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CAPITULO II – A PRÁTICA EM CONTEXTO DE TRABALHO

3. A prática|practicum enquanto dispositivo de desenvolvimento profissional docente em

3.1 Em torno do(s) conceito(s) de desenvolvimento profissional docente

Como sucede com quase todos os conceitos em educação, também o conceito de desenvolvimento profissional, dado o seu caráter polissémico, reenvia para uma diversidade de expressões e significados distintos. Não sendo o propósito deste trabalho aprofundar o debate acerca do desenvolvimento profissional docente, ao longo da presente secção, procurar-se-á no entanto clarificar o conceito de desenvolvimento profissional em que nos situamos, através de aproximações sucessivas às diversas conceptualizações produzidas pela investigação de referência.

Com muita frequência, na bibliografia, as palavras e expressões desenvolvimento profissional, processo de desenvolvimento profissional e formação contínua emergem como equivalentes e sinónimas, aplicando-se quer para descrever os mecanismos que promovem o desenvolvimento quer para referir o conjunto de mudanças que se operam como resultado da ação desses mecanismos. Mas, os mecanismos de promoção do desenvolvimento profissional não se podem confundir nem com o desenvolvimento propriamente dito nem com o processo de desenvolvimento, como mostram Estrela e Estrela (2006). Enquanto o desenvolvimento profissional corresponde a “processos de mudança da pessoa em relação com o trabalho, operadas ao longo da carreira e que decorrem de uma pluralidade de fatores (…)” (Idem:75), a formação contínua é apenas uma das estratégicas que podem promover esses processos e pode ser percebida como “(…) o conjunto de atividades institucionalmente enquadradas que, após a formação inicial, visam o aperfeiçoamento profissional e pessoal do professor (…)” (Ibidem:75). São assim distintos os conceitos de desenvolvimento profissional e o de formação contínua, embora apareçam com alguma frequência como equivalentes (Cruz Tomé,

1999 citado por Almeida, 2012) e possam ser ambos incluídos no de processo de desenvolvimento profissional.

Conforme salienta Day, o desenvolvimento profissional docente não exclui a formação contínua, mas envolve um contexto de aprendizagem muito mais vasto:

“O desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas de

aprendizagem e as atividades conscientemente planificadas, realizadas para benefício, directo ou indirecto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem, através destes, para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, revêem, renovam e ampliam, individual ou colectivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e prática profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais” (Day, 2001:20-21).

Este entendimento é aliás partilhado por muitos autores entre os quais e para lá dos já referidos, nos permitimos destacar (Almeida, 2014, 2012; Garcia, 2009; Morais e Medeiros, 2007; Feixas, 2002; Ponte, 1998; Eraut, 1994; Fullan, 1990).

O conceito de desenvolvimento profissional comporta em si, por um lado, uma conotação dinâmica que anula a fragmentação que a conceção escolarizada da formação tradicionalmente impõe quando a restringe a oportunidades formais de aprendizagem profissional promovidas por entidades competentes e, por outro lado, constitui um conceito mais amplo. Inclui um vasto leque de atividades que afetam o processo de aprender a agir profissionalmente e o crescimento intelectual e profissional dos professores, supera a rígida sequência formação inicial – formação contínua, centrando- se no profissional e na pessoa do formando, dando relevo às aprendizagens realizadas ao longo da vida e, particularmente, às realizadas em situação de trabalho. Partilhamos, pois, uma conceção de desenvolvimento profissional que não o restringe à formação contínua e o articula de forma decisiva com as dinâmicas das situações de trabalho. Assim, o conceito de desenvolvimento profissional surge associado ao conceito de mudança:

“(…) desenvolvimento profissional e processos de mudança são variáveis intrinsecamente

unidas. O desenvolvimento profissional procura promover a mudança junto dos professores, para que estes possam crescer enquanto profissionais – e também como pessoas” (Garcia, 2009:15),

