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3.1 Direitos sexuais e reprodutivos: uma necessidade humana inalienável

3.1.5 Integralidade

A integralidade emerge como um princípio organizativo contínuo do processo de trabalho nos serviços de saúde, que se caracteriza pela busca também contínua de ampliar as possibilidades de apreensão das necessidades de saúde da população. Este princípio implica em uma recusa aos reducionismos e à objetificação dos sujeitos e de suas demandas de saúde, pautando-se no compromisso frequente em assimilar as necessidades não contempladas pelos serviços, políticas e práticas profissionais (MATTOS, 2009).

Entendemos aqui que, além de ser um princípio, a integralidade é uma diretriz que norteia a organização do SUS, ancorando-se na noção de continuidade da atenção. Originalmente tal princípio seria a consequência de uma noção proposta pela medicina integral, tendo posteriormente se vinculado ao movimento de ideias que criou a proposta de medicina preventiva em escolas médicas norte americanas entre as décadas de 1950 e 1960 (PAIM, 2006).

Em termos analíticos podemos situar que enquanto a medicina integral tinha por objetivo articular os cinco níveis de prevenção (promoção, proteção, diagnóstico precoce, limitação do dano e reabilitação) sobre o processo saúde doença; a chamada medicina preventiva, por outro lado, e de maneira parcial, fundamentava que a promoção e proteção seriam responsabilidade dos serviços públicos enquanto que as demais ações seriam destinadas para a medicina privada. (PAIM, 2006).

Ainda segundo Paim (2006), a partir das influências postas pelas bases conceituais da Reforma Sanitária Brasileira, que criticou a perspectiva liberal da medicina preventiva, podemos vislumbrar pelo menos quatro perspectivas atribuídas a integralidade: a) integração de ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde; b) formas de atuação profissional abrangendo as dimensões biopsicossociais; c) garantia da continuidade da atenção nos distintos níveis de complexidade dos serviços de saúde; e d) articulação de um conjunto de políticas públicas vinculadas a uma totalidade de projetos de mudanças (Reforma Urbana, Reforma Agrária, dentre outras), considerando que estas incidem sobre as condições de vida e saúde dos sujeitos, exigindo-se, portanto, ampliação das ações intersetoriais.

Para Mattos (2009), o princípio da integralidade é acompanhado por um conjunto de sentidos, que partem da organização do trabalho, da organização das práticas e das políticas institucionalizadas, conformando a este princípio um caráter organizativo contínuo e mutável.

Desse entendimento, assevera o autor que mesmo quando a integralidade se apresenta diretamente ligada ao conhecimento biomédico, ela não é atributo exclusivo da medicina, devendo, pois, ser assegurada por um conjunto de profissionais de saúde, que através da organização dos serviços, devem realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população – que necessariamente deve partir de uma concepção ampliada de saúde.

Breilh (2006), ao discutir a concepção ampliada de saúde, realiza uma crítica a noção de saúde medicalizada e lucrativa a partir de uma análise histórica sobre as derrotas dos Direitos Humanos. Em termos históricos o autor esclarece que diante da transição da sociedade comunal para a sociedade dos mercados privados, a centralização na produção para o lucro se expressou como eixo organizativo de todas as atividades sociais. Segundo ao autor esta realidade se aprofundou tanto com o surgimento do capitalismo para a livre concorrência (século XVII), quanto com o surgimento da grande indústria (século XVIII), gerando processos contínuos de depreciação ampliada da vida humana.

De modo mais contemporâneo, na década de 1980, há uma nova derrota dos Direitos Humanos, fruto de uma contrarreforma jurídica, ideológica e cultural que criou profundas limitações legais a qualquer forma de defesa de direitos sociais. Segundo o autor, este quadro produz a urgência de reafirmação da necessidade em saúde, na perspectiva de defendê-la como um bem social inalienável.

