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UMA SUBURBANIZAÇÃO À BRASILEIRA: O CONDOMÍNIO

NOTA INTRODUTÓRIA

4 2 BELO HORIZONTE: CENTRALIDADE REAFIRMADA E SUBÚRBIO CONSIDERADO

4.7 UMA SUBURBANIZAÇÃO À BRASILEIRA: O CONDOMÍNIO

Em sua suburbanização, Brasília reproduziu a história brasileira de associação do subúrbio como local destinado a faixas da população com menor poder aquisitivo, porém sinalizando outra tendência, a de criação de áreas suburbanas (região do lago) destinadas à ―alta burocracia‖ governamental.

Pode-se conjecturar que Brasília seria um marco final em um processo de reafirmação da centralidade importante em todo o processo de urbanização brasileiro e enfatizada pelos arquitetos modernistas159, entretanto, simultaneamente à implantação de Brasília, construía-

se, em Belo Horizonte, o Condomínio Retiro das Pedras, que pode ser considerado um incipiente primeiro passo rumo a um novo modelo de suburbanização no Brasil.

Entre 1954 e 1957 foi construído o Retiro das Pedras, distante cerca de 17 Km de Belo Horizonte, na região sul, no Município de Brumadinho. Este loteamento (FIG. 254), organizado sob a forma de condomínio fechado, ajudou a estabelecer outro parâmetro de ocupação suburbana no Brasil. Não mais se criavam novos bairros exclusivamente a partir de um processo de espraiamento ―natural‖ da mancha urbana. A alternativa surgiria na forma de bairros organizados em condomínios fechados, distantes da área central e a ela acessíveis através de rodovia.

FIGURA 254 – Construção do loteamento do Retiro

das Pedras, em primeiro plano o clube recreativo. Fonte: CONDOMÍNIO RETIRO DAS PEDRAS, 2009.

FIGURA 255 – Retiro das Pedras, Clube Recreativo, ca.

1957.

Fonte: CONDOMÍNIO RETIRO DAS PEDRAS, 2009.

159 Considera-se Brasília como um marco final por sua repercussão tanto em nível nacional como internacional,

embora no caso do projeto para a cidade de Palmas, no Tocantins, haja uma grande similaridade ao projeto de Corbusier para Chandigarh, tanto nas propostas de distribuição funcional como na organização morfológica.

A área para o Condomínio Retiro das Pedras foi adquirida em 1954, pelo cineasta e jornalista José de Araújo Cotta160, para a construção de um estúdio cinematográfico. Com a

dificuldade de obter recursos para sua concretização, decidiu fazer no local — uma área de um milhão de metros quadrados — um loteamento. A área foi parcelada em 663 lotes com área mínima de 600 m². Foi construído um clube recreativo161 (FIG. 255), ao qual todos

os proprietários de lotes tinham acesso (BHERING, 2002, p. 99). A organização do loteamento, sob a forma de condomínio horizontal de acesso restrito a moradores, foi uma proposta inovadora e, até então, inédita no país.

O início de sua ocupação por moradores ocorreu em 1960, sendo sua fase inicial lenta, destacando-se a utilização das casas para finais de semana de famílias de classe-média. O acesso ao Condomínio só era possível por meio de veículos particulares. Segundo Bhering (2002, p. 99), a ocupação como local de moradia principal aumentaria nas décadas de 1970 e 1980.

O Retiro das Pedras estabeleceu um parâmetro que viria a ser seguido por vários condomínios implantados no país: condomínio horizontal, portaria com controle para acesso ao loteamento, acesso restrito a moradores e seus convidados, lotes com áreas maiores que os padrões urbanos — nos lotes urbanos o padrão é um lote com área de 360 m², enquanto nos condomínios estabelece-se um padrão que varia entre 800 e 1.000 m² —, construção apenas de uma residência por lote, uso exclusivamente residencial, clube recreativo com acesso exclusivo a proprietários e moradores do Condomínio, casas com recuo frontal de 5 metros e laterais de 3 metros, ausência de muros divisórios, exigência de jardins e grande arborização.

No caso da região metropolitana de Belo Horizonte foram construídos vários condomínios, principalmente no chamado vetor sul, no município de Nova Lima, seguindo, de certa forma o ―itinerário traçado‖ pelo Retiro das Pedras.

Em 1963 foi inaugurado o Condomínio e Clube de Golfe Morro do Chapéu (FIG. 256). Localizado no município de Nova Lima, era propriedade do médico Heraldo Lima. O processo de ocupação com um loteamento tinha como objetivo evitar a desapropriação da área por localizar-se próxima a área de captação de água para Belo Horizonte. O

160 Cotta produzia documentários de curta- metragem para exibição nos cinemas (CONDOMÍNIO RETIRO DAS

PEDRAS, 2009). Até a década de 1990 era obrigatória no Brasila exibição de curtas-metragem nacionais antes da projeção de filmes de produção estrangeira.

