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ENTRE QUATRO PAREDES: O LEITOR E SUA ATUAÇÃO NO CONTEXTO DE ENSINO DE LITERATURA

4 O LEITOR E SUA ATUAÇÃO NO CONTEXTO DE SALA DE AULA

4.2 ENTRE QUATRO PAREDES: O LEITOR E SUA ATUAÇÃO NO CONTEXTO DE ENSINO DE LITERATURA

Eles chegam perguntam, questionam, eles querem que eu esclareça pra eles. Eles falam: professora não vou perguntar pra todo mundo. Essa mediação eu tento, não é passar um trabalho e está acabado, eu procuro trabalhando, não sei se é da maneira certa, mas é o que eu acredito ser certo. (PROF1)

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Encontrar um tipo delimitado de leitor não faz jus à discussão e concepção especificada. Cada contexto, modalidade de ensino, faixa etária e personalidade trazem identidades diversas de leitores. São maneiras de ler que se configuram de acordo com a condição de leitura em cada momento específico. A especificidade do leitor é tanto unificada - suas particularidades nas suas relações comportamentais - quanto diversificada, de acordo com as práticas de leituras vivenciadas, gêneros diversos, situações múltiplas de contato com variedade de suporte. Categorizá-los deturpa a construção identitária de si mesmos. Para tanto, o foco central será na sociologia da leitura, buscando retratar as minudências do leitor, sua atuação social e seu desempenho individual, em suas ações extratextuais. Informa-nos Aguiar (2008, p.13):

A sociologia da leitura é o segmento da sociologia da literatura que tem como objetivo estudar o público como elemento atuante do processo literário, considerando que suas mudanças em relação às obras alteram o curso da produção das mesmas. Nesse sentido, pesquisam-se as preferências do público, levando em conta os diversos segmentos sociais que interferem na formação do gosto e servem de mediadores de leitura, bem como as condições específicas dos consumidores segundo seu lugar social, cultural, etário, sexual, profissional, etc.

Aqui o foco deixa de ser o autor e o texto para pensar o literário em uma terceira categoria - o leitor - “para ater ao largo contexto de sua circulação e consumo” (AGUIAR, 2008, p. 14), ao processo de envolvimento do leitor com o texto, mesmo sendo a sua negativa resposta ou a sua aceitação insana para desbravá-lo. O consumo do que foi lido, como cada público recebe a obra indicada pelo âmbito educacional, as motivações que proporcionaram a frustração ou o êxito da leitura, a formação desse leitor na visão da sociologia são contextualizações de uma sociedade e do literário nesse cenário assim como as suas possibilidades de diálogo com todos os pares envoltos. A sociologia da leitura prioriza diversos aspectos em uma ampla visão social, desde a distribuição, a circulação e o consumo dos livros. Entre essa tríade o foco se destina ao consumo, a relação do leitor/aluno com as indicações feitas no espaço pedagógico, a contribuição dos mediadores na construção leitora de cada um. Esse consumo se diferenciará a depender de aspectos diversos de cada leitor, das histórias individuais e das práticas de leitura correspondentes com a interação entre os sujeitos leitores. Na escola, há uma

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suposta preocupação com a formação leitora que se direciona para a transmissão do literário, como salienta Aguiar:

A escola preocupa-se em transmitir ensinamentos sobre a literatura e não em ensinar a ler. A educação formal tem por objetivo repassar dados sobre as histórias dos autores e das obras, cobrar exercícios de análise de textos para emissão de juízos, buscando fazer de todo leitor um conhecedor de literatura. O resultado, em nosso contexto, é o fracasso: o aluno não se torna um especialista nem se converte em leitor. (AGUIAR, 2008, p. 16)

