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Entre rejeição, tolerância e aceitação: A diversidade sexual como arena de

5.1 Esterilização/contracepção compulsória, criminalização do aborto e discriminação

5.1.3 Entre rejeição, tolerância e aceitação: A diversidade sexual como arena de

A explícita vinculação entre os domínios sexualidade e reprodução, bem como a inserção da homossexualidade no rol de doenças inscritas na ordem das chamadas “perversões” no século XIX, se constituem em elementos cruciais, que nos tempos atuais, ainda exercem influência nas atitudes e práticas na área da saúde. Para Melo (2010) é intrigante como o contínuo interesse pelo corpo das mulheres, tem, historicamente, desconsiderado especificidades de saúde de mulheres com práticas sexuais homoeroticamente orientadas.

Na perspectiva deste trabalho, entendemos que esta realidade tem produzido, manifestações, das mais variadas, de violência institucional, que transitam, como apontado por Melo (2010), entre a rejeição da orientação sexual e/ou identidade de gênero; a tolerância, quando a orientação sexual for discreta e mantida no âmbito privado, e a “aceitação” – que dentre muitas aspas conforma, em muitos momentos, um preconceito velado. Desse modo, a linha tênue entre rejeição, tolerância e aceitação no campo da diversidade sexual, explicita o quão tênue pode ser a violência institucional neste campo.

Ela resolvera procurar um ginecologista, pois estava sentindo-se incomodada com uma coceira e vermelhidão que há alguns dias começara a sentir em sua região genital. Passou por um exame físico onde foram observados os sintomas e durante a consulta, quando perguntada pelo histórico de suas

parcerias sexuais anteriores, Inês informou que nunca teve relações com homens e, pela primeira vez numa consulta médica, criou coragem para informar que namorava e mantinha relações sexuais com mulheres. Ela foi

medicada e encaminhada para realizar exames complementares, entre eles uma ultrassonografia endovaginal. Ao ser atendida no centro diagnóstico, foi solicitada à tirar toda a roupa, vestir uma bata de uso comum em hospitais e clínicas e deitar em posição ginecológica numa maca. O exame - que até então imaginava tratar-se de uma ultrassonografia semelhante a outras que já havia realizado na região abdominal – seria uma nova experiência para a qual ela não tinha sido preparada. A tentativa de introdução do equipamento

no canal vaginal causou dor e esta sensação foi informada à profissional que realizava o procedimento. Esta, por sua vez, lhe deu como resposta a explicação de que o desconforto era resultado da sua tensão corporal e continuou a forçar a introdução do aparelho. Novamente a dor foi

informada, novamente a enfermeira respondeu que a dor ocorria porque ela não estava devidamente relaxada para o exame. Não suportando a situação,

Inês disse que era “virgem” e expressões faciais de susto e descrédito tentaram ser inibidas (ou reforçadas!) com perguntas do tipo: “como assim? Você nunca teve penetração? Qual a sua idade?” ao que seguiu uma resposta constrangida “nunca tive relações com homens”. A profissional

saiu para informar ao médico a situação. Ele, junto com mais três pessoas,

utilizado para retratar, conclusivamente, que a violência institucional cometida pelo Estado Brasileiro e seus agentes, pode ser “formalmente legalizada” por clássicas instituições como por exemplo o Poder Judiciário.

dirigiu-se à paciente e perguntando, novamente, se ela nunca teve relações sexuais, ao que ela respondeu “com homens não”. Enquanto Inês

permanecia na maca, ainda em posição ginecológica, à espera de uma “solução para o seu caso”, o médico entrou em contato com a colega de profissão que havia solicitado o exame. Decidiram trocar o procedimento por uma ultrassonografia pélvica. Inês, informada da modificação, foi solicitada a vestir a roupa e aguardar na recepção até que fosse chamada para a realização do novo procedimento. De volta à sala de espera, Inês sentiu-se como se todos os outros profissionais da clínica tivessem conhecimento do fato que acabara de acontecer na sala ao lado. Exame realizado e desculpas verbalizadas, Inês retornou ao consultório de Ginecologia para entrega dos exames, afinal necessitava de um diagnóstico conclusivo sobre seus sintomas.