Clarke e Holingsworth (2002), sistematizam diferentes conceções de mudança, associando-as a diferentes perspetivas de desenvolvimento profissional docente, o que significa que a mesma, poderá ser o resultado da conjugação de diferentes fatores, ora em virtude da formação, ora pelo contacto com situações reais e necessidades de adaptação ou, ainda, para dar resposta às solicitações do próprio sistema. A saber: mudança como formação (o que significa que a formação induz mudança nos professores); mudança como adaptação (o professor muda face a uma determina exigência, organizacional ou outra); mudança como desenvolvimento pessoal (o professor procura a mudança com o objetivo de melhorar o seu desempenho e desenvolver novas competências ou estratégias); mudança como modificação local (o professor muda com vista ao seu crescimento pessoal); mudança como reestruturação sistémica (o professor coloca em prática as orientações normativas e políticas de mudança do sistema); mudança como crescimento ou aprendizagem (a mudança no professor ocorre em virtude do próprio desenvolvimento da sua atividade profissional). Para os autores, estas diferentes perspetivas não se excluem, contrariamente, estão interrelacionadas.

Procurando perceber como se dão os processos de mudança nas estruturas mentais dos sujeitos e qual a sua influência no desenvolvimento profissional docente, a investigação tem dado especial atenção à dimensão pessoal do professor, (crenças, conceções, teorias implícitas, rotinas, preocupações, etc.) (García, 2009, 1999). Porém, alguns autores defendem que a mudança pode não significar necessariamente progresso ou desenvolvimento, podendo a mesma ser de natureza regressiva ou adaptativa (Morais e Medeiros, 2007; Cruz, 2006; Zabalza, 2004). Neste âmbito, a mudança pode estar associada a “(…) uma necessidade de sobrevivência dos indivíduos ou de instituições podendo até revelar retrocessos ou abandono da trajetória de desenvolvimento desejada” (Almeida, 2012:97). Para que a mudança ocorra tem de haver lugar à aprendizagem, o que só é possível

“(…) com implicação do sujeito nos seus próprios processos de desenvolvimento

profissional, quer seja através da reflexão sobre a sua experiência, quer através de outros processos que potenciem a construção de aprendizagens significativas, sendo o professor agente ativo da sua aprendizagem” (Idem:105).

A noção de desenvolvimento profissional é também frequentemente confundida com percurso ou carreira profissional, como antes referimos. Apesar de ambos os processos poderem por vezes ser coincidentes ou influenciar-se mutuamente, estes são processos

distintos. Huberman (1992 citado por Almeida, 2012) diferencia claramente as noções de carreira e de desenvolvimento profissional docente. De acordo com o autor, a carreira profissional pode ser definida, como o percurso que um individuo faz em determinada organização. Já o desenvolvimento profissional deve ser perspetivado segundo o percurso que o profissional faz no desempenho da sua atividade profissional e na sua vida pessoal. Sublinha ainda o autor, que estas trajetórias podem ser mais ou menos coincidentes e pressupõem a interação entre eixos, tais como: a carreira, o exercício profissional e a dimensão pessoal, que no seu conjunto, denomina de Ciclo de Vida do professor. No contexto do presente trabalho, assume-se que apesar de não ser possível dissociar desenvolvimento profissional de percurso de carrreira, estes não se confundem, sendo a carreira uma variável cuja influência se faz sentir no processo de crescimento pessoal e profissional docente.

A ideia de aprendizagem e desenvolvimento continuado é genericamente salientada pelos mais diversos autores, quer em estudos no âmbito dos professores do ensino não superior (Marcelo, 2009; Sachs, 2009; Morais e Medeiros, 2007; Cruz, 2006; Villegas- Reimers, 2003; Day, 2001, entre outros), quer do ensino superior (Mukamurera & Uwamariya, 2005; Feixas, 2004, 2002, entre outros) enquanto fenómenos indissociáveis do desenvolvimento profissional. De modo extensivo Liberman (1994 citado por Nóvoa, 2007) subscreve o pensamento de que o conceito de desenvolvimento profissional vai muito para além do “consumismo de cursos” pois, radica na ideia de que os professores se envolvem ao longo da vida num processo continuado de aprendizagem, em que a inquirição das práticas, através da reflexão, representa um papel preponderante. Sublinha o autor que:

“(…) o conceito de desenvolvimento profissional assume que o professor é um prático

reflexivo, alguém com um conhecimento tácito de base, que continuamente constrói sobre aquela base através da pesquisa da prática, repensando e reavaliando constantemente os seus valores e prática, em concertação com os outros” (p.15).