Aguiar (p.24) complementa suas colocações enumerando alguns comportamentos significativos, tomando como referência a teoria da recepção, como: escolha textual, locais onde os livros são encontrados pelos leitores, espaços de mediação, identificação dos dados da obra, orientações de leitura, diálogo com novos textos, dentre outros. Pensando na atuação do leitor direcionado a um contexto educacional, não haverá adjetivações que classifiquem os bons ou maus leitores, mas sim a sua atuação, que não seguirá uma linearidade, sendo que não há como prever ou determiná-la. A conduta do leitor trará marcas de uma postura que conduzirá o professor a rever sua prática, as escolhas das obras, as atividades executadas. Não há um modelo de leitor competente como menciona Umberto Eco (1986), há leitores, sendo impossível detalhar os seus passos. Por mais que políticas públicas de leitura objetivem a formação leitora, essa precisa ser priorizada não apenas no momento do planejamento pedagógico. O leitor muitas vezes não é observado diante da sua manifestação de leitura. Quando há uma iniciação recorrente a isso, a prioridade é dada à atividade de leitura e não aos agentes leitores. A ideia de agente necessita ser exposta para contemplar todos os sujeitos, em uma visão de expectativa. Agir socialmente sem desvencilhar-se das ideológicas dos programas de ensino, das atividades planejadas para os educandos é inviável. O ponto em questão é a negociação entre os envolvidos, priorizando todos os polos e compondo um diálogo profícuo.

Jover-Faleiros (2013, p. 124-125), em uma análise de duas leitoras ficcionais e sua apreciação diante do texto apresentadas por Calvino em Se um viajante numa noite de inverno, apresenta o termo “gestos de leitura” e o desempenho “de papéis definidos na e pela relação estabelecida com a obra lida, em cada contexto de leitura. (...) Os ‘gestos de leitura’ designam uma dimensão mais física do ato de ler, elemento que se relaciona ao contexto da leitura, diz respeito à maneira como o

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leitor se relaciona com o suporte material da leitura e à intencionalidade que essa maneira reflete”. A abordagem de Jover-Faleiros é direcionada ao contexto em relação à leitura, à relação do leitor com o suporte - seja ele físico ou digital - e com as circunstâncias, como exemplifica, um livro lido nas férias ou lido para realizar uma prova de vestibular. Essa definição do modo como se lê é transfigurada para o espaço docente destinado a uma “Performance de leitura” em uma perspectiva atuante-pedagógica do ato de ler, a manifestação do leitor diante da prática pedagógica de leitura, o contexto de ensino em que ele convive e o letramento correspondente à sua ação, como os autores seguintes abordam como uma “prática encarnada por gestos, espaços e hábitos” (CHARTIER, 1998, p. 6). São diversidades de ações que divergem a cada situação de uso, a cada manifestação do leitor. Dentre essas, eles se apresentam a depender da prática docente, a depender da sua atuação, ora agindo de acordo com a prática didática proposta, ora contrapondo-se a ela, negando a leitura ou simulando ações que demonstrem uma performance leitora, ora interferindo e contribuindo na realização da atividade. Isso se evidencia desde momentos anteriores na contextualização histórica apresentada por Chartier:

Todos aqueles que podem ler os textos não os lêem da mesma forma. (...) Contrastes, igualmente, entre normas e convenções de leitura que definem, para cada comunidade de leitores, usos legítimos do livro, maneiras de ler, instrumentos e processos de interpretação. Contrastes, enfim, entre as expectativas e os interesses muito diversificados que os diferentes grupos de leitores investem na prática de leitura. Dessas determinações que comandam as práticas, dependem as maneiras pelas quais os textos podem ser lidos, e lidos de formas diferentes por leitores que não partilham as mesmas técnicas intelectuais, que não mantêm uma mesma relação com o escrito, que não atribuem nem a mesma significação nem o mesmo valor a um gesto aparentemente idêntico: ler um texto (CHARTIER, 1998, p. 6-7).