Chegou a falar sobre a situação constrangedora a que tinha sido submetida, porém, seguiu-se a consulta sem comentários mais detalhados sobre a situação. Inês não retornou mais àquela profissional e quiçá tenha retornado a outro ginecologista ou profissional de saúde (Relato da pesquisa

realizada por Melo).

Apesar de ser um relato relativamente extenso, e tratar-se de uma experiência particular, como apontado por Melo (2010), a situação descrita evidencia aspectos importantes da relação estabelecida entre profissionais de saúde e mulheres com práticas homoeróticas, no interior dos serviços. Em variadas circunstâncias, esta relação é permeada por situações de desconfiança, ocultamento e violência, que resultam, como foi o caso, no afastamento da usuária dos serviços de saúde (movido pela recusa de acessar estes serviços com oferta discriminatórias e/ou constrangedoras, como demonstrou também a pesquisa de Souza, 2018).

Podemos relacionar a situação descrita também como reflexo das tendências de configuração e implementação do Planejamento Familiar no Brasil. Em pesquisa realizada por Melo (2010) um dos resultados alcançados diz respeito a como este dispositivo legal se configura mais como uma estratégia de enquadramento das mulheres do que como uma ferramenta que as possibilite um certo grau de autodeterminação na esfera reprodutiva e sexual. Corroborando com a perspectiva deste trabalho, Melo (2010) também defende que o termo ‘Planejamento Familiar’ nos remete a um determinado e estático modelo de reprodução (centrado na família formada por um casal heterossexual); fazendo com que se rejeitem outras configurações familiares e vivências sexuais (para além das que se enquadram nesse modelo hegemônico de família nuclear).

No cotidiano dos serviços de saúde, o atendimento direto junto a demandas que se afastam do padrão estabelecido (no caso das demandas das mulheres lésbicas ou bissexuais) sofre constantemente interferências morais; a partir de posturas preconceituosas, excludentes e reducionistas, que contribuem para o não reconhecimento de práticas sexuais homoeróticas como legítimas (como observado no relato acima). Nesse contexto, quando os serviços se

encontram hegemonicamente amparados em padrões heteronormativos, há, do ponto de vista deste trabalho, a configuração da violência institucional.

Sobre este ponto, Souza (2018) infere que as questões culturais que cercam a heteronormatividade perpassam e influenciam o atendimento dos profissionais de saúde, os fazendo seguir “um protocolo de heteronormatividade institucional”, pressupondo, a partir de uma matriz heterossexista, que todos são heterossexuais.

Marcado por processos de iniquidade social, o contexto de acesso da população aos serviços de saúde, traz como uma das consequências, no caso específico das mulheres lésbicas e bissexuais, a possibilidade de disseminação da ideia de invulnerabilidade delas às DSTs, que advém e é produto do desconhecimento das formas de prevenção, exames e especificidades. Para Santos (2008) é este contexto que promove o distanciamento dessas mulheres das ações de prevenção e promoção da saúde, já que tais ações, em sua maioria, são centradas em um discurso moral das práticas sexuais. Assim, para “mulheres lésbicas ou bissexuais o cuidado em saúde parece está restrito ao consultório ginecológico” (SOUZA, 2008, p.117), ou nem isso:

A minha (namorada) mesmo, não vai a ginecologista nem amarrada. Ela nunca teve relacionamento com homem. E não vai de jeito nenhum. Se tiver exame de sangue, vai, mas de prevenção de forma nenhuma. Papanicolau eu nunca fiz. Não! Entrando no meu corpo...não quero isso ai não (Relato da pesquisa realizada por Souza).

Quando eu levei uma menina lésbica para fazer a prevenção, ela nunca tinha ido [...] e quando a menina se senta, quando ele (médico) olhou pra ela, fez sempre a primeira pergunta, é: qual o teu problema? E quanto ela tentou conversar com ele, ele não deixou ela nem terminar, falou pra ela assim: vá, sente ali e se arreganha. Na hora isso me travou, eu não falei nada, a menina se levantou disse que não ia se arreganhar pra ele. Menino, ela abriu a porta do consultório e saiu. Eu fiquei perdida sem saber o que fazer, né? (Relato da pesquisa realizada por Souza).

