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Evolução histórica da utilização da água para rega

2. OS ESPAÇOS VERDES E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.3 A ÁGUA COMO UM FATOR DE SUSTENTABILIDADE DOS

2.3.3 Evolução histórica da utilização da água para rega

A Península Ibérica beneficiou da aprendizagem e implementação de técnicas eficazes de gestão de água transmitidos pelas gerações passadas, que permitiam garantir a disponibilidade de água durante praticamente todo o ano, conciliando estética e funcionalidade (Castel-Branco e Soares, 2008). Assim, considera-se imprescindível salientar estes conhecimentos de captação, condução e armazenamento de água, que frequentemente conciliavam a estética e a função de rega.

Ao longo da história, a presença de água reflete-se nas construções hidráulicas existentes num determinado território. Assim, nos climas secos ou com precipitação irregular, como é o caso dos países de clima Mediterrâneo, predominam as estruturas para o armazenamento da água e para a irrigação, e as culturas tendem a aproximar-se das linhas de água. Por oposição, nos climas húmidos, desenvolvem-se sobretudo atividades relacionadas com o aproveitamento da energia, transporte, pesca e drenagem de zonas húmidas, uma vez que a prática da agricultura é dificultada pelo elevado nível freático (Saraiva, 1987).

O aproveitamento das águas subterrâneas em países de clima Mediterrânico, que apresentam disponibilidade sazonal de água, ocorreu sempre ao longo da História, sendo captada através de minas, um sistema construído pelo Homem que permite a recolha de água e que, segundo Raposo (1996a), teve origem no Irão há mais de 3000 anos. Estes sistemas permitiam o transporte de água por gravidade, desde as zonas altas montanhosas até às zonas baixas mais férteis, sendo a água aproveitada para rega ou fins domésticos.

Também a civilização egípcia, para além de captar água proveniente do Rio Nilo, captava água subterrânea, que utilizava para rega, exigindo contudo um grande esforço de mão-de-obra (Gothein, 1966).

Figura 2.17 – Jogos de água no Palácio Nacional de Queluz. Fonte: Afonso & Delaforce, 1989 Figura 2.15 – Mina de água no Jardim

Botânico de Coimbra. Fonte: Jacome, 2010

Simultaneamente, a captação de água subterrânea através de minas manifestou-se no período do Império Romano e também na cultura islâmica, através da construção de qanats, canais subterrâneos inventados pelos persas, que conduzem água (Correia, 1994). A designação qanats significa canal, em língua semítica, sendo designados por fogaras na Argélia, e por retaras em Marrocos (Raposo, 1996a).

Nos jardins portugueses estes sistemas são subterrâneos estreitos e baixos que perfuram a rocha, atingindo veios de água, debitando-a para um canal central que a conduz à superfície (figura 2.15). Quando chove, e existe infiltração, a água atravessa a rocha progressivamente, alimentando a mina, que assim conduz a água até aos locais de recolha. Estes podem assumir a forma de chafarizes ou fontes (Castel-Branco, 2010). Frequentemente, as quintas de recreio portuguesas surgiam em locais determinados pela existência de desníveis que permitissem a captação de água através de minas (Ribeiro, 1992).

Em Lisboa, a zona de Alfama é caracterizada por possuir água

subterrânea em abundância e também ela foi explorada pelos nossos antepassados. Segundo Quintino (2007), “Alfama foi em tempos a principal abastecedora de água à cidade. Outros povos, como os Romanos e os Árabes, aplicaram conhecimentos técnicos de forma a tirarem proveito da qualidade e quantidade de água que por ali corria, construindo termas e banhos e todo um

Figura 2.16 – Jardins do Palácio de Versailles, França Fonte: Arquivo pessoal, 2012

conjunto de infraestruturas relacionadas com a água”.

As nascentes naturais são uma outra forma de captação de água subterrânea que motivava, frequentemente, a instalação de quintas e palácios nas zonas adjacentes (Castel- Branco, 2008). A relação entre a disponibilidade de água num determinado local e a criação de um jardim eram praticamente indissociáveis, condicionando a sua escolha, até à criação dos jardins do Palácio de Versailles (Campbell, 1982).