161O projeto da sede do clube foi elaborado pelo Arquiteto Eduardo Mendes Guimarães Júnior (BHERING, 2002,

primeiro escritório convidado foi dos Irmãos Roberto. Nesta ocasião um de seus sócios, Milton Roberto esteve na região para os primeiros contatos162. Posteriormente, foi convidado o

Arquiteto Sylvio de Vasconcellos que elaborou o projeto urbanístico (PENIDO, 2009).

FIGURA 256 – Vista geral do Condomínio

Morro do Chapéu. Fonte: PENIDO, 2009

FIGURA 257 – Vista aérea da região de Condomínios ao longo da

MG-30. Trecho do Condomínio Ville de Montagne. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009.

Em 1973, iniciou-se o processo de implantação do Condomínio Vila D’El Rey163, mais próximo

a Belo Horizonte. Ao longo da década de 1970 e 1980, vários condomínios foram construídos, principalmente no Município de Nova Lima. Ao contrário dos pioneiros Retiro das Pedras, Morro do Chapéu e Vila D’El Rey164, construídos junto à Rodovia BR-040 — ligação

Belo Horizonte / Rio de Janeiro — estes novos condomínios foram, preferencialmente, construídos ao longo da rodovia MG-30 — Belo Horizonte / Nova Lima (FIG. 257). Surgiram condomínios como Vila Campestre, Vila Castela, Ville de Montagne, Village Terrace, entre outros, fazendo com que o município de Nova Lima, em 2000, tivesse cerca de 30 condomínios (ANDRADE, 2006, p.313).

Além desta modificação de ―rota‖ — da BR-040 para a MG-30 — os nomes também tiveram alterações em suas analogias: de local bucólico ou repousante que utilizavam palavras como Retiro, Campestre, Chalé passam a ser adotados nomes preferencialmente baseados em estrangeirismos, como ville, terrace, village, etc.

É interessante notar-se alguns fatos a respeito destes condomínios mais distantes. Embora usualmente estes núcleos urbanos não sejam referenciados como subúrbios, eles guardam uma série de semelhanças com o processo de suburbanização inglês/norte-americano, notadamente nos seguintes aspectos:

162A visita do Arquiteto Milton Roberto foi acompanhada pelo Professor Ivo Porto de Menezes, a pedido de um dos

proprietários, Eloy Lima (depoimento colhido pelo autor, junto ao Professor Ivo Porto de Menezes, 2008).

163 Projeto de parcelamento aprovado pela Prefeitura de Nova Lima, em dezembro de 1973. Contava com 229

lotes e uma área total de 725.898 m². O incorporador executou o arruamento e comercializou os lotes sem implantar infra-estrutura básica (Nascimento, 2006, p. 339).

164 A ocupação por técnicos Siderúrgica Manesmann, multinacional de origem alemã, fez com que este bairro

- Foram estabelecidos, em sua fase inicial, como segunda moradia, mas, a partir de uma época não precisa (entre as décadas de 1980 e 1990), se tornaram a primeira moradia, à semelhança do processo ocorrido em Clapham, Inglaterra;

- Localizaram-se distantes da região central, sem meios de transporte público de interligação à cidade central. O transporte tinha que ser feito através de veículos particulares, tal como ocorreu nos processos de suburbanização em outras cidades. Cumpre-se ressaltar ainda que, à semelhança dos primeiros subúrbios ingleses, o meio de transporte particular só era acessível a uma minoria da população;

- Eram destinados apenas à moradia (monofunção), não sendo aceitas atividades comerciais em seu interior. Eventuais áreas ou estabelecimentos comerciais eram aceitos apenas fora de sua área de domínio;

- Vêm apresentando função de núcleo urbano dormitório. A maioria de seus moradores trabalha na região central, necessitando deslocamento diário;

- As regiões em que se situam eram bastante arborizadas e os lotes individuais, em geral dispondo de áreas muito maiores que seus equivalentes na região central;

- Quanto à tipologia das casas, tem-se caracterizado por módulos unifamiliares, localizados no meio do terreno (a legislação dos condomínios assim o exigia), realizando-se a separação com as outras residências por meio de cerca viva numa primeira etapa e, mais recentemente, em alguns condomínios, como Alphaville vem sendo permitida a construção de muros;

- Tem-se mostrado com características segregadoras, possibilitando classificar-se a maioria de seus moradores no estrato médio-alto;

- Assim como seus congêneres, traziam uma idéia de vida mais saudável, segura e fora do caos urbano, incorporando ainda um símbolo de diferenciação social que, ao longo da década de 1990, se consubstancia mais como símbolo de status e de ascensão social, principalmente após a construção dos condomínios de Alphaville. Esta postura remete à construção das villas inglesas e sua cópia pela burguesia ascendente inglesa do século XIX, que permeou, posteriormente, toda a ocupação suburbana, não só inglesa com na norte- americana e nos demais países do mundo.