Esta conceção de desenvolvimento profissional, dada a sua amplitude, abarca “(…) quaisquer atividades ou processos tentando melhorar destrezas, atitudes, compreensão ou atuação em papéis atuais ou futuros” (Fullan, 1990:3), pelo que, mais do que colmatar défices ou lacunas de conhecimento, ela veicula a ideia de “aporte contínuo de ferramentas” que visem facilitar a aprendizagem profissional ao longo de todo o percurso profissional (Darling-Hamond et al., 2009; Korthagen & Verkwyl, 2007; Day, 2001), abrangendo as diversas dimensões do sujeito (ao nível pedagógico, cognitivo,

teórico, conhecimento e compreensão de si, etc.) (Imbernón, 1999; Fullan, 1990), implicando a participação ativa deste no seu próprio processo de aprendizagem e desenvolvimento, ainda que matizada pelos contextos (Sá-Chaves, 2000).

É importante realçar que a aprendizagem do docente não se processa no vazio. Ela acontece, dependendo, em parte, dos ambientes organizacionais, das condições e da temporalidade nas quais os professores exercem a sua atividade (Kelchtermans, 2009). Morais e Medeiros (2007) complementam esta ideia, afirmando que o sistema de desenvolvimento profissional do docente, enquanto processo “(…) interativo, inacabado, dependente do indivíduo” é admitido, concomitantemente, como “(…) dependente das possibilidades do meio, enquanto determinante na construção do seu saber e da sua pessoalidade” (p.62). Nesta perspetiva, torna-se necessário compatibilizar o desenvolvimento profissional do professor com o desenvolvimento organizacional do estabelecimento de ensino, processo que, na opinião de Day (2001), deve atender a seis princípios: (i) o desenvolvimento do docente é contínuo, realizando- se ao longo de toda a vida; (ii) deve ser autogerido, contudo, devendo ser da responsabilidade conjunta do professor e da instituição de ensino; (iii) deve ser apoiado, dispondo de recursos materiais e humanos necessários à sua concretização; deve responder aos interesses do professor e da escola, embora possa não ser em simultaneidade (iv) deve configurar-se como um processo credível; e (vi) deve ser diferenciado, de acordo com as necessidades dos professores, designadamente, as específicas da sua etapa de desenvolvimento profissional.

Na mesma linha de ideias, Garcia (2009:9-10) define o desenvolvimento profissional como um processo individual ou coletivo que deve concretizar-se no local de trabalho do docente (enquanto processo de (re)configuração profissional individual e coletiva), contribuindo para o desenvolvimento das suas competências profissionais, através de experiências de índole diferente, tanto formais como informais e que deve estar intimamente relacionado com o desenvolvimento da instituição de ensino, com o desenvolvimento e a inovação curricular, com o desenvolvimento do ensino e com o desenvolvimento da profissionalidade docente. Gómez (1999), define desenvolvimento profissional como:

“(…) processo que protagonizam os docentes (a nível individual e colectivo) para, ao

mesmo tempo que tratam de melhorar as suas condições laborais, melhorar a sua atuação docente (…), orientada por um modelo de escola, um modelo de desenvolvimento humano e um modelo de sociedade”(p. 181).

Desta forma, entende-se que o sentido que o desenvolvimento profissional de cada professor assume é sempre resultante da influência mútua das biografias pessoais e das influências (diretas e indiretas) que os contextos onde a atividade profissional é desenvolvida exercem sobre ele (Garcia, 2009; Morais & Medeiros, 2007; Cruz, 2006; Mukamurera & Uwamariya, 2005; Zabalza, 2004; Feixas, 2004, 2002; Villegas- Reimers, 2003; Day, 2001; Imbernón, 1999; Fullan, 1999; Gómez, 1999; Huberman et al., 1997, entre outros). Sob esta perspetiva, a influência do desenvolvimento profissional do indivíduo no desenvolvimento das instituições “(…) não pode ser negligenciada, devendo o primeiro ser assumido como uma forma de desenvolvimento do segundo” (Almeida, 2012:102), dito de outro modo, o desenvolvimento profissional pressupõe a preocupação não só com as necessidades individuais e profissionais mas também com as organizativas (Marcelo, 2009).