Com base nesta concepção ampliada de saúde, a defesa da noção de saúde integral da mulher emerge partindo da crítica feminista aos programas materno-infantis e a sua perspectiva reducionista – por estes atribuírem ao corpo das mulheres a função exclusiva da reprodução biológica. A integralidade da atenção surge, portanto, para contrapor os reducionismos, tomando, a partir de então, as mulheres como sujeitos e não como meros objetos reprodutivos. Para além de amplificar o olhar para as reais necessidades sociais, a proposta de atenção integral à saúde, objetiva elucidar e problematizar as condições estruturais e sociais de desigualdade que delineiam e determinam os processos de saúde-doença das mulheres, formulando uma crítica “ao modelo de oferta de ações em saúde, altamente medicalizado34,

entendendo que este modelo reproduz os esquemas de dominação sobre as mulheres e as mantém alienadas dos seus corpos e das suas necessidades como sujeitos” (VILLELA, S/A, p.8).

34 Por medicalização entendemos um processo social por meio do qual a medicina fundamentou uma série de procedimentos e processos de trabalho a fim de regular aspectos da vida social. Por meio de tais processos sociais (especialmente através da medicina preventiva que possui muitos elementos medicalizantes – onde aplica-se técnicas e conhecimentos sobre uma determinada doença), a medicina “não só trata doentes; ela recomenda hábitos e comportamentos”, invadindo e regulando a vida privada dos sujeitos (MATTOS, 2009).

Dentre alguns sentidos que a integralidade pode tomar para si, há um debate que merece nossa atenção. Diferentemente de Breilh (2006), Mattos considera que a apreciação de fatores de risco – de doenças que possivelmente possam vir a se desenvolver em sofrimento concreto – seria um dos sentidos da integralidade, donde, em sua perspectiva, haveria um processo intrínseco de articulação entre prevenção e assistência. Por outro lado, Breilh defende o paradigma do risco como uma formulação positivista, destacando dentre as suas características o esvaziamento do conteúdo histórico, o reducionismo probabilístico e o nivelamento ontológico/metodológico de fatores associáveis e manipuláveis.

Para o autor o risco está intimamente relacionado à ideia de contingência dos eventos probabilísticos (àqueles com maior chance/probabilidade de ocorrer). Há então uma concepção rígida em torno do conceito de contingência, não o possibilitando assimilar que “na geração das condições de saúde, alguns processos atuam de forma estrutural ou permanente, outros atuam de modo diário, embora não permanente, e outros, ainda, são de caráter eventual”.

Sob estes pontos de vista, exemplificamos: ao se considerar a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, há uma tendência para se estruturar um conjunto de riscos variáveis, como: quantidade de parceiros, idade, quantidade de filhos, ausência de filhos, procura/acesso a serviços de promoção e proteção (fatalmente secundarizando as demais dimensões da prevenção). Esta noção redutora faz com que tais riscos terminais se sobreponham a condição de dominação-exploração das mulheres, que é um processo permanente e sistêmico na sociedade de classes – fatalmente legitimando, sob esta perspectiva, processos de culpabilização das mulheres por questões que envolvam sua saúde.

Desse modo, ao converter os processos de dominação patriarcal em riscos ou fatores externos à vida das mulheres, acreditando-se que a sua agência se dá apenas em momentos ocasionais, perde-se o movimento dialético, já que os fatores de riscos se constituem “como uma teoria de enorme utilidade para os modelos de gestão neoliberal e para a manipulação da hegemonia em saúde” (BREILH, 2006, p. 202).

Para a linha de investigação que nos interessa, e objetivando nos distanciar da perspectiva dicotômica e terminal da saúde (ausência ou não de doenças), onde se convertem em riscos/eventualidades “aquilo que se constitui processos destrutivos de caráter permanente” (como é o caso dos processos hegemônicos de dominação-exploração patriarcais instaurados pela sociedade capitalista), este trabalho defende, a partir de Breilh, a necessidade de análise da estrutura da categoria inequidade, que explica e produz as desigualdades estruturais, a fim de construir coletivamente “interpretações e resultados que impliquem um processo emancipador integral” (p. 218).

No contexto brasileiro, entendendo que as noções de integralidade foram pensadas como balizas contra hegemônicas que formulam uma crítica radical “às práticas, às instituições e à organização do sistema de saúde” (MATOS, 2009) – sendo uma especificidade da reforma sanitária brasileira e do projeto societário que a move –; podemos identificar alguns desafios a serem enfrentados para que este princípio (o da integralidade) tenha sua utilidade política e coletiva disseminada e assegurada.