Este jardim (figura 2.16) materializa o desejo do rei Luís XIV de construir uma obra que superasse, em grandiosidade, outros jardins construídos por André Le Notre, nomeadamente o jardim de Vaux-Le-Vicomte, propriedade do seu ministro Fouquet (Jellicoe e Jellicoe, 1995). Os conhecimentos hidráulicos da época permitiram o desenvolvimento de um sistema complexo, designado por Máquina de Marly, através do qual eram fornecidas a água e a energia necessárias. Este exemplo é particularmente importante pois representa a primeira vez em que a água que abastece o jardim é proveniente do exterior, iniciando-se uma nova era em que a intervenção de forças motrizes permite o funcionamento do jardim artificial (Zuylen, 1994).

Este é o ponto de viragem, iniciando a possibilidade de construção de jardins que não são autossustentados, nos quais a utilização da tecnologia permite suprir as condicionantes que a paisagem e as condições do local implicam. “Em Versailles salta-se da adaptação para a importação pura. A água vem de fora e a própria energia para a elevar (…) é também obtida no exterior” (Castel-Branco, 2010).

No nosso país, os Jardins do Palácio de Queluz são um exemplo de um jardim que utiliza a água subterrânea proveniente de uma nascente. À semelhança do que aconteceu em Versailles, a água era captada nas nascentes das colinas de Queluz, transportada em aqueduto até um tanque onde era acumulada e a partir do qual jorrava com força suficiente para o funcionamento dos jogos de água (figura 2.17) e cascata, bem como irrigação das hortas circundantes, pomares e searas.

A possibilidade de captar água a partir do lençol freático foi explorada através da picota, também conhecida por cegonha. Este engenho de elevação da água foi introduzido na Península Ibérica a partir do século VIII, pela cultura Árabe, permitindo o abastecimento doméstico e a utilização de água para rega (Raposo, 1996b). Ainda hoje encontramos picotas para captação de água subterrânea em muitas quintas portuguesas.

Surgem posteriormente as noras que, com recurso a força animal, possibilitam a extração de água a partir de poços, difundidas na Península Ibérica pela civilização Muçulmana (Raposo, 1996b). Posteriormente, as noras continuam a fazer parte da quinta de recreio portuguesa: (1) captavam a água em profundidade através da abertura de poços; (2) elevavam

a água a cotas suficientemente elevadas para serem distribuídas por aquedutos e posteriormente armazenadas em tanques. Ainda assim, como os caudais que se obtinham não eram muito elevados, não era possível tirar partido da água em movimento, optando-se frequentemente pela construção de elementos de água parada. Em alguns casos, contudo, optou-se pela criação de cascatas que, com utilização de caudais reduzidos, permitem a criação de um efeito cénico importante (Ribeiro, 1992).

A utilização das águas superficiais para rega, através da captação de água dos cursos de água, ocorre desde há várias gerações. De acordo com Gothein (1966), a civilização egípcia capturava a água no vale do rio Nilo, conduzindo-a em canais até aos tanques em que era acumulada. A captação de águas superficiais pode ser feita com recurso a açudes, isto é, muros em pedra, que retêm a água desviada dos rios e conduzida para poder ser aproveitada pelo Homem. A herança desta técnica deve-se à cultura árabe e possibilitou, no nosso país, o cultivo de legumes, assim como a plantação de árvores de fruto até então desconhecidas, nomeadamente laranjeiras, limoeiros, amendoeiras, figueiras e oliveiras (Bowe e Siphiera, 1989). Existem ainda estruturas de distribuição do nível do solo, designadas por canais, assim como estruturas de condução de água em galeria, denominadas caleiras. Na ilha da Madeira ainda hoje existem levadas, canais de irrigação de grande extensão que permitem a condução da água ao longo da ilha, para a rega das culturas agrícolas.

Simultaneamente, encontramos em Portugal e Espanha grandes aquedutos, que permitem transportar a água de um ponto para o outro, à superfície, sempre à mesma cota, possibilitando o abastecimento das grandes cidades. Em Portugal, os aquedutos mais antigos datam da ocupação romana, nomeadamente o aqueduto de Beja, o Aqueduto de Conímbriga, ou o Aqueduto da Amadora (DGPC, s.d.).