Ao analisar a qualidade do acesso da atenção integral à saúde das mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis, na atenção básica de saúde do Estado de Pernambuco, Souza (2018) identifica um conjunto de elementos que mapeiam as condutas profissionais e as ações de saúde, destacando-se: a ausência de acolhimento ou incerteza de um acolhimento humanizado; o despreparo dos profissionais - que produz situações de indiferença, preconceito e maus tratos; o negligenciamento dos relatos das usuárias sobre sua condição de saúde e realidade socioafetiva e sexual; e a utilização quase que exclusiva de um protocolo de heteronormatividade institucional. Ademais, segundo a pesquisa a agência da homofobia no interior dos serviços, “pode representar uma barreira que limita ou até mesmo impede o acesso aos serviços de saúde” (p. 114).

De acordo com os resultados da pesquisa de Souza (2018), e das interlocuções que a autora faz com outros pesquisadores da área, infere-se que o grupo LGBTQ+ tem medo de revelar sua orientação sexual nos serviços de saúde, pois imaginam que essa informação trará impacto negativo à qualidade da assistência prestada. Segundo dados da pesquisa de opinião realizada pela Fundação Perseu Abramo (2008), trazidos por Souza, cerca de 14,5% do público alvo entrevistado na parada gay de São Paulo, relatou ter sofrido preconceito, motivado por sua orientação sexual, nos serviços da rede de saúde pública.

O silenciamento e afastamento das mulheres com práticas homoeróticas dos serviços de saúde reduz as possibilidades de orientações específicas para suas demandas de saúde. Uma das hipóteses que podem dar conta de explicar a questão da invisibilidade social das demandas trazidas por este público vem da hegemonia tanto do modelo biomédico (por produzir olhares profissionais reducionistas pautados na patologização) quanto da hetenormatividade “que estrutura habitus que veem e pensam a sexualidade como única e exclusivamente desta ordem “ (SOUZA, 2018, p. 75).

Esta realidade opressora e conservadora além de exigir a materialização do que preconiza as diretrizes e princípios da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, a qual traz em seu escopo uma sólida contribuição para a consolidação do SUS e qualificação do atendimento ofertado; também exige a transformação e superação desta sociedade reprodutora de opressões, que tem em seu signo a marca da desigualdade.

Assim, quando uma mulher lésbica ou bissexual é impedida de doar sangue (associando- se a bissexualidade a promiscuidade); quando há negligência médica no atendimento direto, ou quando lhes faltam informações científicas seguras e até formas concretas de proteção sexual (já que a maioria dos contraceptivos de barreira foram pensados para uma realidade heterossexual), situamos a fragilidade de acesso à atenção integral; a qual parece está intimamente relacionada, em grande medida, a transgressão do princípio de igualdade, bem como aos demais princípios que compõem inseparavelmente os direitos sexuais e reprodutivos.

Diante deste debate proposto, sugiro que a não adequação ao sexo biológico ou a identidade sexual heteronormativa, relega os sujeitos com práticas homoeroticamente orientadas à uma estampa de inferioridade e anormalidade dentro e fora dos serviços. Por ter base estrutural, a discriminação, diante da orientação sexual ou identidade de gênero, promove o desenvolvimento de processos de sofrimento; intensificando o adoecimento e as mortes prematuras, os quais, como bem apontou Souza (2018), são frutos do preconceito e estigma social destinado à esta população; sendo necessário aos serviços de saúde apreender e acolher as demandas dos sujeitos, distanciando-se de práticas que reproduzam a violência e a negação já vivenciada por este público em outros tantos espaços da sociedade.

Epílogo56: “Eu me lembro de um sentimento, não foi de nenhuma ação, mas de um sentimento muito forte de desconforto, porque eu não tava me sentindo à vontade naquele espaço pra falar verdadeiramente sobre as minhas práticas sexuais e tal. Porque, enfim, as pessoas partem do pressuposto de que você vai ser heterossexual e monogâmica e aí eu, é, sinceramente não consegui falar abertamente isso com nenhum profissional da área da saúde. Realmente, as coisas sempre ficam no não dito, sabe?! E isso é foda, porque faz com que a gente não conheça o nosso corpo e como a gente pode se relacionar com as pessoas e tal. Principalmente, nos casos de relacionamentos entre mulheres, porque pouco se sabe sobre essas coisas de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. E acho que isso faz parte dessas questões de invisibilidade que a gente vive. E aí eu acho que deve ser um espaço acolhedor em que a gente se sentisse à vontade pra falar das nossas práticas, esse medo, essa culpa e... de alguma forma os profissionais não partissem desse pressuposto da heterossexualidade compulsória e da monogamia imposta. Mas enfim isso é uma coisa muito difícil de acontecer na prática”.

