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Entre a Troca, Redes e a Escolha Racional: Síntese das Principais Teorias

1. Construção da Arquitetura do Enquadramento Teórico 45

1.2. Principais Contributos Concetuais e Analíticos sobre o Capital Social 77

1.2.2. Entre a Troca, Redes e a Escolha Racional: Síntese das Principais Teorias

Nesta seção vamos apresentar uma breve síntese dos principais contributos teóri- cos sobre o capital social. É certo que já muitos escreverem sobre este assunto para clari- ficar o capital social como fenómeno social “relativo ao funcionamento de redes de rela- ções fortemente normalizadas e onde a confiança social é uma espécie de suporte para as operações de interação entre os indivíduos” (Paiva, 2008, p. 87). Como se sabe, as teorias sociológicas são muitas, cujas opções dependem do objeto social e das escolhas e prefe- rências de cada um. Não pretendemos reescrever e criticar qualquer teoria, pois todas elas podem ter a sua pertinência, por conseguinte, confinamos num propósito mais limitados traçar só uma breve síntese dos possíveis contributos, tomando por empréstimo os traba- lhos existentes, nomeadamente o da Paiva (2008) e que subscrevemos. Assim sendo, to- mamos como ponto de partida a relevância já identificada por Paiva (2008), sobre os contributos da teoria das trocas, da teoria das redes sociais e da teoria das escolha racional para ilustrar a sua importância e contributo, não só para clarificar o capital social “como um bem que resulta do investimento em redes sociais” (Paiva, 2008, p. 87), mas também para dar uma resposta concetual à questão clássica e ou a razão básica da ocorrência de certas interações ou relações sociais entre os indivíduos, na sociedade em geral e numa comunidade em particular.

Como vimos anteriormente, o capital social é concebido ou definido de maneira diferente por Bourdieu, Coleman, Putnam, entre outros, mas representa sempre um ativo (asset) que pode ser utilizado pelos indivíduos. Subjaz assim a ideia que ter capital social, é ter recursos para algo, ou melhor para engendrar trocas sociais específicas, num espaço social onde veiculam um vasto conjunto de relações de força, laços e vínculos formais e informais. Iniciemos então com a teoria das trocas de Homans (referido por Paiva, 2008).

O pensamento básico da teoria das trocas do Homans estrutura-se em torno de duas ideias centrais: recompensa e custo. São estes dois elementos que conduzem as pes- soas a fazer o que fazem (Ritzer, 1988), argumento que Homans sustentou através de cinco proposições importantes: a) proposição de sucesso; b) proposição de estímulo; c) proposição de valor; d) proposição de privação-saciedade; e) proposição de agregação- aprovação. O núcleo dessas cinco proposições radica na ideia de que as pessoas só vão a fazer algo se vier a receber algo favorável, quer por motivo de uma recompensa, quer derivado a determinado estímulo (recompensada), quer ainda como resultado de sua ação (Ritzer, 1988, p. 385-386; Paiva, 2008).

Segundo Ritzer (1988, 2015), a recompensa e o custo estão intimamente associa- dos ao comportamento social, comportamento esse que envolve normalmente dois ou mais agentes/atores sociais, assim como uma variedade de trocas tangíveis e intangíveis. Assim, subjaz na tese de Homans, não apenas dois elementos básicos da teoria das trocas, mas sim três: comportamento, recompensa e custos (Ritzer, 2015; Paiva, 2008).

Importa relevar que são geralmente os bens (económicas) que podem ser trocados, mas a teoria das trocas revelou que a troca também pode acontecer no mundo social. Segundo Emerson (referido por Ritzer, 1988, 2015), a troca na área económica concentra- se em “transações isoladas e independentes” entre as pessoas (Paiva, 2008). Todavia, no campo social as trocas concentram-se nas “transações entre atores independentes” na re- lação social e ou interdependentes entre uns e outros (Paiva, 2008). Se é certo que a teoria das trocas de Homans privilegia o nível de análise micro (individual), outros autores, como Peter Blau tentou combinar os tipos de estrutura social, tal como, a estrutura social micro e macro como base de análise das trocas (Ritzer, 1988, 2015). Segundo Blau, “di- nheiro, aceitação social, estima ou respeito e aprovação social” (Paiva, 2008, p. 89) re- presentam recursos do poder e os elementos chave das trocas no mundo social.