O primeiro desafio é superar justamente o esvaziamento da utilidade política da integralidade, que se dá exatamente a partir da banalização do uso de tal princípio - através da menção superficial da expressão, sem, no entanto, compreender as conexões sociais/políticas/culturais que a permeiam - (MATTOS, 2009). Para Villela (2005) um segundo desafio é que a proposta de atenção integral à saúde da mulher implica na articulação entre os diferentes setores e níveis de assistência, o que, na prática, tem sido um dos grandes entraves à sua operacionalização, devido o avanço da agenda neoliberal na desregulamentação do direito à saúde.

No caso dos direitos reprodutivos, por exemplo, se um serviço de saúde oferece o procedimento de aborto legal, ancorado apenas no procedimento clínico de curetagem e/ou de atendimento psicossocial (pautado na perspectiva de confirmação/inquirição sobre os acontecimentos35), sem no entanto oferecer ambiência adequada (sigilosa/segura e que garanta

o direito de acompanhamento afetivo/familiar) há uma transgressão, do ponto de vista ético, do princípio da integralidade. No caso dos direitos sexuais, se um serviço tem seu processo de trabalho todo estruturado para atender demandas de saúde de pessoas heterossexuais, e ao se deparar com uma demanda de saúde sexual de um casal lésbico não dispõe de protocolos, insumos e tecnologias necessárias – não disponibilizando possibilidades preventivas e nem assistenciais de acordo com a necessidade/demanda, também podemos situar aqui tal transgressão.

Voltando à discussão do aborto, é muito frequente que as mulheres apresentem a necessidade de acompanhamento, tanto multiprofissional quanto intersetorial, após a realização do procedimento, em casos onde há um dano psicológico ou clínico decorrente do processo de violência sexual, ou decorrente do próprio procedimento de aborto que, muitas vezes, é traumático, expressando-se em violência institucional. Diante do cenário de sucateamento dos serviços de saúde, esse atendimento de perspectiva integral tem sofrido muitos tensionamentos

35 Veremos mais detalhadamente este processo quando formos tratar do serviço especializado de aborto legal ofertado nos serviços de saúde pública.

e dificuldades de se legitimar, o que tem gerado para muitas mulheres sérios processos de adoecimentos e sofrimentos.

Diante deste quadro, trabalhamos com a noção defendida por Paim (2006), de que a definição ampliada de integralidade pauta-se em quatro diferentes e interligados conjuntos: a) boas condições de vida e trabalho; b) acesso a toda tecnologia capaz de melhorar as condições de saúde; c) estabelecimento de “vínculos (a)efetivos” entre usuárias (os) e equipe/profissional de saúde; e d) fortalecimento do princípio da autonomia. Nesta perspectiva, “o princípio de integralidade implica dotar o sistema de condições relacionadas às diversas fases da atenção à saúde, ao processo de cuidar e ao relacionamento do profissional de saúde com os pacientes” (p.17), propiciando que os indivíduos e coletividades tenham ao seu dispor um atendimento organizado e pautado na diversidade humana.

A proposta de saúde integral das mulheres, que está pautada nas premissas sobre a determinação social do processo saúde e doença, é também fatalmente atravessada pela perspectiva hierárquica da ordem patriarcal (que determina as desigualdades estruturais entre mulheres e homens). Este terreno contraditório produz a necessidade da ênfase em práticas que resgatem a linha emancipatória, no intuito de fortalecer o projeto contra hegemônico e sua perspectiva social-transformadora, sendo necessário reacender em suas agendas:

A segurança humana integral, o problema da igualdade necessária e tríplice de acesso e participação - social, étnica e de gênero -, a conquista do direito universal a serviços e programas da mais alta qualidade, o estímulo urgente a um processo de humanização e proteção da vida em todas as suas dimensões - de trabalho, de consumo, de reprodução cultural e subjetiva, de promoção e defesa de uma ecologia saudável e de implementação de uma construção multicultural das formas e sentidos da organização (BREILH, 2006, p. 188- 189).

Portanto, este trabalho pauta a construção de um modelo emancipador para o desenvolvimento humano, tendo a clareza de que a perspectiva social, que inspira nossa proposta de investigação, requisita tanto a análise da estrutura de poder que tensiona os direitos sexuais e reprodutivos, quando a análise e fortalecimento dos processos interligados de resistência das organizações coletivas nas arestas desta mesma estrutura; sendo a noção de integralidade uma dimensão coletiva das necessidades humanas.

