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EM BUSCA DE UMA MORFOLOGIA CONDOMINIAL

NOTA INTRODUTÓRIA

TAXAS GEOMÉTRICAS DE CRESCIMENTO (%)

4.12 EM BUSCA DE UMA MORFOLOGIA CONDOMINIAL

Nos condomínios fechados brasileiros, embora se faça uma correlação com o medievo — pela presença de muralhas — tem, morfologicamente, correlação maior a um modelo de implantação que remete ao subúrbio norte-americano (e inglês)184. Assemelha-se por, em

primeiro lugar, estabelecer um princípio de espraiamento urbano; pela baixa densidade do uso do solo; pelo uso mono funcional dos vários setores, especialmente pela total separação entre áreas residenciais e aquelas destinadas a comércio e serviços; a ligação entre estes subúrbios/condomínios com a região central da cidade ocorre majoritariamente por meio de veículos particulares185.

Quando se analisa o relativamente recente processo de suburbanização brasileiro, dentro de uma perspectiva anglo-americana, isto é, urbanização de núcleos em subúrbios destinados à classe média, percebe-se que o processo brasileiro vem tendendo a seguir o modelo norte-americano que, por sua vez, desenvolve-se a partir do modelo inglês. Este modelo de suburbanização brasileiro evoluiu ao longo da década de 1980 e se consolidou

184Nos Estados Unidos, lembra Hayden, tem crescido o número de Condomínios fechados nos últimos anos, como

lembra Hayden (2003, p.215). Segundo a autora, cerca de 16 milhões de norte-americanos habitam este tipo de empreendimento.

185Neste caso, em particular, uma semelhança adicional tem-se observado com a opção cada vez maior das

famílias brasileiras pelos veículos da categoria SUV (Sport Utility Vehicle), veículos do tipo ―perua‖, de grande porte, altos, com motores a gasolina (de alto consumo e alta emissão de poluentes), como os Jeep Grand Cherokee, Hyundai Santa Fé, Ford Eco-Sport (um pouco menor que o padrão norte-americano),Land Rover, KIA Sportage, Porsche Cayenne, etc.

na década de 1990. A gênese norte-americana do modelo que se consolida no Brasil pode ser demonstrada por algumas de suas principais características:

- Transporte predominante por veículos particulares;

- Inexistência ou existência mínima de sistema de transporte público;

- Zoneamento monofuncional – setor comercial completamente separado do residencial; - Locomoção interna no condomínio, bem como com as áreas próximas por meio de veículos particulares;

- Ausência de calçada (passeio) para pedestres no interior dos condomínios. (FIG. 265);

FIGURA 265 - Inexistência de calçadas. Alphaville Lagoa dos Ingleses – Residencial 01.

Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008.

- Grande destaque para a entrada de veículos nas residências. No caso dos subúrbios americanos este fator é ainda mais radical. Em geral a grande e principal entrada (dominante) na fachada é a da garagem. A entrada das casas, nestes casos, localiza-se numa lateral, um pouco recuada em relação à fachada principal e também em relação à garagem. Na Figura 266, pode-se observar estas características em um subúrbio norte- americano que, além da relação entre dimensão da entrada da garagem (1) e dimensão da entrada para pessoas (2), destaca a importância do veículo onde cerca de 30% da área construída da casa destina-se a garagem.

FIGURA 266 – Subúrbio norte-americano. Acesso Veículos (1) X Acesso Pessoas (2).

- O modelo norte-americano já é reproduzido em casas brasileiras. Na Figura 267, em uma casa localizada em Alphaville em Belo Horizonte, o elemento dominante na fachada da casa é a garagem. A entrada para pessoas (2) é ladeada por pelos grandes vãos de garagem (1). A importância do veículo no imaginário deste proprietário, e também na maioria das pessoas, está ―explicitada‖ não só pela localização como pelo fato de não haver qualquer fechamento. Os carros (símbolos de status) devem ficar visíveis.

FIGURA 267 - Alphaville Lagoa dos Ingleses – Residencial 01. Acesso Veículos (1) X Acesso Pessoas (2).

Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008.

O incremento do processo de suburbanização no Brasil, especialmente com o aumento de construção de condomínios fechados nas periferias das grandes cidades, tem gerado um crescente número de estudos sobre este fenômeno. Caldeira (2000, p. 258) designa estes condomínios como ―enclaves fortificados, que, a seu ver ―estão mudando o panorama da cidade, seu padrão de segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações públicas entre as classes‖.