Importa ainda acrescentar que a teoria da troca coloca em evidência as fontes de poder nas relações sociais e redes de trocas, sendo elas traduzidas pelas desigualdades no acesso a recursos e serviços. Como justamente nota Paiva (2008),

“as redes de relação criam, permanentemente, oportunidades de troca e relações sociais que se ligam através de uma estrutura a que ele chama ‘rede de trocas’. Uma rede de trocas é assim, segundo o próprio autor, uma estrutura social que resulta de duas ou mais relações de troca entre atores sociais, que se afetam mu- tuamente de forma positiva ou negativa. Este resultado é positivo quando a troca estabelecida amplia a capacidade de troca futura do ator social, e é negativa quando reduz a sua capacidade de troca, isto é, quando reduz a sua capacidade de produzir benefícios para terceiros em troca de outros benefícios que estes lhe pro- porcionam no seio da rede. É esta desigualdade na troca que gera a desigualdade de poder e a dependência de uns em relação a outros. O poder é, portanto, um fenómeno estrutural que resulta das relações de troca em rede e que condiciona essas mesmas relações” (Paiva, 2008, p. 90-91).

Subjaz aqui a ideia de que

“a teoria das trocas sublinha o aspeto behaviorista do estímulo-resposta. Considera que as relações interindividuais se organizam em torno de sistemas de recompensa que condicionam os comportamentos individuais e que estão orientados para os benefícios da sua interação social (...), [pelo que não é de admirar que] quem dis- põe para troca de recursos mais úteis e mais procurados, encontra-se em situação de vantagem social” (Paiva, 2008, p. 88-89).

Em síntese, a teoria da troca coloca em evidência que cada um ator social tem os seus próprios interesses, e que a maior parte dos atores sociais quer aumentar ou maximi- zar os resultados positivas das trocas sociais, e obviamente pelo contrário, pretende dimi- nuir os negativos no processo das mesmas trocas sociais (Paiva, 2008).

De acordo com a literatura consultada, um outro contributo teórico relevante para o capital social é a teoria das redes. Basicamente esta teoria baseia-se na tese de que uma relação social é vinculada pela confiança e a confiança é preservada e mantida pelas nor- mas existentes e que os atores sociais, tantos individuais ou coletivos, através do nível de “força” dos seus laços e vínculos, têm acesso diferenciado aos recursos (riqueza, poder, informação) (Paiva, 2008, p. 90). De relevar que Ritzer (2015) afirma que as redes são “nós interconectados”, envolvendo duas ou mais as pessoas (indivíduos), grupos, organi- zações e também sociedade em geral e pode até haver redes globais (Paiva, 2008).

De acordo com Paiva (2008),

“A teoria das redes ultrapassa a perspetiva psicologista através de um enfoque culturalista centrado no estudo do processo de socialização, durante o qual nor- mas, valores e representações são interiorizados pelos atores sociais. Transfere-se a análise do nível motivacional dos indivíduos para a correspondência a aprendi- zagens e expectativas sociais, para o cumprimento das normas e para a adesão a padrões sociais que definem limites simbólicos, bem como para a observação das regularidades na atualização desses fenómenos” (Paiva, 2008, p. 91).

Acrescenta ainda a autora que

“a teoria das redes, desenvolvida por investigadores tais como Harrison White, Ronald Burt, Mark Ganovetter, Barry Wellman, inter alia, pretende fazer uma lei- tura objetiva dos padrões regulares de ligações entre as pessoas e as coletividades, mais que das regularidades das crenças acerca do que elas deveriam ser. Assim, a análise de redes tenta evitar explicações normativas do comportamento social” (Wellman, 1983, citado por Ritzer, 1992, p. 286)” (citado por Paiva, 2008, p. 92).

A perspetiva fundamental desta teoria é essencialmente estrutural e não é indivi- dual (Paiva, 2008), ou seja, releva a estrutura «macro e não micro» (Ritzer, 1988), onde

“os atores sociais são vistos como constrangidos pelas estruturas e, portanto, de certo modo, a sua importância encontra-se profundamente diminuída, o que é uma desvantagem ou um limite significativo. Por outro lado, a teoria das redes opera com os agrupamentos sociais, do mesmo modo que com os indivíduos, conside- rando-os unidades ligadas em rede. Com isto, os teóricos das redes pretendem conseguir que a sua teoria seja aplicável a todos os níveis, desde o micro ao macro, evitando a cisão da análise do real em função desse critério” (Paiva, 2008, p. 92).