Conforme temos vindo a mostrar, o conceito de desenvolvimento profissional docente tem vindo a modificar-se nas últimas décadas, motivado pela evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Numa revisão da investigação efetuada em torno do desenvolvimento profissional, Villegas-Reimers (2003), evidencia que ultimamente se tem vindo a considerar que este é um processo que integra diferentes tipos de oportunidades e de experiências, cuja finalidade última é promover o crescimento pessoal e profissional dos professores, sendo as suas principais caraterísticas: (i) baseia-se no construtivismo e não em modelos transmissivos (o professor é um sujeito que aprende de forma ativa ao estar implicado em tarefas concretas de ensino, avaliação, observação e reflexão); (ii) é um processo a longo prazo (os professores aprendem ao longo do tempo); (iii) é um processo que tem lugar em contextos concretos (as experiências mais eficazes para o desenvolvimento profissional docente são aquelas que ocorrem nos contextos de trabalho e que estão diretamente relacionadas com as atividades quotidianas dos docentes integrando práticas pessoais, curriculares, de ação didática e especificamente no caso da formação em Enfermagem o próprio ato de cuidar); (iv) está relacionado com processos de reforma da escola (na medida em que estes tendem a reconstruir a cultura escolar, na qual os professores são implicados); (v) o professor é visto como prático reflexivo e alguém que é detentor de conhecimento prévio; (vi) é concebido como um processo colaborativo (que no caso do ensino em Enfermagem implica não só colaborar como os pares mas também com os enfermeiros|equipa multidisciplinar dos contextos); (vii) pode adotar diferentes formas

em diferentes contextos (escola, organizações de saúde, organizações de apoio social, entre outras...).

Rodrigues (2006), define desenvolvimento profissional numa perspetiva bastante interessante e abrangente, fazendo emergir o seu caráter unificador, radicado na ideia de que os professores se envolvem, ao longo da vida, num processo sistemático de aprendizagem formal e informal, quer pela via da formação quer através do questionamento das práticas em situação de trabalho, por via da reflexão e do (re)investimento dos seus resultados nas práticas, num processo recursivo. Para a autora, aceitar este conceito de desenvolvimento profissional, implica necessariamente conceber o professor: como adulto, portador de uma biografia e de desejos e projetos; como autor do seu cursus vitae, logo autónomo e responsável; como profissional, que se implica na procura de formação mais que aceita a oferta externa, logo capaz de diagnosticar as suas próprias necessidades de formação. Que se implica de forma reflexiva e não tecnicista na transformação das práticas tendo em atenção o contexto onde atua; que concebe as atividades de formação não como um fim em si mesmas, mas como meio para atingir metas objetiváveis e questionáveis; que percebe as atividades de formação como um instrumento de poder para promover mudança e|ou ajustamentos e, ainda, que exige das atividades de formação, mudanças de comportamentos e de atitudes que possam adequadamente ser (re)investidos nas situações de trabalho quotidiano, melhorando significativamente os seus resultados.

Em suma, trata-se de um processo contextualizado e a longo prazo, que contribui para o desenvolvimento das competências profissionais do docente em Enfermagem, isto é, dos conhecimentos, capacidades, atitudes e valores, facilitadores da tomada de decisão nas situações singulares do exercício profissional, seja na academia ou nos contextos profissionais. Por conseguinte, tal processo, pela sua natureza, não pode ser nunca concebido em exterioridade relativamente às situações de trabalho, para as quais se supõe que prepara (Rodrigues (2006).

3.2 A prática|practicum enquanto lugar de socialização e construção identitária do