À importante questão da criação de espaços cada vez mais segregadores, seja nas áreas de condomínio fechado, seja em espaços de acesso público, como os shopping-centers, juntam-se outras questões, como o impacto que este tipo de ocupação tem sobre o trânsito, meio-ambiente e, principalmente sobre o modelo de urbanização que dele advirá. Neste contexto, o estudo do processo de suburbanização norte-americano, pelas várias semelhanças ao brasileiro, especialmente quando se analisa os casos de Alphaville em São Paulo e o ainda incipiente Alphaville Lagoa dos Ingleses (região Metropolitana de Belo Horizonte), poderá fornecer importantes informações e prenúncios sobre os resultados deste tipo de modelo.

CAPÍTULO 05 – UTOPIA À VENDA: COMUNIDADE, STATUS E SUBÚRBIO

Mas a filosofia hoje me auxilia A viver indiferente assim Nesta prontidão sem fim Vou fingindo que sou rico Pra ninguém zombar de mim Não me incomodo que você me diga

Que a sociedade é minha inimiga Pois cantando neste mundo Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo Quanto a você da aristocracia Que tem dinheiro, mas não compra alegria Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente Que cultiva hipocrisia

Noel Rosa - Filosofia186

Seres humanos são animais sociais, vivem, trabalham e convivem em grupos ou comunidades, que criam características chaves e até mesmo regras para sua eficiência, produtividade e sobrevivência, nas quais incluem lealdade, cooperação, identificação, sanções por eventual não cooperação e preferências. Entretanto, um ser humano tem e necessita de individualidades que, especialmente nas sociedades modernas, podem fazê-lo membro de múltiplos grupos sociais, numa rede social humana vasta e complexa. Estes grupos demandam a criação de uma estrutura hierarquizada. Matsumoto (2007, p.414) enfatiza que as sociedades ou grupos altamente hierarquizados — e, em geral, baixos em igualitarismo — tendem a enfatizar o poder e diferenças de status entre seus membros, enquanto as sociedades ou grupos com baixa hierarquização — e, em geral, de alto igualitarismo — por sua vez, tendem a minimizar algumas diferenças e a distribuir recursos de forma mais equilibrada.

Enquanto ―ente‖ social, o ser humano, vive uma dicotomia que é a necessidade de viver em um grupo — ou comunidade, onde que procura o equilíbrio e paridade entre seus membros, ao mesmo tempo em que busca uma afirmação de sua própria individualidade. Neste aspecto, procura afirmar a sua unicidade por meio de atos e, principalmente, símbolos que devem ser manifestadamente exteriorizados. Lembra Tocqueville (1868, p. 223) que, em sociedades onde há maior desigualdade, as disparidades individuais não atraem pouca — e até nenhuma — atenção, enquanto naquelas em que predomina o igualitarismo e equilíbrio, a menor variação ou diferenciação é percebida. Assim, membros de grupos sociais ao mesmo tempo em que procuram a unidade, o equilíbrio e a igualdade do conjunto, individualmente, buscam sua diferenciação que, num contra-senso, produz desigualdades.

Sobre a desigualdade entre seres humanos, Rousseau (1755, p.1) distingue-as como de dois tipos: física e social. Enquanto o desequilíbrio físico tem sua origem em fatores naturais —

idade, saúde, deficiências, inteligência — e o desequilíbrio social ou político consiste em privilégios de alguns homens em detrimento de outros, como ser mais rico ou mais poderoso.

Uma posição social hierarquicamente superior ou favorável numa sociedade denomina-se, em geral, como status187. A obtenção de status se tornou, ao longo do tempo, de extrema

importância para algumas pessoas que, lembra Tiedens (2000, p.560), despendem grande parte de seu tempo e energia para atender as expectativas de sua posição hierárquica — esperadas e auto-impostas — para subir para uma posição mais elevada e para evitar ser demovido para posições inferiores.

