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4. ESTRATÉGIAS DE GESTÃO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA EM ESPAÇOS VERDES

4.2 CRITÉRIOS DE PLANEAMENTO – FATORES AMBIENTAIS

4.2.4 Fator água

4.2.4.1 Enquadramento

Conforme enunciado no Capítulo 3 - “Necessidades Hídricas das Plantas – Revisão Bibliográfica”, a necessidade de regar um espaço verde surge quando a humidade do solo se torna um fator limitante ao desenvolvimento da vegetação e se torna necessário repor a água necessária ao seu crescimento. Assim, entende-se que a água constitui um fator indispensável à existência de espaços verdes em condições Mediterrânicas, uma vez que é necessário regar para permitir a sobrevivência da vegetação e a consequente manutenção destes espaços.

Relativamente à utilização da água ao longo da história, nos jardins da Península Ibérica, é possível distinguir dois destinos distintos: o funcional (para a rega de hortas e jardins, para produção de força motriz, para os tanques de lavar a roupa, entre outras) e ornamental (Avila, 2004). No entanto, segundo Luís Paulo Ribeiro (1992), os primeiros sistemas de água com objetivos estéticos tiveram por base sistemas de rega criados para o abastecimento e condução de água de rega, sendo os efeitos visuais obtidos a montante de utilização da água para as diferentes atividades humanas: “As superfícies de água dos tanques de armazenamento de água para rega, terão constituído polos de atração, podendo ter sido alvo de valorização estética.”

Com o acréscimo da escassez de água potável, com a previsão de cenários do aumento da escassez hídrica a curto prazo, associada ao aumento dos consumos de água em meio urbano, considera-se que os espaços verdes não devem contribuir para por em causa a qualidade e a quantidade de água disponíveis. Devem sim contribuir para a sustentabilidade

das cidades, potenciando o funcionamento equilibrado do ciclo hidrológico, em meio urbano, mesmo que este equilíbrio se manifeste a um “nível local”.

A nível mundial, num contexto de aumento progressivo de carências hídricas, associado a um processo de alterações climáticas, é imperativo adotar medidas que permitam salvaguardar a quantidade e a qualidade da água potável, para que esta esteja disponível para as gerações futuras. É muito importante que os espaços verdes urbanos estejam adaptados à disponibilidade de água do local onde se inserem assim como, sempre que possível, possam ser regados com água não potável, evitando a competição pelos recursos hídricos. Assim, a utilização de águas com qualidade inferior à água potável, nomeadamente a reutilização de água residual tratada, devem ser alternativas a ter em conta para a rega dos espaços verdes, sem por em causa a preservação da saúde pública.

Relativamente à proteção da água no contexto europeu, a Diretiva Quadro da Água (Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000) traduz a política comunitária da União Europeia com vista à proteção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas. Foi criada com os objetivos de:

- Alcançar até 2015 o “bom estado” para todas as águas superficiais (rios, lagos, águas costeiras e de transição) e águas subterrâneas da União Europeia;

- Instalar um sistema de gestão dos recursos hídricos baseado na bacia hidrográfica; - Potenciar a gestão integrada dos recursos hídricos;

- Promover o envolvimento ativo das partes interessadas e consulta pública.

De acordo com a Diretiva Quadro da Água (DQA), para as águas superficiais o “bom estado” é alcançado pelo cumprimento de um bom estado ecológico e um bom estado químico. O primeiro é definido sobretudo pelo desvio entre as características das comunidades de organismos aquáticos que estão presentes em condições naturais (designadas por condições de referência) e as características dessas comunidades quando sujeitas a uma pressão que ocorra, assim como por parâmetros físico-químicos (temperatura, oxigénio dissolvido e nutrientes, por exemplo) e por características hidromorfológicas (como a vegetação ribeirinha, o caudal, entre outros). O estado químico é avaliado em função da avaliação da presença, em quantidades significativas de substâncias denominadas substâncias prioritárias (por exemplo metais pesados, hidrocarbonetos persistentes e alguns pesticidas), das quais fazem parte as substâncias perigosas prioritárias, cuja concentração no meio aquático se pretende eliminar totalmente.

Ao abrigo da DQA a reutilização é referida como um método que reduz a descarga de substâncias poluentes nas massas de água, definindo-a como uma estratégia a aplicar pelos Estados Membros. Defende simultaneamente outras medidas de proteção e preservação dos recursos hídricos, nomeadamente a monitorização e controle de poluição das águas subterrâneas.