Na perspetiva de Barabási (referido por Paiva, 2008),

“a teoria das redes baseia-se na observação de que as redes sociais obedecem a um modelo sem-escala ou ‘power-law model’, que corresponde a uma estrutura matemática constituída por nós (nodes, em inglês), que são elementos constituin- tes ligados a outros elementos, e por glomos (clusters, em inglês), que são nós que aglomeram um grande número de contactos com outros nós, e que são determi- nantes para a sobrevivência e para o crescimento de um sistema em rede” (Paiva, 2008, p. 94).

Embora, a teoria da rede releva um certo distanciamento ao psicologismo da teoria da troca, transformando o domínio do nível individual (micro) para um domínio mais coletivo (macro), a teoria da rede mantém ainda uma perspetiva de análise em função das redes de trocas de recursos. Em todo o caso,

“não restam dúvidas de que a teoria das redes constitui um desafio para a sociolo- gia; no entanto, convém ter presente que esta teoria também é estruturalista e de- dica-se especialmente a conhecer propriedades objetivas das redes, sem se preo- cupar em conhecer os sentidos subjetivos da ação social, sem os quais, segundo Weber, nunca compreenderemos os fenómenos sociais, pois estes explicam-se, preferencialmente, por interpretação dessa subjetividade” (Paiva, 2008, p. 105).

Um outro contributo teórico sobre o capital social está relacionado com a teoria da escolha racional, perspetiva que tem a sua origem na economia. Esta teoria também chamada teoria da ação racional, reflete uma certa perspetiva interdisciplinar das ciências sociais (Paiva, 2008) cujo enfoque não é a troca, nem as recompensas e os custos, mas sim as pessoas consideradas como racionais e a sua aplicação orientada para compreender os modelos de comportamento coletivo e não individual (Ritzer, 1988, 2015). De acordo com Paiva (2008), a teoria da escolha racional privilegia o seguinte:

“1) Os atores sociais agem com intencionalidade, mas as suas ações têm conse- quências não intencionais, 2) os atores agem racionalmente em função dos seus interesses, 3) Os atores correm sempre riscos e agem em situação de incerteza porque dispõem de informação incompleta e, 4) os atores agem de acordo com estratégias e as suas ações são interdependentes” (Paiva, 2008, p. 106).

De relevar ainda que a teoria da escolha racional

“pressupõe que os acontecimentos de nível macro se produzem pela conjugação de efeitos dos acontecimentos de nível micro (e que) os atores tentam controlar os recursos, cujo controlo também interessa aos outros, de acordo como seus interes- ses. Porque desejam o controlo dos recursos controlados por outros, os atores têm de envolver-se em relações sociais. Estas organizam-se em sistemas de ação, pelo que são estruturais. É esta estrutura e a prossecução individual de fins e interesses que criam a interdependência ou o carácter sistémico da ação social” (Paiva, 2008, p. 107).

Em síntese, a teoria da escolha racional releva a importância dos atores e dos re- cursos, ou melhor a forma como os atores sociais procuram controlar os recursos, envol- vendo-se em relações sociais numa base racional e fundada no cálculo dos benefícios e custos de qualquer ação, antes de tomar uma ação concreta. Resta dizer que esta teoria é um pouco redutora, na medida em que não considera a complexidade dos sistemas sociais,

nem “dá grande importância aos aspetos culturais do social” (Paiva, 2008, p. 109), pare- cendo que os autores consideram que as “preferências dos indivíduos não variam entre as culturas e que, portanto, são estáveis” (Paiva, 2008, p. 109).

Como nota final, importa salientar que ao privilegiarmos a síntese de três teorias (troca, rede, escolha racional) não significa que negligenciamos a importância de outras perspetivas teóricas, tais como a teoria da estruturação de Giddens, mas, parafraseando Paiva (2008), esta não a considerámos como “fundamental” para o nosso estudo e que remetemos para debate e reflexão num próximo trabalho.

1.2.3. Para uma Clarificação dos Desafios e Dilemas do Capital Social: Um Olhar sobre