Por muito tempo, na sala de aula, o foco se deu na mediação docente e nas suas práticas de transmissão de conteúdo. Pensar a aula menosprezou o principal condutor desse processo, ou melhor, um dos, visto que, na perspectiva interacionista, todos os envolvidos requerem a sua posição e se colocam como responsáveis na composição dialógica do ensino-aprendizagem. A produção de significado, no campo da educação literária, no contexto da sala de aula, se dá com sujeitos que vão tecendo, re/construindo, conectando e compartilhando em espaços cotidianos as “questões do dia a dia”. (CHIZOTTI, 2006, p. 87-88). São os acontecimentos diários que brotam de espaços cotidianos de uma sala de aula e

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como cada agente se comporta diante das construções recorrentes; são as práticas de leitura ocorridas no ambiente educacional carregadas de sentidos socioculturais que se expressam no cotidiano com suas contradições e com suas óticas diferenciadas. A atuação dos leitores demonstra o comportamento de acordo com sua posição social, as suas “modalidades de ação”, a sua “formalidade de ação”. Essa atuação refere-se a práticas triviais indicadoras de marcas correspondentes à configuração do leitor literário: diálogos, expressões faciais, gestos, ações características de uma posição do leitor, embora em muitas práticas essas ações não sejam sobressalentes para alguns docentes, sendo que o número de alunos das turmas inviabilizam o acompanhamento individual, visto que, como apresenta Wielewicki (2008, p. 27): “Reconhecer o aluno como agente de fato do processo educacional e em sua própria formação como leitor, assim, é mais difícil do que se pode imaginar.” Nesse sentido, a autora apresenta o conceito de agência que norteará essa compreensão do leitor: “uma ação reflexiva e transformadora, ou seja, pressupõe uma auto-reflexão sobre a experiência e a história pessoais e sociais, envolvendo pensamento crítico e ação.” (WIELEWICKI, 2008, p. 27)

O aluno-leitor-agente reflete na visão de educando e leitor, lê-analisa a obra a ser lida, avalia as atividades propostas. Haverá grupos diversos de agentes a se posicionar, replicando as regulamentações indicadas, outros que contrariados mudarão o seu comportamento e, através de um consenso, se manterão nas margens das solicitações. As marcas enunciativas demonstram sentidos variados das leituras desde a fala, o silêncio, a escrita e os sinais discursivos. Mesmo tendo o professor que fazer a leitura do leitor, este reconhece o que lhe é esperado e:

muitas vezes procura mostrar ao professor aquilo que imagina que alcançará aprovação, mesmo que seja diferente do significado que ele produziu. (...) Para não ser discriminado pelos seus pares, o aluno evita demonstrar sua produção de significado ou até mesmo resiste à participação no processo. Por outro lado, precisa oferecer as respostas “certas” para obter aprovação. Seria ingenuidade o professor acreditar que tudo aquilo que o aluno diz ou escreve é, realmente, o que ele pensa.” (WIELEWICKI, 2008, p. 35)

Mesmo que os leitores atuem diante das práticas de leituras propostas pelo ensino de literatura é necessária a significância no seu âmbito social. Todas as práticas de leitura planejadas no cotidiano da sala de aula são destinadas ao leitor. A atuação do leitor pode ser conduzida por ele na sua aceitação ou negação, diante

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das prescrições docentes seguidas de imperativos característicos do fazer literário: leia, selecione, indique; ou de expressões investigativas estruturais: Quais personagens? Qual o enredo? Como acontece o conflito? Quem são os protagonistas?, dentre outras. Administrar as maneiras de ler dos leitores é uma visão utópica, acreditar que é possível supervisionar a leitura, as interpretações de cada obra, direcionada para uma questão relevante: “O que o autor quis dizer?” Essa idealização das práticas de leitura desconsidera o leitor atuante e as possibilidades de ele reverte tudo o que foi proposto, inserindo as suas manifestações como leitores ou não leitores. Ainda que o professor norteie, direcione, esse é o seu papel para promover uma construção leitora dialógica.

As práticas de leitura são recebidas pelos leitores que decidirão como reagir diante delas. Alguns seguirão à risca as proposições docentes, muitos conduzirão a sua atuação, outros, insatisfeitos com o livro escolhido, com a atividade solicitada, com o enredar do sistema de ensino ou questões de ordem identitária, transgredirão as normas e não participarão da atividade. Cada cotidiano escolar trará atores divergentes na sua maneira de ler. Assim, ao processar as práticas de leitura, muitos modos de ler são ignorados, sendo valorizados os resultados das resoluções das atividades. O processo cotidiano, até chegar a essa fase prescrita pela prática docente é o fator de menor relevância.