A DQA foi transposta para a legislação portuguesa através da Lei da Água (Lei nº58/ 2005 de 29 de dezembro) que no artigo 8º, alínea p) indica ser competência da autoridade nacional da água a promoção do uso eficiente daquela.

A Comissão Europeia (CE) identificou algumas lacunas e fragilidades na DQA, tendo esta diretiva sido complementada, nos anos seguintes, com outras medidas, nomeadamente a Política da Escassez de Água e das Secas (2007), a Diretiva das Inundações (2007), a Diretiva Quadro da Estratégia Marinha (2008) e a Política de Adaptação às Alterações Climáticas (2009).

No sentido de complementar o atual quadro legal europeu nas medidas de proteção dos recursos hídricos e garantir a suficiente disponibilidade de água de boa qualidade para uso sustentável, a CE elaborou a proposta de um documento que constitui a base da política da água da União Europeia até 2020 intitulado “Blueprint to Safeguard Europe’s Water”, isto é, a matriz de proteção dos recursos hídricos na Europa. A matriz Blueprint tem por objetivos melhorar a atual política europeia da água no quadro de uma melhor regulação ambiental comunitária e, simultaneamente, articular a política da água com outras políticas em vigor por considerar que principais causas de impactos negativos sobre o estado das águas estão interligadas com o desenvolvimento urbano, a demografia, as alterações climáticas, o uso dos solos e as atividades económicas. Um dos oito grandes objetivos da atual política da água da União Europeia, indicados no Blueprint, diz respeito à reutilização da água.

O Blueprint surge na sequência de uma avaliação por parte da Agência Europeia do Ambiente (EEA, European Environmental Agency) que classificou uma grande percentagem das massas de água (rios e lagos) e linhas costeiras em estado ecológico insuficiente, inferior a bom, motivados sobretudo por descargas residuais principalmente provenientes da agricultura. Simultaneamente, a criação desta matriz foi motivada pela avaliação da EEA que identificou uma situação de escassez de água e seca crescente na Europa, que em 2012 afetou 26 bacias durante todo o ano e 43 bacias no verão, prevendo que o stress hídrico atinja, em 2030, 47 bacias hidrográficas durante todo o ano e 63 bacias hidrográficas no verão, sendo que destas últimas 31 estarão localizadas no norte da Europa. Pela análise da figura 4.9, conclui-se que Portugal apresenta um nível de stress hídrico moderado (cerca de 15%), a par da Grécia e da República Checa, por exemplo. A Espanha, Alemanha e a Itália estão num nível mais elevado

de stress hídrico. Dos países mais afetados fazem parte o Chipre, a Bulgária, Malta e a Bélgica.

De salientar que está em preparação por parte da comissão Europeia uma diretiva que visa a regulamentação de normas relacionadas com a reutilização da água, assim como a sua monitorização. Têm sido conduzidas reuniões com responsáveis de diversas entidades e organismos europeus no sentido de preparar esta Diretiva, assim como identificada a legislação e regulamentação em vigor nos países da União Europeia, reforçando a importância de criar um diploma conjunto que regulamente e promova os projetos de reutilização, tendo sido a agricultura e a recarga de aquíferos definidas como áreas prioritárias. Tem sido dada particular importância à regulamentação da qualidade da água no sentido de garantir a proteção da saúde pública e do ambiente. Desta diretiva, a publicar no final deste ano (2016), constará um guia para o planeamento da reutilização de água reciclada, assim como a divulgação de fundos destinados a projetos de reutilização de água, quer em termos de investigação, quer em termos de criação de infraestruturas, consubstanciando um estímulo à prática da reutilização.

Analisando o mapa da figura 4.10 publicado pela EEA, que identifica o índice de exploração de recursos hídricos na Europa, verificamos que em 2007 Portugal apresentava a Norte uma percentagem até aos 20%, correspondente à ausência de stress; na região litoral a Sul do rio Tejo a percentagem de exploração de recursos hídricos era extrema (acima de 40%); no restante território de Portugal continental a taxa era moderada (entre 21% e 39%) (EEA, s.d.). Estima-se que, na Europa, o número de bacias hidrográficas afetadas pela escassez hídrica aumente de 50% em 2012, para 80% em 2030, assim como o aumento da frequência, intensidade e prejuízos causados por eventos extremos, como por exemplo a escassez de água, seca, cheias ou inundações.

Figura 4.9 – Índice médio de stress hídrico na Europa. Fonte: AQUAREC, 2006; Hochstrat, 2006