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NOTA INTRODUTÓRIA

CAPÍTULO 04 SUBURBANIZAÇÃO BRASILEIRA: DO EXCLUÍDO AO EXCLUIR-SE

4.1 UMA URBANIZAÇÃO CENTRALIZADORA

Criar ―cidades européias transplantadas há uma enorme distância‖ esta era a premissa dos portugueses e espanhóis, segundo Benevolo (1995, p. 136). A cidade, diz Pöete (2000, p.127), tem seu destino traçado pelo sítio geográfico e por seus caminhos e sua conseqüente interligação com a rede de vias que a interligam a outras cidades. Os núcleos urbanos construídos pelo colonizador europeu nas Américas tinham uma clara função de assegurar a posse do espaço. Seja à maneira dos espanhóis, ocupando as cidades dos antigos povos e a elas sobrepondo seu traçado organizador e suas edificações, seja no processo português de marcar território e ser um instrumento de espacialização e de ocupação.

O processo de interiorização e de urbanização era utilizado pela coroa portuguesa como ―instrumento estratégico privilegiado para garantir a posse do território, tanto simbólica quanto efetiva‖ (MORAES, 2006, p.115). Reconhecer, identificar e marcar o território

tomando posse, ainda que no papel antes de sua efetivação territorial, eram imperativos ao domínio colonial.

Lembra Moraes (2006, p.115) que, para garantir essa posse, no entanto, era preciso concretizá-la por meio da ocupação efetiva do território, tanto em termos das condições mínimas para se poder resistir e combater invasões, como para melhor explorá-lo, dando ainda suporte a argumentações futuras, baseadas no princípio do uti possidetis. E isso se deu de forma extremamente objetiva e pragmática na América Portuguesa, o que se revelou nos ritmos e nas intensidades diferenciados, verificados nos esforços de povoamento.

Neste processo de busca da posse e de assegurar o domínio sobre a terra conquistada, o colonizador português utilizou sua referência urbana mais ―recente‖ e que, complementarmente, marcava em seus assentamentos não só a posse como explicitava a intenção de sua manutenção. Analisando-se a morfologia dos núcleos urbanos na América portuguesa, remete-se a recorrência de elementos característicos da cidade medieval: localização em pontos estratégicos, mancha urbana claramente nucleada e traçado ―orgânico‖ das vias e, principalmente, transposição da associação pejorativa ao subúrbio.

Em seu período como colônia, lembra Iglésias (2007, p. 37), o Brasil era ―[...] eminentemente rural, Minas é urbana‖ e completa lembrando que seus núcleos urbanos eram ―simples arraiais‖. E esta importância da urbanização é enfatizada por Monte-Mór (2001, p. 5) ―[...] as cidades mineiras não apenas foram responsáveis por uma economia e cultura urbanas expressivas e contemporâneas do nascimento da modernidade burguesa européia, mas respondem também pela primeira integração macro-regional no território brasileiro‖.

Os pequenos aglomerados urbanos desenvolviam-se durante a fase de mineração como núcleos que cresciam no entorno da praça134 que se impunha como o local onde,

preferencialmente, procuravam se localizar a igreja, a sede do poder público e a casa da burguesia. A praça era o elemento centralizador urbano e dos poderes, econômico, político e religioso135.

A periferia das cidades mineradoras era, na maior proximidade possível, ocupada por chácaras136 que tinham como principal função abastecer os núcleos urbanos com gêneros

alimentícios, além de pequenos arraiais que não se configuravam como subúrbios, mas que,

134Ramos (1972, p.146) ao analisar a importância da praça na conformação de Vila Rica (Ouro Preto), diz que ―é

digna de atenção por causa de sua influência em criar um padrão para a cidade. A praça tem um papel muito importante como eixo da cidade e como seu agente de unificação‖.

135A Carta Régia, enviada Governador Gomes Freire de Andrada em 2 de maio de 1746, pelo Rei D. João V. Para

conteúdo da carta vide Anexo 9.

por sua localização, proximidade e influência de um núcleo urbano importante, assemelham-se a padrões do medievo.