Nesta busca por diferenciação, a exteriorização é elemento chave na busca de um reconhecimento, preferencialmente entre seus pares, de uma distinção pessoal. Nesta ―jornada‖ procuram-se símbolos que identifiquem, no senso comum, de forma clara uma diferenciação ou novo nível hierárquico de seu detentor. La Rochefoucauld (1613-1680), filósofo e aristocrata francês que conviveu durante grande parte de sua vida com reinado de Luis XIV (reinou entre 1643 e 1715) — um regime em que se estabeleceu alguns dos parâmetros de luxo e de valorizações pessoais exacerbados — tinha uma visão crítica sobre a sociedade, escrevendo que ―o mundo recompensa com mais freqüência os sinais de mérito do que o próprio mérito‖ (LA ROCHEFOUCAULD, 1982 [1665], p.58). Dentre os símbolos, adquirem maior significância aqueles que, embora de primeira necessidade, e de uso comum, possam ser ―impregnados‖ de elementos ou características que o distinguem dos demais. Entre estes símbolos comuns que, invariavelmente são magnificados, está a residência. Um casebre, um barraco de favela e um palácio têm a mesma função precípua, a de abrigo, entretanto, sua forma, dimensão e acabamento estabelecerão a ―posição‖ hierárquica ou status de seu detentor e principalmente como fator de estima e realização, conforme lembra Veblen:

Então, assim que a posse do imóvel se torna a base popular da estima, por isso, se torna também um requisito para o tipo de complacência que chamamos de auto- respeito. Em uma comunidade qualquer onde os bens são possuídos separadamente, é necessário, para sua própria paz de espírito, que um indivíduo tenha a posse de quantidade maior de bens que os outros com quem ele está acostumado a se agrupar e é extremamente gratificante possuir algo mais do que outros. Mas tão rápido como uma pessoa faz novas aquisições, e se habitua ao novo padrão resultante da riqueza, o novo padrão imediatamente deixa de proporcionar maior satisfação do que, no início, este padrão trazia. A tendência, em qualquer caso, está constantemente a fazer do atual padrão pecuniário o ponto de partida para um novo aumento da riqueza, e este, por sua vez, dará origem a um novo padrão de suficiência e uma nova classificação da própria riqueza, em comparação com a de seus vizinhos. No que se refere a presente questão, o fim pretendido pelo acúmulo é a classificação elevada em comparação com o resto da comunidade, sob aspecto de força pecuniária (VEBLEN, 1994, p.20)188.

187Palavra de origem latina cuja designação original designava a postura ou posição, entretanto, relacionada ao

ato de se estar em pé (FARIA, 1962, p.942).

FIGURA 268 – ―Castelo‖ no Condomínio Residencial Tamboré 1 —

parte do complexo de condomínios de Alphaville — Barueri, próximo a São Paulo.

Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009.

FIGURA 269 – Réplica da estátua da

Liberdade - ―Castelo‖ no Condomínio Residencial Tamboré 1 (FIG. 268). Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009.

FIGURA 270 – Condomínio Alphaville, Lagoa dos Ingleses FIGURA 271 – Vênus de Milo, Alphaville

A utilização de réplicas de obras famosas é uma recorrência em São Paulo e Belo Horizonte. Nos dois casos as réplicas são colocadas em destaque junto à entrada principal da casa. Ao visitante já se demonstra de início a distinção e ―cultura‖ de seu anfitrião. Observa-se que, embora estas obras sejam colocadas junto à entrada, sua colocação em uma lateral poderia ser interpretada como a relativização de sua importância, pois elas são parte de um bem ainda mais importante: a casa. Embora haja, nos dois exemplos, uma tentativa de fidelidade ao original, ambas ―traem‖ o original, na ―Liberdade Paulistana‖ as dimensões e proporções estão bastante diferentes de sua original, enquanto na ―Vênus Belorizontina‖ além das dimensões, a estátua ―perdeu‖ a parte inferior das pernas e manto.

Fonte: FOTO DO AUTOR, 2007. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2007.

As Figuras 268, 269, 270 e 271 enfatizam algumas das questões levantadas por Veblen, especialmente naquelas relacionadas ao destaque na comparação com sua comunidade que o proprietário desta edificação pretenderia. Sobre os incentivos à aquisição e acumulação de bens, complementa aquele autor:

O que acaba de ser dito não deve ser tomado no sentido de que não existam outros incentivos para a aquisição e acumulação do que este desejo de se exceder em níveis pecuniários e assim conquistar a estima e a inveja dos pares. O desejo de acrescentar conforto e segurança está presente e é a motivação em cada etapa do processo de acumulação em uma comunidade industrial moderna, embora o nível de necessidades, nestes aspectos seja, por sua vez, enormemente afetado pelo hábito da emulação pecuniária. Em grande extensão, esta emulação molda os métodos e seleciona os objetos de gastos no conforto e digno sustento pessoal (VEBLEN, 1994, p.21).