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C) A aproximação com as informantes: entre “lá e cá”

3.3 Empreendedorismo e políticas com recorte de gênero

Tratar da entrada das mulheres no mundo do trabalho requer inicialmente pensar como lembra Costa (2008), em colocar que o mundo do trabalho envolve diversos aspectos: o processo e as modalidades de trabalho, a subjetividade, as relações conflituosas entre capital/trabalho, entre outros.

Assim, o empreendedorismo feminino vem sendo um fenômeno crescente, mas apresenta, em relação aos homens, mais características de necessidade do que de oportunidade. Na pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2013,

33,8% das mulheres brasileiras empreendiam por necessidade, enquanto que para os homens esse percentual foi de 23,2%.

Pela mesma pesquisa9, os especialistas entrevistados apontaram as condições que afetam o empreendedorismo. No que diz respeito aos fatores favoráveis relatados estavam as normas culturais e sociais (para 44,4% dos entrevistados), o acesso ao mercado (para 32,1%) e as políticas governamentais, sobretudo as leis criadas pelo governo para micro e pequenas empresas, perfazendo 29,6% das respostas. Chamou-nos atenção o fato dessas políticas governamentais figurarem também entre os fatores limitantes, com percentual expressivo de 80,2% dos entrevistados mencionando a questão do baixo apoio financeiro (para 44,4% dos abordados), bem como à educação e capacitação (para 40,7%).

9 A pesquisa GEM 2013 no Brasil foi realizada com dois públicos distintos: com 10.000 indivíduos adultos (com idades entre 18

e 64 anos) residentes nas cinco regiões do país; e com 85 especialistas que opinaram sobre o ambiente de negócios (apoio financeiro; políticas governamentais; burocracia e impostos; educação e capacitação; acesso ao mercado e barreiras à entrada; normas culturais e sociais; percepção de oportunidades existentes; nível de motivação e valorização do empreendedor e seu papel; e valorização da inovação sob o ponto de vista dos clientes).

No Brasil, conforme Cantelli (2007), foi a partir da Revolução de 1930 que o trabalho das mulheres passou a ser valorizado e reconhecido, e isso de forma mais específica com o Decreto nº 21.417-A, primeira lei que traz a regulamentação da mão-de-obra feminina. Este Decreto proibia o trabalho noturno em serviços perigosos, previa descanso antes e depois do parto por quatro semanas recebendo metade do salário, entre outras normatizações.

A partir daí, algumas normas começaram a ser inseridas no que concerne ao trabalho feminino: a Constituição de 1946 proibia a diferença de salários para um mesmo trabalho; e a de 1967 abrangia, além da proibição da desigualdade salarial, havia também interdição de critérios de admissão ao trabalho por questões relacionadas ao sexo, cor e estado civil.

Nogueira (2006) aponta que foi a partir da emergência da sociedade capitalista que o trabalho feminino passa a ser de fato assalariado, “transformando a mulher em significativo contingente da classe trabalhadora. Aparentemente, é na sociedade capitalista que o trabalho feminino mais se projeta”. (NOGUEIRA, 2006, p. 52).

Contudo, a maior entrada das mulheres no mercado de trabalho não significa necessariamente um aspecto positivo; segundo Hirata (2002), as mulheres constituem uma parte significativa dos atingidos pela reestruturação produtiva, pois realizam atividades precárias, instáveis, vulneráveis. E para Saffioti (1984, p. 20), no capitalismo “as mulheres são duplamente marginalizadas: por sua classe social e por seu sexo”.

Somam-se a isso as reflexões de Itaboraí (2003), para quem

[...] embora a literatura associe o trabalho remunerado das mulheres a um aumento da sua autonomia na sociedade (empoderamento), e particularmente nas relações familiares, não estão totalmente elucidadas as relações entre o crescimento da participação econômica feminina e as alterações na condição das mulheres como membros de famílias. (ITABORAÍ, 2003, p. 157).