Magalhães (1985, p.119) cita que havia uma grande diferença de preços entre casas localizadas em Vila Rica e outras, localizadas em arraiais próximos como Água Limpa, Santo Antônio da Casa Branca, Passagem do Brito, Macabeu, Lavras Novas e mesmo algumas um pouco mais distantes como Cachoeira, Santo Antônio do Itatiaia, Ouro Branco e Ouro Fino. Ao acolher uma população com menor poder aquisitivo e, complementarmente, ser uma localidade que economicamente não dependia totalmente do núcleo principal, este arraial vizinho apresentava várias similaridades com o subúrbio medieval e, ao mesmo tempo, distinguia-se por sua relativa ―independência‖ ou vida própria. Este arraial próximo era, simultaneamente, um subúrbio ao acolher uma população que trabalhava no grande centro e residia na periferia e também um núcleo urbano com vida econômica própria, com comércio, agricultura e, naturalmente, mineração.

FIGURA 193 – Planta de Vila Rica, ca. 1775-1800. Pode-se observar a Chácara do Capitão Jerônimo Fernandes

Macedo (1), posteriormente transformada em Jardim Botânico De Ouro Preto (1825), Chácara de José Ribeyro Guimarães (2), posteriormente se instalou o Hospício (Hospedaria) da Terra Santa, Campo Grande (3), região de algumas chácaras, mais distante, um pouco além do limite deste mapa, localizava-se a Arraial de Antônio Pereira (4), Chácaras de Francisco de Paula Soares Ferreira (5) e do Capitão Machado de Castro (6), saída para Chapada, Saramenha, Lavras Novas, Ouro Branco, Santa Rita de Ouro Preto e Itatiaia (7), estrada para São Bartolomeu e Cachoeira (8), Taquaral (9), então um subúrbio da cidade, marcado pela centralidade da Capela de Bom Jesus das Flores137, caminho para Passagem de Mariana (10), localizava-se um pouco além do limite deste

mapa, os arraiais de mineração: Morro de São Sebastião (11), Morro de Santana (12), São João, onde a bandeira de Antônio Dias parou e reconheceu a pedra menina (Itacolomi), objetivo da busca do ouro (13), Morro da Piedade (14), e ainda, Morro da Queimada (15), Morro de Santa Quitéria, atual Praça Tiradentes (16), Arraial do Pilar (17), Arraial de Antônio Dias (18), região do Alto da Cruz (Santa Efigênia) (19), região das Cabeças (20). Cumpre-se ressaltar que, neste mapa, os arruamentos não têm precisão e as referências são aproximadas. Fonte: REIS; BUENO; BRUNA, 2000, p. 215 (modificado pelo autor).

137Nesta Capela de Bom Jesus das Flores quando de sua restauração, ca. 1970, descobriu-se pinturas dedicadas a

Outra forma de ―suburbanidade‖ foi aquela adotada nas fazendas. A habitação rural, a sede da fazenda do grande proprietário de terras passou, por transformações de uma residência eminentemente rural (FIG. 194), com características morfológicas específicas do que se denominou como arquitetura rural138, para, no século XIX, sofrer profundas

modificações em sua tipologia (FIG. 195). Ao longo deste século, a sede de fazenda adquire características arquitetônicas e de conforto que a aproximam de uma tipologia tipicamente urbana. A casa de fazenda se transformou em um tipo de habitação que se aproxima de um conceito próximo ao que se denomina como villa. Este novo ―modelo‖ de sede de fazenda teve o apogeu nas casas de fazenda da região produtora de café na região do vale do Rio Paraíba (FIG. 196).

FIGURA 194 - Fazenda da Alegria, perto de Santa

Rita Durão, Município de Mariana. Construção rural, típica do século XVIII em Minas Gerais. Fonte: SANTOS; IGLÉSIAS; MENEZES, 2007, p.106.