A partir daqui assumo o desafio de explicitar outras elaborações resultantes dos caminhos teórico-metodológicos e ético-políticos percorridos, buscando interligar as discussões à luz de uma perspectiva de totalidade ao apontar a existência objetiva do objeto aqui investigado: as expressões/manifestações da violência institucional nos serviços de saúde, especificamente no campo dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Para tanto se faz

necessário compreender historicamente como estes direitos se expressam na sociedade contemporânea, de que forma se constituem, suas ambivalências, contradições e principais embates políticos em torno das tentativas de concretiza-los enquanto direito humano (universal e intransferível) de perspectiva radicalmente emancipadora.

4 SOBRE A CRÍTICA À UNIVERSALIDADE ABSTRATA DO DIREITO BURGUÊS: QUAL O LUGAR DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS?

Fonte: Pinterest

Entendemos aqui que a expansão de direitos pelo Estado Social tem em si uma natureza contraditória. Se por um lado promove um certo bem-estar social e minimiza desigualdades, por outro, assegura condições para preservar a estrutura das relações capitalistas. O mesmo Estado, que em determinadas circunstâncias, atende reivindicações da classe trabalhadora, ampliando direitos sociais, também cria condições objetivas de reprodução e integração da força de trabalho e reprodução ampliada do capital, evidenciando sua real natureza enquanto peça integrante da sociedade capitalista.

A expansão do Estado Social, por meio da viabilização de direitos e implantação de bens e serviços públicos, criou uma falsa interpretação sobre a construção da cidadania como possibilidade concreta de garantia de direitos iguais a todos no capitalismo. Nesse sentido, há uma incompatibilidade explícita entre a igualdade substantiva/emancipação humana e a cidadania burguesa, pois, esta última demarca a limitação burguesa de restrição à emancipação política, que nada mais é do que o reconhecimento legal do cidadão político; sendo esta esfera formal o último possível estágio que essa sociabilidade consegue alcançar. De toda forma, os direitos garantidos pelos Estado Burguês devem ser vistos como mediações importantes para

assegurar a emancipação política, considerando que estes direitos são frutos da luta e resistência histórica da classe trabalhadora para a melhoria das suas condições de vida e trabalho (BOSCHETTI, 2018).

Apesar do Estado Social ser condição sine qua non para o capitalismo garantir as condições gerais de sua reprodução; a depender do grau de intervenção estatal o capital não consegue conviver (sem crise), sendo necessário buscar formas de impor limites às interferências do aparelho do Estado, reafirmando essa contradição eterna e própria da sociedade capitalista.

Baseada em Montes (1996), Behring (2008) aponta que a partir do momento em que o neoliberalismo desvenda os “perigosos e efeitos” do Estado Social (burocratização, baixa produtividade, sobrecargas de demandas), e observa o especial impulso dado aos movimentos sociais em torno de respostas às suas demandas; passa a intervir pelo fortalecimento do mercado livre em detrimento da destruição do Estado Social, através da:

retirada do Estado como agente econômico, dissolução do coletivo e do público em nome da liberdade econômica e do individualismo, corte dos benefícios sociais, degradação dos serviços públicos, desregulamentação do mercado de trabalho, desaparição dos direitos históricos dos trabalhadores; estes são os componentes regressivos das posições neoliberais no campo social, que alguns se atrevem a propugnar como traços da pós-modernidade (MONTES, 1996, p. 38, apud, BEHRING, 2008, p. 58 – tradução da autora).

A partir de uma forte defesa do passado, o pensamento neoliberal combina as orientações e condições do seu receituário, diante da mundialização do capital, com o enfraquecimento do controle democrático; firmando, incisivamente, a hegemonia burguesa no interior do Estado. Ao seu favor, argumenta sobre a necessidade de contenção do déficit público, preconizando, para tanto, o corte dos gastos estatais, que, nesta perspectiva regressiva, serviria para alcançar o “equilíbrio das contas públicas” (BEHRING, 2008).