56 Este trecho utilizado está disponível em: Análise sobre acesso e qualidade da atenção integral à saúde de mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis na Atenção Básica de Saúde na Cidade do Recife, Brasil (Andrea Souza, 2018).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fonte: blackpoems

Historicamente a condição de classe e raça reserva formas distintas de controle da sexualidade e reprodução das mulheres; as quais implicam que a atuação do Estado na regulação destas esferas não se trata de um processo natural, mas sim historicamente determinado. Há, portanto, neste cenário uma redução da sexualidade e da reprodução a uma condição de escravidão em relação a estrutura econômica capitalista. Assim, com os processos de expropriação dos corpos das mulheres e sua mecanização e transformação em uma máquina de produção de novos trabalhadores, houve um ataque sumário ao exercício da autonomia (mesmo que relativa) e da liberdade pelo segmento de mulheres (FEDERICI, 2004, SAFIOTTI, 2005). O ataque aos direitos sexuais e reprodutivos através da imposição da maternidade, do casamento monogâmico e da normatização dos padrões de comportamento diante da sexualidade, contribuiu para que o capitalismo, através do Estado patriarcal, disseminasse e fortalecesse seu projeto violento de dominação da sociedade. De forma contemporânea, a violência estrutural, enquanto expressão da expropriação, torna-se um processo permanente e determinante para a expansão do modo de produção hegemônico em vigência.

imposição e centralidade do casamento e da maternidade, o movimento feminista, no início de suas lutas táticas e reivindicatórias pela construção dos direitos sexuais e reprodutivos, buscou explicitar na esfera pública as mais diversas situações de opressão vivenciadas pelas mulheres. No entanto, acompanhando e sofrendo influência das tendências de organização política dos movimentos sociais, apontadas e analisadas por Santos (2005), há um distanciamento do movimento feminista das pautas radicais que buscavam tensionar a dominação-explotação vivida e sentida.

Entretanto, mesmo diante destes tensionamentos, o movimento feminista construiu em algumas de suas pautas um direcionamento emancipador, tal qual é possível observar a partir da análise da base ética dos direitos sexuais e reprodutivos. Partindo da análise do que este trabalho considera ser os cinco princípios éticos inseparáveis dos DSR, assinalo que em si estes princípios trazem consigo algumas urgências: 1) Igualdade: ultrapassar o reducionismo de ser entendida como uma conquista meramente formal situada nos marcos da democracia burguesa 2) Integridade corporal: transpor-se à exigência de liberdade e autodeterminação contra os abusos/violências, centrando-se na luta contra as condições econômicas e sociais que produzem essa violência 3) Diversidade: contrapor-se a fragmentação da realidade social e sua tendência de criação de grupos específicos (que tem por objetivo enfraquecer as lutas pelo fim da opressão e violência) 4) Autonomia: utilizar as categorias classe social, gênero e raça como balizas estruturais que cercam a tomada ou não de decisões no campo dos DSR e 5) Integralidade: tensionar o modelo de saúde medicalizado, afastando-se de tendências que reduzem os processos permanentes de dominação em fatores de risco, para consequentemente aproximar- se de práticas que resgatem a linha emancipadora.

Quanto a pesquisa documental, um dos resultados alcançados foi justamente a contradição explícita presente na lei do planejamento familiar. Esta norma legal ao mesmo tempo que defende a vivência das esferas da reprodução e sexualidade de maneira “livre/autônoma/igual”, também prevê a esterilização compulsória de sujeitos considerados “incapazes”. Enquanto uma das percussoras da institucionalização de algumas pautas dos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil, esta lei tem sido constantemente acessada para formalizar legalmente a violência institucional promovida pelo Estado capitalista.

Nesse sentido a noção clássica de que a regulação da fecundidade das mulheres, e sua consequente redução, promoveria o desenvolvimento da humanidade e a erradicação da pobreza, ainda encontra lugar quando olhamos para o cotidiano dos serviços de saúde. Em ampla medida tal assertiva tem contribuído para a imposição da contracepção e/ou esterilização de mulheres, sendo rotineiramente utilizada para justificar e defender que a melhoria da qualidade de vida é uma responsabilidade individual, e quase que restritiva, das mulheres.