FIGURA 195 – Fazenda Santo Antônio, Município de

Esmeraldas, MG. A sede da fazenda construída entre 1818 e 1822, seu proprietário era o Desembargador José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, Barão e Visconde de Caeté, primeiro presidente da Província de Minas Gerais. Ali morou o Presidente do Estado Fernando de Melo Viana.

Fonte: AUTOR DESCONHECIDO (1)

FIGURA 196 – Fazenda Paraíso, em Porto das Flores, Município de Rio das Flores, RJ. Era a principal fazenda de

Domingos Custódio Guimarães, Visconde do Rio Preto, era famosa por suas festas suntuosas. Foi a primeira fazenda a receber iluminação a gás no Brasil.

Fonte: PIRES, 1980, p.42.

138Menezes (1969, p. 11) lembra que na arquitetura rural não se tratava de uma construção isolada, mas de um

conjunto distribuído, em geral, em torno do pátio onde predominava a sede. A elas se tinha acesso através de um portão, aberto no muro circundante, com ―telhadinho encachorrado‖. A sede tinha varanda fronteira, geralmente de telhado puxado, com capela e quarto de h6spedes nas laterais. Térrea ou elevada colocava, na parte inferior, dep6sitos e quartos dos agregados, enquanto a superior abriga a família.

Os senhores, principalmente os proprietários de fazendas de café, mantinham sua villa no campo (FIG. 197) e construíam também luxuosa residência na cidade, preferencialmente na praça principal, próxima à Igreja Matriz ou em suas imediações. (FIG. 198).

FIGURA 197 – Fazenda Lordelo, localizada no Município de

Porto Novo do Cunha, RJ, construída por Honório Hermeto Carneiro Leão, Marques do Paraná.

Fonte: PIRES, 1980, p.52.

FIGURA 198 - Casa do Barão do Ribeirão,

Vassouras, RJ. A casa em estilo neo-clássico tem um estilo imponente e ―aristocrático‖ conveniente à nobreza de seu proprietário. Fonte: TELLES, 2006, p.71.

Observa-se neste caso, no Brasil do século XIX, a ocorrência de um fenômeno semelhante ao italiano e inglês, onde se construíam villas suburbanas e casas — palácios — na cidade139.

Um exemplo significativo foram as duas construções feitas por Antônio Clemente Pinto — Barão de Nova Friburgo — e seu filho, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho — Conde de Nova Friburgo. Contrataram o arquiteto Carl Friedrich Gustav Wehnelt140 para projetar a sede de

sua fazenda (FIG. 199), no município de Cantagalo e também para o projeto de sua residência na corte, construída entre 1858 e 1866 (FIG. 200). Esta construção foi incorporada ao patrimônio da união em 1896, tornando-se a sede do poder executivo, o Palácio do Catete (LESSA, 2001, p.148).

FIGURA 199 – Fazenda Gavião, município de Cantagalo,

RJ, construída pelo do Barão de Nova Friburgo. Fonte: PIRES; MIRANDA; CZAJKOWSKI, 1990, p.46.

FIGURA 200 – Residência do Barão de Nova

Friburgo, Rio de Janeiro, Ca. 1897, atual Palácio do Catete. Observa-se nesta fachada a presença de esculturas de musas compradas da Fundição Val D'Osne, na França, substituídas, no inicio do século XX por esculturas de águias.

Fonte: FERREZ, [1897] 2009

139 No, capítulo 1, destacam-se exemplos como o do Palazzo e Villa Chericati construídos, respectivamente em

Vicenza e Vancimuglio (próximo a Vicenza), na Itália e a Burlington house em Londres e a Villa em Chiswick, Inglaterra.

Cumpre-se observar que se, por um lado, ao construir uma sede de fazenda com uma tipologia urbana, o proprietário rural do século XIX poderia estar ―urbanizando‖ o campo e mesmo prenunciando um início de processo de suburbanização; por outro lado, ao construir sua casa na cidade, reafirmando a centralidade ao procurar localizá-la em uma praça ou via importante e central.