Na Península Ibérica, deve-se à cultura árabe a recolha de água pluvial das fachadas e dos beirados dos edifícios, aproveitada posteriormente para uso doméstico. A água era recolhida e canalizada através de caleiras de telha, conduzida para um reservatório subterrâneo designado por cisterna. Também encontramos cisternas para abastecimento público. Por exemplo, o Convento dos Templários, em Tomar, possui duas cisternas datadas do século XII, que abasteciam a população durante períodos de escassez hídrica (Pereira, 1995).

Existem igualmente estruturas de acumulação de água pluvial a céu aberto, designados por tanques. Estas estruturas tiveram origem romana, e permitiam a acumulação de água para utilização na agricultura. De acordo com Carapinha (1995), os tanques de recolha são frequentes em países de clima mediterrânico, permitindo acumular a água das chuvadas de regime torrencial, utilizada durante os meses de verão, em que raramente ocorre precipita-

Figura 2.18 – Primeiro relvado regado em Portugal, jardins do Palácio de Monserrate em Sintra. Fonte: DDF (Div.de documentação fotográfica) / IPM; Caption : 1865-1870 (matriz pix)

ção. Exemplo disso é um tanque localizado em Estremoz, no Alentejo, curiosamente chamado Tanque dos Mouros, que, de acordo com a Direção Geral do Património Cultural (DGPC), é “uma estrutura hidráulica do período romano, cujas dimensões iniciais apontam para um sistema elaborado, eventualmente relacionado com uma exploração agrícola nas imediações” (DCPG, s.d.).

No nosso país, as técnicas de armazenamento de água desenvolveram-se com maior expressão no sul do país, onde a escassez de água é mais evidente (Castel-Branco, 2010). Quando a água recolhida não era suficiente, recorria-se ao eirado: um terreiro impermeabilizado com azulejo, ao nível do solo, construído com um pequeno declive para que a água drene para um pequeno orifício que comunica com o interior da cisterna, onde ficava acumulada, sendo posteriormente utilizada para a rega dos espaços verdes (Carapinha, 1995).

As necessidades hídricas da vegetação a regar potenciaram o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos sistemas de rega. Por exemplo, a criação do primeiro sistema de aspersão, na segunda metade do século XIX, está diretamente relacionada com o aumento da popularidade dos relvados. A invenção de um sistema de aspersão relativamente semelhante aos que hoje conhecemos permitiu dar resposta às exigências hídricas daqueles, tornando a instalação de um relvado possível a qualquer pessoa (Hassan, 1998).

No nosso país, o primeiro relvado que possuiu um sistema de rega que lhe permitia estar verde e vigoroso durante todo o ano pertence ao Palácio de Monserrate, em Sintra. O sistema de rega instalado data da segunda metade do século XIX e recorria a um sistema de manilhas em grés que distribuíam a água por gravidade. Nos dias de hoje, sobretudo no inverno quando o solo se encontra mais molhado, ainda se conseguem visualizar o traçado das condutas de distribuição de água, perpendiculares ao declive do terreno (figura 2.18).

Nos séculos XX e XXI as metodologias e técnicas de rega apresentaram uma evolução permanente. Dispomos hoje de sistemas de rega que se adaptam a praticamente todos os tipos de clima, solos, topografia e vegetação, permitindo um grau de liberdade muito grande na arte de projetar jardins.

Nas últimas décadas têm sido desenvolvidos sistemas inovadores de controlo de rega que permitem antecipar as necessidades hídricas da vegetação com base nas previsões meteorológicas, contribuindo para otimizar o consumo de água nos espaços verdes. Também o desenvolvimento e instalação de sensores de humidade instalados nos relvados dos campos de golfe permitem poupanças significativas de água para rega. Estes sistemas apresentam elevada eficiência e dão um contributo fundamental à gestão sustentável da água, uma vez que a disponibilidade e a qualidade da água para rega continuam a ser uma condicionante à construção e manutenção de espaços verdes urbanos em clima Mediterrânico.

3.

NECESSIDADES HÍDRICAS DAS PLANTAS – REVISÃO