• Nenhum resultado encontrado

UMA LEITURA SUBURBANA: O BAIRRO CIDADE JARDIM E A PAMPULHA

NOTA INTRODUTÓRIA

4 2 BELO HORIZONTE: CENTRALIDADE REAFIRMADA E SUBÚRBIO CONSIDERADO

4.5 UMA LEITURA SUBURBANA: O BAIRRO CIDADE JARDIM E A PAMPULHA

No inicio da década de 1940, o então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek de Oliveira152, deu início à urbanização da área do futuro bairro Cidade Jardim. Este projeto era

desenvolvido simultaneamente ao processo de implantação do Museu da Cidade (atual Museu histórico Abílio Barreto), na sede da antiga Fazenda do Leitão (FIG. 241).

FIGURA 241 – Vista de Belo Horizonte, Ca. 1935. Em primeiro plano aparece a sede da antiga fazenda do Leitão, à

direita a área onde seria construído o loteamento da cidade jardim. Fonte: AUTOR DESCONHECIDO (3), sem data.

A região que o então prefeito decidiu lotear já pertencia, parcialmente, ao município. No projeto de Aarão Reis, planta geral da Cidade de Minas, datada de 1895 (FIG. 242 e 243), a avenida do Contorno, à altura do bairro Santo Antônio, seguia no traçado da atual rua Joaquim Murtinho, atravessava o córrego do Leitão — atual avenida Prudente de Morais — prosseguindo até a região da atual avenida Raja Gabaglia. Com a mudança, a avenida do Contorno, à altura da rua Joaquim Murtinho, acabou fazendo curva à direita, seguindo o traçado de uma antiga avenida, denominada de Itacolomi.

FIGURA 242 FIGURA 243

Planta para a cidade de Minas — Belo Horizonte — elaborada por Reis em 1895. Neste traçado, a avenida do Contorno seguiria em trecho atualmente ocupado pela Rua Joaquim Murtinho. Na Figura 242 está assinado o atual trajeto da avenida do contorno e, na Figura 243, está indicada em hachura, a área desapropriada em função deste primeiro projeto que seria parte dos bairros Vila Ineco e Cidade Jardim.

Este desvio proveria à Prefeitura de um estoque de área, que futuramente poderia ser parcelado separadamente. Uma das glebas, localizada na encosta da margem direita do córrego do Leitão, foi incorporada ao antigo bairro Vila Ineco153. A outra gleba, localizada

na encosta menos íngreme, na margem esquerda do mesmo córrego, foi parcelada e originou parte do bairro Cidade Jardim. A esta área foi incorporada outra, adquirida pela prefeitura junto ao Ministério da Agricultura. Em 1948, através da Lei nº. 39 (Anexo 06), sancionada pelo então prefeito Octacílio Negrão de Lima154, foram estabelecidos os

parâmetros iniciais de construção para o bairro, posteriormente modificados através da Lei nº. 220/51 (Anexo 07), sancionada pelo prefeito Américo René Giannetti155.

O plano para a ocupação da região constava do planejamento da urbanização de Belo Horizonte, elaborado por Lincoln Continentino no final da década de 1930, durante a gestão do Prefeito José Oswaldo de Araújo156 (GOMES; LIMA, 2005, p.129).

Inspirados no sucesso de outros bairros-jardim existentes no Brasil, como os bairros jardim de São Paulo e Laranjeiras no Rio de Janeiro, este bairro foi planejado para ser um local muito arborizado, com casas ladeadas por jardins e sem muros altos. Os lotes tinham área de 1.000 m² com 25 metros de testada. Estabeleceram-se vários parâmetros, específicos em sua urbanização, como o uso exclusivamente residencial, o recuo frontal mínimo de 10 metros das edificações e a proibição de fechamentos com muros.

Cumpre-se notar ainda que o bairro Cidade Jardim cumpriria uma função congênere aos subúrbios, em particular aos faubourgs de Paris. Seu sucesso e ocupação por uma burguesia mais rica desafiou um ―consenso‖ de que a área ―fora‖ do perímetro da avenida do Contorno (ou suburbana) era estigmatizada como destinada a populações de menor poder aquisitivo ou para atividades socialmente toleradas, mas que não deveriam ser ―explicitadas‖, como a localização, fora do anel da Contorno, do bairro da Lagoinha, onde se instalou o cemitério da nova capital e também operários e uma região ocupada por prostituição.

A construção e ocupação do bairro Cidade Jardim viabilizaram a abertura de outros bairros fora do perímetro da Avenida Contorno, na região suburbana, como Sion, Anchieta, Santo Antônio, etc. É interessante observar que a expansão para além dos limites da área da

153Este bairro, posteriormente, foi incorporado ao bairro Santo Antônio.

154Prefeito entre 8 de abril de 1935 e 18 de abril de 1938 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2009). 155Prefeito entre 1 de fevereiro de 1951 e 6 de setembro de 1954 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE,

2009).

avenida do Contorno ocorreu sem que toda a área interna tivesse sido ocupada, como mostra a Figura 244.

FIGURA 244 – Vista aérea de Belo Horizonte na região do bairro Cidade Jardim, 1956. O bairro Cidade Jardim (1)

encontra-se em fase de implantação. Pode-se observar que uma área pouco maior (2) no interior da avenida do Contorno correspondente a parte do bairro de Lourdes ainda está desocupada. O bairro Vila Ineco (3) ocupa a vertente da margem direita do córrego do Leitão (4).

Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. CENTRO DE ESTUDOS HISTORICOS E CULTURAIS, 1997, p. 73.

Simultaneamente à construção do bairro Cidade Jardim, o então Prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitscheck inicia a ocupação das margens da Pampulha. O plano da Prefeitura previa a implantação de equipamentos de lazer nas margens da lagoa — cassino, hotel, clube recreativo e casa noturna — além de uma igreja e de um bairro residencial destinado à população de alto poder aquisitivo.

A ocupação da Pampulha surgiu de um interesse do Interventor Benedito Valadares de inserir a capital mineira no circuito dos cassinos. Sua proposta inicial era a construção deste equipamento na região do Acaba Mundo — atual bairro Sion. Quando Kubitscheck assumiu a Prefeitura, em 1940, decidiu-se ampliar o projeto com a construção de um bairro com outros equipamentos recreativos anexos.

O local escolhido foi a região da Barragem da Pampulha (FIG. 245), construída em 1938 para represar o Ribeirão da Pampulha157. O bairro (FIG. 246) deveria ser recuado 500 metros

da margem da lagoa, onde seria construída uma avenida. Seus lotes deveriam ter, no mínimo, área de 1.000 m² e 20 metros de testada, a ocupação no interior do bairro seria exclusivamente residencial.

157Projetada por Henrique de Novais, foi construída durante a gestão do Prefeito Otacílio Negrão de Lima, para

FIGURA 245 – Barragem da Pampulha, ca. 1943-46.

Fonte: ARAÚJO, 1997, p.168.

FIGURA 246 – Vista área da Pampulha, 1948. Pode-se

observar o bairro com poucas casas e também o fato de ser um local isolado.

Fonte: CASTRO, 2006, p. 474.

O conjunto arquitetônico (FIG. 247 e 248), projetado por Oscar Niemeyer em 1942, foi inaugurado pelo então Presidente Getúlio Vargas em 1943, apenas 9 meses após os primeiros desenhos do Arquiteto (CAVALCANTI, 2006, p. 198). Com Niemeyer trabalharam, na concepção plástica e paisagística, Candido Portinari — responsável pela pintura da igreja e azulejo das edificações —, Roberto Burle-Marx — paisagismo —, João Ceschiatti — esculturas — e Paulo Werneck — mosaicos.

FIGURA 247 – Capela de São Francisco de Assis,

ca. 1943-49.

Fonte: ARAÚJO, 1997, p.166.

FIGURA 248 – Cassino da Pampulha, ca. 1943-46.

Fonte: ARAÚJO, 1997, p.168.

Enquanto a Cidade Jardim introduzia o conceito de construção de bairros destinados à Classe-média na região suburbana estabelecida pelo plano de Aarão Reis, a Pampulha pode ser classificada como um verdadeiro subúrbio, não só pela distância do centro, como por seu completo isolamento do restante da cidade, que pode ser observado nas Figuras

Observa-se, nas duas grandes intervenções urbanizadoras de Kubitscheck em Belo Horizonte no início da década de 1940, opções distintas quanto aos conceitos arquitetônico/urbanísticos. Na Cidade Jardim, a principal referência são os bairros Jardim construídos em São Paulo que, por sua vez, remetem ainda que de forma indireta — à cidade-jardim de Ebenezer Howard. Na Pampulha, opta-se por uma aproximação com os modernistas, personificados pela figura de Oscar Niemeyer. Cumpre-se ressaltar que Pampulha se ligará mais à arquitetura que ao urbanismo modernista. Neste aspecto, a importância da Pampulha é inegável, como lembra Frampton (2000, p. 311), ao se referir ao Cassino, que Niemeyer ―reinterpretou a concepção corbusiana de uma promenade

architecturale em uma composição espacial de extraordinário equilíbrio e vivacidade‖.

Complementarmente, se, em sua forma, a urbanização do bairro na Pampulha não se ligava à concepção urbanística modernista, era, em sua relação com a cidade, uma abordagem inédita em se tratando do Brasil, numa implantação que se referenciava a um subúrbio, como o que se construía nos Estados Unidos desde o final da década de 1920: núcleo urbano de casas, destinadas à classe-média, utilização exclusivamente residencial, distante da região central da cidade — distante cerca de 12 km — e acesso através de automóveis particulares.

A partir destes parâmetros, pode-se associar a construção dos bairros Cidade Jardim na zona suburbana e da Pampulha na zona norte, como marcos referenciais de início da suburbanização da capital mineira. Este princípio se consolidaria nas décadas seguintes, com o surgimento de novos bairros na zona suburbana, destinados primordialmente à classe média, observando-se que, em sua evolução, a certa altura, a moradia nestes bairros tornar- se-ia um símbolo de status maior do que na região central.

O processo de expansão para áreas mais periféricas permaneceria ao longo das décadas seguintes. Em geral, esta suburbanização belorizontina se estabeleceria mediante a expansão da mancha urbana, com a construção de loteamentos a partir do esgotamento de outros, nos limites da cidade, especialmente em suas vertentes sul e sudoeste.