Diante dos apontamentos iniciais em torno das contradições da sociedade capitalista, onde se destaca a grande ofensiva ideológica de inaceitabilidade de um Estado Social; considero que para discutir sobre a universalidade abstrata do direito burguês, circunscrevendo o lugar dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, é necessário partir da análise crítica dos Direitos Humanos, tendo a clareza que estes, em si, incorporam os DSR no rol das “garantias universais da humanidade”.

Como ponto nuclear, situo algumas polêmicas de duas antagônicas perspectivas teóricas (o liberalismo e o marxismo), as quais acompanharam a luta e a trajetória de construção dos Direitos Humanos. O liberalismo buscou disseminar ideologicamente a noção de que haveria

uma incompatibilidade explícita entre os marcos da democracia, e sua valorização dos direitos individuais, e o marxismo. Para o pensamento liberal, o marxismo, ao transpor sua ênfase para igualdade substantiva/emancipatória, estaria depreciando os Direitos Humanos, as liberdades individuais e a democracia. Este processo de simplificação teórico-político do marxismo, empreendido pela corrente liberal, favoreceu a expansão dos valores liberais e de seu horizonte ancorando no estabelecimento formal da igualdade e liberdade, resultando no aprofundamento da depreciação das condições de vida da classe trabalhadora, e retroalimentando a força ideológica que sustenta a burguesia (SANTOS, 2005).

Corroborando com Mèszáros, Santos (2005) esclarece que a crítica de Marx aos Direitos Humanos se assenta no fato de que estes direitos foram historicamente utilizados pelas classes dominantes como “instrumento de racionalização ideológica da desigualdade e da dominação capitalista”. Assim, a racionalidade burguesa, forjou a ideia de que todos os indivíduos possuem direitos e são reconhecidos como iguais perante a lei; mas o que para a classe dominante tratava- se de uma “liberdade universal”, para a tradição marxista trata-se de uma igualdade de base formal, na medida em que: “subtrai as diferenças classistas, não levando, pois, em consideração, as reais condições de existência dos indivíduos sociais” (p. 85).

A armadilha criada pelos valores liberais burgueses possibilitou a definição dos Direitos Humanos como lugar homogeneizado por onde os sujeitos deverão se mover para enfrentar as manifestações da opressão historicamente consolidada. Esta cilada transitou no próprio pensamento da esquerda, incutindo-se o risco eminente do seu aprisionamento à cultura política própria da ordem burguesa.

Nos lembra Mèszáros da impossibilidade de humanizar o capital por meio de iniciativas por dentro da lógica do Estado, à exemplo dos Direitos Humanos. Tal constatação não nos isenta de contribuir para a ampliação dos espaços de lutas por direitos sociais, mas nos ajuda a compreender o campo de contradições e limites em que “se movem indivíduos e instituições, sob a regência e domínio do capital” (SANTOS, 2005, p. 73). Sob esta perspectiva, este trabalho defende que “a verdadeira universalidade em nosso mundo, realmente existente, não pode emergir sem a superação das contradições antagônicas da relação entre capital e trabalho em que os indivíduos particulares estão inseridos e pela qual são dominados” (MÈSZÁROS, 2002, p. 66).

Em fins do século XX o contexto desanimador imposto à classe trabalhadora (com o esgotamento do “socialismo real” e com a crise de reconfiguração do Estado Social) fez com que as lutas em torno do alcance de Direitos Humanos oxigenassem o campo complexo da política enquanto aglutinador dos sujeitos individuais e coletivos na busca por seus direitos. Como bem aponta Santos (2005) os complexos ‘política e direito’ ganharam intensa

visibilidade por meio dos movimentos sociais, que a partir de sua força motriz colocaram em movimento os sujeitos e a suas lutas políticas coletivas.

Neste cenário, uma imensa variedade de sujeitos inscreveu suas reinvindicações e necessidades na arena dos Direitos Humanos, destacando-se pioneiramente o Movimento Feminista, que passou a manifestar que “sem as mulheres, os direitos não seriam humanos” (SANTOS, 2005, p. 137).

Esta reconciliação da esquerda com as arestas da luta pela realização da democracia burguesa (implícita na lógica da defesa dos Direitos Humanos per si), em detrimento do “abandono” de uma luta pautada na transformação radical do complexo social; sedimentou a