O olhar para a atuação do leitor durante a realização das práticas de leitura acontecidas no espaço da sala de aula do Ensino Médio traz uma gama de respostas e possibilidades de atuação no contexto de ensino. Esse fazer dos educandos são as práticas cotidianas priorizadas nesta pesquisa. O lugar institucional, a posição pedagógica do docente, a prática de leitura desenvolvida, a obra literária, a identidade do leitor contribuirão para determinar a atuação de cada um. É na não aceitação do que foi mencionado acima, na negligência às atividades estabelecidas que os alunos se posicionam, elaborando modos diferenciados de lidar com as maneiras de ler. Essas atividades são norteadas por normas que objetivam a formação do leitor literário. Entretanto, diante da relação entre os envolvidos nesse conjunto dialógico (professor, aluno, prática pedagógica, texto) os alunos criam diversas formas de fazer que figuram, desconsideram ou reproduzem sua atuação para compor o retrato comportamental dos educandos solicitados pela prática desenvolvida.

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Dessa forma, as práticas de leitura têm o objetivo de produzir conhecimento, mapear um mosaico de leitores que compõem a sala de aula e propõe (mesmo tomando como referência atividades lúdicas) determinada leitura, seguida com suas caracterizações, suas bases estruturais ou uma historiografia literária da obra lida. São práticas que se constituem em um lugar próprio, desde a instituição de ensino às bases epistemológicas de que estão impregnadas a uma posição enunciativa do docente e da coordenação pedagógica que as propõem. Os sujeitos leitores se mobilizam nesse campo das PPLL, em um espaço desconhecido, estranho e inoperante para muitos que não condizem com a solicitação exigida. “A prática de leitura tem também sua vida própria. As leituras se sucedem, mas nem sempre se assemelham; elas se influenciam, modificam, agem sobre o leitor, levado a desviar seu trajeto à mercê de seus encontros e de seus desejos. ” (HORELLOU-LAFARGE, 2010, p. 124)

Quando não há uma concordância com a atividade a ser realizada e há uma intimidação, o leitor escolhe posicionar-se. Em alguns casos, ao adentrar no contexto cotidiano educacional de leitura, a peculiaridade como ele reage produz diversas possibilidades de resposta à atividade. Os sujeitos articulam habilidades que dissimulam as suas maneiras de ler, arquitetando outros modos de ação capazes de ficar invisíveis ou sobrepostos aos mecanismos utilizados no desenvolvimento das atividades. As práticas de leitura orientam o leitor e direcionam o sujeito nas configurações propostas pelos docentes.

Para se enquadrar como leitor, a visão do aluno é manter-se inserido nesse espaço ou conseguir inserir-se nas solicitações propostas pelo ensino. Mesmo que ele não seja considerado como aquele que perfila as padronizações do leitor literário, mas usa de artimanhas para conectar com esse contexto de leitura. Desvendar esse outro lado do leitor e não apenas a sua formação trará considerações consideráveis para repensar as práticas docentes e as contribuições da leitura no cotidiano educacional. Essa imagem de leitor traz uma realidade inexistente classificada pelo educador através do processo avaliativo.

O aluno é o agente da sua leitura literária considerada como contingente. A produção das ações não é mensurada, as ações são cíclicas e são construídas, correspondendo ao agente da docência. Educadores diferentes produzirão respostas divergentes para suas ações de leitura, assim como alunos-leitores- agentes de contextos outros modificarão esse quadro de comportamento. A atuação

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do leitor demanda visibilidade no campo educacional, para que com isso as práticas de leitura sejam reestruturadas, revistas e conectadas com esse sujeito.

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5 UM OLHAR ETNOGRÁFICO PARA OS EVENTOS E PRÁTICAS DE

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