófica, voltada para ensinamentos morais. Enquanto uma ordem que preza pela moral e os ideais de liberdade de pensamento, igualdade de possibilidades e fraternidade entre seus membros, a maçonaria sobrevive há séculos, angariando novos membros a cada dia. Nesta breve exposição, pretendemos demonstrar que a

24 “Conjunto sistemático de cerimônias e ensinamentos maçônicos que variam de acordo com o período histórico, a conotação, o objetivo e a temática dada por seu criador” (COUTO, 2005, p. 16).

No Brasil, os ritos mais comuns que são praticados são: Escocês Antigo e Aceito, York, Emulação, Schröder, Francês ou Moderno, Adonhiramita e Brasileiro.

maçonaria é, sobretudo, um sistema de aprendizado ordenado, respeitando hierarquias, rituais, enfim, uma disposição própria de ensino da sua doutrina aos seus integrantes.

Assim, vale ressaltar que a definição dada nesta seção jamais será a completa, uma vez que não conhecemos e provamos como os maçons atuam, sinalizando apenas os caminhos para compreender a instituição – que preserva um caráter discreto, sem fazer questão de divulgar seus trabalhos. O objetivo desta definição é o de situar o leitor no universo maçônico, recheado de símbolos e alegorias e que normalmente não fazem parte do cotidiano. A intenção é, portanto, subsidiar o debate seguinte, relativo às inserções sociais dos maçons no Paraná.

PARTE II – FUNDAÇÃO E HISTÓRIA DA MAÇONARIA BRASILEIRA

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 49-55)