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CAPÍTULO III – OPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS

2. Fundamentos epistemológicos da investigação: Abordagem qualitativa

Os métodos usados numa investigação devem ser guiados e informados por um paradigma, entendido como construção humana, na forma de um “(…) sistema de crenças básicas baseadas em considerações de natureza ontológica, epistemológica e metodológica” (Guba e Lincoln, 1998:200), que proporciona uma determinada visão do mundo (Bogdan e Biklen, 1994). Estas três dimensões necessariamente interpelam o investigador no momento de fazer opções.

As considerações de natureza ontológica prendem-se com a forma e a natureza da realidade e aquilo que podemos saber sobre ela. Sob esta ótica, é diferente assumir a existência de uma realidade única, objetiva, independente de quem conhece ou, pelo contrário, uma realidade como aquela em que se situa o nosso objeto de estudo que se carateriza pela complexidade e multidimensionalidade. As questões epistemológicas dizem respeito à “(…) natureza da relação entre o que se sabe ou pode vir a saber e o que é possível saber-se” (Guba e Lincoln, 1998:201) e estão intimamente relacionadas com as primeiras, ou seja, com a conceção que o investigador tem da realidade. Por último, as considerações de natureza metodológica ligam-se tanto com a forma de conceber a realidade como com a própria natureza do conhecimento que é possível obter, e traduzem-se no modo de proceder do investigador por forma a chegar ao conhecimento que acredita ser possível obter acerca do objeto de estudo (Guba e Lincoln, 1994).

Nas ciências sociais, nas quais se inserem as Ciências da Educação, têm prevalecido essencialmente duas perspetivas teóricas principais: a positivista que procura conhecer os factos e causas dos fenómenos sociais independentemente dos estados subjetivos dos sujeitos, e a fenomenológica que procura compreender os fenómenos sociais desde o ponto de vista dos próprios sujeitos. Estas duas posturas epistemológicas sustentam conceções distintas acerca da natureza do conhecimento e da realidade e são o suporte conceptual que opõe os méritos relativos aos dois paradigmas divergentes: o quantitativo, também chamado de tradicional, positivista, racionalista, empírico- analítico ou empiricista (Shaw, 1999; Mertens, 1998; Latorre et al., 1996; Usher, 1996) e o qualitativo designado na literatura por hermenêutico, interpretativo ou naturalista (Denzin e Lincoln, 2000; Shaw, 1999; Creswell, 1998; Erikson, 1989).

À luz do paradigma interpretativo a objetividade é um mito e a subjetividade é algo inerente ao ato de conhecer, pois os “(…) resultados [da investigação] são construídos

através da interação do investigador e do fenómeno (que nas Ciências Sociais são, habitualmente, pessoas)” (Guba e Lincoln, 1998:200). Sob esta ótica, em termos epistemológicos, o conhecimento é resultado de um processo de aproximações sucessivas e de negociação de significados, com base numa visão compreensiva e holística dos fenómenos, em que se supõe existir uma causalidade complexa e não linear (Goetz e LeCompte, 1984).

Tendo em consideração a natureza do nosso objeto de estudo – perspetivas dos docentes e dos estudantes relativamente ao valor formativo da prática em contexto, quer para uns quer para os outros – e que este se situa ao nível das conceções, crenças e teorias implícitas e, ainda, que estas encerram em si um reservatório de valores e ideais sobre os quais os sujeitos – no caso, professores e estudantes – se apoiam para agir em situação e justificar a sua ação (Vause, 2010; Marcelo, 2009; Pajares, 1992), tornou-se para nós clara a necessidade de privilegiar a perspetiva fenomenológica ou interpretativa (Erikson, 1989), numa linha qualitativa, de natureza descritiva (Bogdan e Biklen, 1994). Esta perspetiva emergiu ainda como a abordagem de eleição, na medida em que nos possibilitava, enquanto investigador e principal instrumento da investigação, recolher um conjunto considerável e diversificado de dados “(…) ricos em pormenores descritivos” (Bogdan e Biklen, 1994:16), adequados ao pouco conhecimento sobre o objeto visado.

Trata-se de uma abordagem em que o investigador faz a descrição dos dados recolhidos e reflete sobre o processo e o produto da investigação, procurando construir teoria a partir da sua interpretação do que “observou” e do modo como compreendeu os fenómenos. Privilegiou-se, pois, a compreensão dos fenómenos, através da perspetiva dos sujeitos que os protagonizam. Assim, procurámos perceber os quadros de referência dos sujeitos, isto é, saber o que pensam, o que fazem, como fazem, porque fazem e de que modo mobilizam e articulam os diferentes saberes em contexto de prática clínica. Em suma, procurámos desocultar o “(...) vivido desde o ponto de vista de quem vive” (Mertens, 1998:11) ao invés de procurar relações de causalidade direta de pendor positivista, rejeitando um quadro hipotético-dedutivo assente em hipóteses previamente definidas e em conclusões generalizáveis (Tuckman, 2002; Streubert e Carpenter, 2002; Fortin, 1999; Bogdan e Biklen, 1994; Denzin e Lincoln, 1994; Patton, 1990; Anderson, 1998; Erickson, 1986).

A subjetividade e a busca de significados tomou, assim, uma centralidade inquestionável no nosso estudo (Olabuénaga, 2003), na medida em que envolve áreas

acerca das quais pouco é sabido, ou melhor, em que um novo entendimento é requerido e ao qual só é possível ter acesso a partir de intrincados detalhes acerca de fenómenos tais como sentimentos, formas de pensar e emoções, crenças, conceções, atitudes e perceções, isto é, todo um conjunto de aspetos difíceis de extrair ou compreender através do uso de métodos de investigação mais convencionais (Guba e Lincoln, 1994; Patton, 1990; Stake, 1989).

Interessa-nos mais a compreensão e interpretação sobre como os factos se manifestam do que determinar causas para os mesmos. Neste sentido, mais do que provar hipóteses, determinar relações de causa e efeito, ou estabelecer leis gerais, interessou-nos o processo sem que tenhamos qualquer intenção de generalização (Bogdan & Biklen 1994).

Assim, considerando o cariz investigativo qualitativo|interpretativo de que partimos, esteve sempre presente, desde o início dos trabalhos, a ideia de que o processo investigativo fosse desenvolvido na plasticidade de uma (re)construção teórico- metodológica aberta e flexível, isto é, definindo-se e redefinindo-se continuamente à medida que íamos lidando com o nosso objeto de estudo (Guba, 1989), configurando um desenho emergente (Bogdan e Biklen, 1994; Patton, 1990).