Além desta autora pontuar a falta de relação entre participação econômica e alterações familiares, DeGraff e Anker (2004) apresentam outras dificuldades e entraves à participação feminina no trabalho:

Devido à multiplicidade de tarefas das mulheres [...], elas estão mais propensas que os homens a entrar e sair do mercado de trabalho, a devotar um número menor e mais esporádico de horas ao mercado de trabalho, a realizar trabalho familiar não remunerado com mais frequência, a produzir principalmente para o consumo doméstico, mais que para a venda, e a não se dedicar ativamente à procura de trabalhos formais, indo com frequência às agências de emprego governamentais, por exemplo. Desta forma, a enumeração do trabalho das mulheres no mercado de trabalho é muito mais sensível às formas como são tratadas as questões práticas e conceituais da medição inerentes à medição da participação na força de trabalho do que no caso da medição da participação masculina. (DEGRAFF, ANKER, 2004, p. 170).

Nesse sentido, segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego10 ficam evidentes as dificuldades para as mulheres no mercado de trabalho: a presença das mulheres na força de trabalho regional decresceu em 2014 depois de ter aumentado nos seis anos anteriores. Estas representam 44,4% dos ocupados e, mesmo com o crescimento do número de ocupadas entre 2013 e 2014, essa taxa foi inferior à da ocupação masculina. Além disso, quando ocupadas, têm rendimentos mais baixos, recebendo 73% do que os homens recebem, ou seja, o rendimento médio das mulheres em 2014 foi de R$ 1.050,00 e o dos homens R$ 1.438,00.

Quanto às políticas no Brasil para mulheres, as mudanças que se processaram referentes às políticas e ações institucionais foram mais visíveis a partir da década de 1970, principalmente no âmbito da legislação brasileira, como por exemplo, a conquista da licença maternidade de 120 dias (expresso na Constituição Federal de 1988), o estabelecimento de cotas nos partidos políticos para a participação das mulheres nos processos eleitorais (Lei nº 9.100/95), a Lei Maria da Penha no enfrentamento à violência contra as mulheres (Lei nº 11.340/2006), e a criação de organismos para cuidar das questões específicas relacionadas à desigualdade entre mulheres e homens. Os organismos de políticas para mulheres e Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher foram uma recomendação da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, a Conferência de Beijing, realizada em 1995.

Conforme Rocha (2013), o Partido dos Trabalhadores foi o primeiro a propor, entre partidos e administrações municipais, a criação desses organismos; em 1989

10 A Pesquisa Mensal de Emprego e Desemprego é realizada mensalmente em sete capitais brasileiras pelo DIEESE

(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e Fundação SEADE. A pesquisa mencionada neste estudo se deu na Região Metropolitana do Recife, considerando a situação da mulher no mercado de trabalho no ano de 2014, divulgada em março de 2015.

foi criada a Assessoria dos Direitos da Mulher, no município de Santo André. No final do governo Fernando Henrique, em 2002, surgiu a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, vinculada ao Ministério da Justiça. Em 2003, no governo Lula, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, com status de ministério, passando a se chamar, em 2010, Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

A criação dessa Secretaria constituiu-se, assim, num marco para as mulheres brasileiras. Outro importante avanço para as brasileiras foi a publicação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, trazendo como um dos cinco eixos temáticos Autonomia econômica e Igualdade de oportunidades no mundo do trabalho11.

Segundo Farah (2004), as primeiras políticas públicas com recorte de gênero datam da década de 1980, como a criação da primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Para a referida autora, existem diferenças significativas nas abordagens das políticas com foco na mulher: uma delas percebe a mulher partindo de sua função na família, “devendo as políticas públicas ‘investirem’ nas mulheres pelo efeito multiplicador que tal ação pode ter sobre a família e sobre a sociedade como um todo” (FARAH, 2004, p. 65-66). A outra abordagem destaca o aspecto dos direitos, garantindo a ampliação da cidadania, estendendo os direitos a novos segmentos da população e incluindo tais direitos no atendimento estatal.