Partindo das tendências de reatualização do conservadorismo apontadas por Souza (2016), observadas através do a) o crescimento da intolerância b) o ataque aos direitos sociais/civis/ políticos c) repressão as formas de manifestação revolucionárias; este trabalho situa como consequência destas tendências, o fortalecimento do modelo curativo biomédico, que exige, dentre outras coisas, o estabelecimento de práticas pragmáticas e individualizantes que responsabilizam e culpabilizam os sujeitos desconsiderando suas reais necessidades sociais. Dessa maneira, sendo a violência institucional um fenômeno estrutural que se manifesta de forma multifacetada, são polifórmicas também as suas características. Entretanto há categorias que são constantemente requisitadas pelas práticas de violência institucional, onde destaco: a) a negligência (permeada pelo pragmatismo) b) o autoritarismo (assentado no controle coercitivo do Estado patriarcal) c) a imposição (do saber científico e de procedimentos) e d) preconceito (pautado na moralização da vida social).

A partir da análise das manifestações da violência institucional, apresentada no decorrer deste trabalho, sugiro que a dinâmica da sociedade capitalista impõe a existência da violência institucional como forma de manter e reatualizar seu projeto de dominação social. Os dados revelam que a naturalização e a suposta invisibilidade destas manifestações partem de três grandes imperativos sociais: a) a noção de subserviência atrelada a mulher e a imposição da maternidade b) a existência de hierarquias sexuais e reprodutivas e c) a estampa de inferioridade e anormalidade atribuída a não-adequação ao sexo biológico e a identidade sexual heteronormativa.

As circunstâncias sociais, econômicas, políticas e culturais que envolvem o chamado mito do amor materno, bem como a noção patriarcal de que as mulheres são seres inferiores (devendo ser controladas pelo Estado e seus agentes, e pelos homens), impõe a maternidade forçada para o segmento de mulheres. Este trabalho considera que este imperativo tem sido utilizado para justificar a negação de direitos reprodutivos das mulheres, como por exemplo o aborto.

Como apontado por esta pesquisa, este itinerário de imposição da maternidade, nos serviços de saúde brasileiros, acompanha até mesmo as mulheres que estão asseguradas por lei para realizar o procedimento de interrupção voluntária da gravidez, onde se protocolizou uma prática inquisitória, que de maneira geral nega o acesso das mulheres ao seu direito reprodutivo, através de posturas policialescas e discriminatórias promovidas pelos serviços.

Diniz e Madeiro (2016) indicam um conjunto de dificuldades para efetivação do direito ao aborto, apreendidas no interior dos serviços especializados para a realização do aborto legal no Brasil; porém partindo destas e associando-as a outros determinantes apreendidos no processo de construção desta pesquisa, considero necessário aprofundar a análises sobre os

protocolos de acesso, considerando, que a priori, eles apresentaram-se nesta pesquisa como um meio de negação do direito ao aborto. A utilização de recursos tecnológicos como a ultrassonografia, também merece devida atenção em pesquisas futuras.

Quanto às hierarquias sexuais e reprodutivas, este trabalho obteve como resultado e reflexão que a imposição deste sistema hierárquico tem fortalecido um modelo de saúde de base excludente e discriminatório, o qual acessa alguns mecanismos – como o convencimento impositivo - para se fortalecer. Tratado neste trabalho para explicitar características das manifestações de violência institucional, o convencimento impositivo imprime um caráter oculto as expressões da violência, pois estas aparecem como sendo fruto de uma escolha ou decisão individual, quando na verdade partiram da imposição do conhecimento científico e/ou da hierarquização entre profissionais/usuárias.

Dentro desta lógica, pontuo que a contracepção/esterilização compulsória ou a esterilização/contracepção por meio do convencimento impositivo, em grande medida tem como fundamento uma compulsoriedade social, pois, como mencionei ao longo desta investigação, as condições de trabalho, violência, relações conjugais hierárquicas e classe social, permeiam as decisões que aparentemente são voluntárias.

Sobre o último aspecto que se relaciona com a questão da invisibilidade das manifestações da violência, esta pesquisa indica que a estampa de inferioridade/anormalidade