No campo das políticas públicas de gênero, as principais diretrizes abrangem uma frente ampla de aspectos sobre violência, saúde, questões relacionadas às meninas e adolescentes, sobre geração de emprego e renda, educação, trabalho, infraestrutura urbana e habitação, questão agrária, acesso ao poder político e empoderamento, transversalidade (incorporação da perspectiva de gênero em toda política pública).

Já as políticas de trabalho com recorte de gênero voltam-se para a garantia dos direitos trabalhistas, a criação de programas de capacitação profissional e combate à discriminação contra a mão-de-obra feminina. Quanto às políticas de geração de emprego e renda (ou combate à pobreza) numa perspectiva de gênero,

11 Os outros quatro eixos temáticos foram: Combate à violência contra a mulher, Educação, Saúde, Direitos sexuais e

fomentam projetos produtivos organizados por mulheres, capacitação e garantia de acesso ao crédito, numa constante busca de erradicação da divisão sexual do trabalho. É dentro dessa perspectiva que se situa este estudo, ou seja, analisar uma proposta de fomentar e potencializar oportunidades de trabalho e ocupação para mulheres, considerando não só a implementação de políticas públicas voltadas para estes sujeitos, mas também o acompanhamento e a avaliação do andamento das mesmas, como uma forma de ajustar, corrigir ou pressionar o Estado para a transparência e conquista dos direitos sociais. Esta é uma necessidade imperiosa para assegurar o êxito das ações.

Na perspectiva de contemplar condições igualitárias das mulheres nas políticas públicas, assim se coloca Natividade (2009):

Sobre uma participação equânime das mulheres no espaço do labor e econômico, existem entraves e desafios na elaboração e execução das políticas públicas, sob a perspectiva de gênero como: salários inferiores aos dos homens, mesmo ocupando a mesma posição profissional; os cuidados com espaço privado e alterações que vêm ocorrendo na estrutura familiar; o desemprego, participação elevada no mercado informal e em ocupações precárias e/ou sem remuneração, revelando a má qualidade das condições do trabalho feminino e alterações no padrão da divisão sexual do trabalho; mudanças sociodemográficas; a diversidade étnico-racial, entre outras (NATIVIDADE, 2009, p. 234).

Assim, é de suma importância a implementação de políticas voltadas para as mulheres no mercado de trabalho, como forma de diminuição das desigualdades existentes entre estas e os homens. Por esse viés, o empreendedorismo passa a ser também uma alternativa viável para impulsionar a inserção das mulheres no trabalho e fazê-las protagonistas também na promoção do desenvolvimento econômico.

Dentre as políticas públicas (estruturais) de geração de emprego e renda, e de fomento ao empreendedorismo voltada especificamente para o público feminino, está o Programa Nacional Trabalho e Empreendedorismo da Mulher, objeto de estudo do presente trabalho e que será tratado no próximo capítulo.

4 PROGRAMA NACIONAL TRABALHO E EMPREENDEDORISMO DA MULHER – PNTEM: O DISCURSO OFICIAL

Depois de discutirmos aspectos referentes ao empreendedorismo e relacioná- lo às políticas públicas e às questões de gênero, passaremos a tratar especificamente da política em estudo, o Programa Trabalho e Empreendedorismo da Mulher, o PTEM, observando como foi seu desempenho nos estados onde atuou, nos detendo mais detalhadamente sobre o estado de Pernambuco.

Assim, este capítulo trata de aspectos referentes à implementação do Programa, tais como seus pressupostos, objetivos, eixos, histórico, etapas na implementação e uma breve incursão pelos estados em que passou. Além disso, traz características do estado de Pernambuco e da Região Metropolitana do Recife, como se deu sua implementação no estado, quais as responsabilidades de cada um dos parceiros, as peculiaridades de cada polo e caracteriza cada etapa de sua implementação: reuniões de sensibilização, seminários, oficinas e cursos.