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Para uma Clarificação dos Desafios e Dilemas do Capital Social: Um Olhar

1. Construção da Arquitetura do Enquadramento Teórico 45

1.2. Principais Contributos Concetuais e Analíticos sobre o Capital Social 77

1.2.3. Para uma Clarificação dos Desafios e Dilemas do Capital Social: Um Olhar

De acordo com o que temos vindo a descrever nos capítulos anteriores, as relações sociais representam a principal fonte, ou melhor, a fonte mais importante para a criação e a construção do capital social na sociedade ou numa comunidade. Recordemos ainda que relevamos a ideia duma natureza estrutural e multidimensional do capital social (bon-

ding, bridging e linking) que permitem explicar a diversidade de recursos e a importância

da confiança nas possíveis ações coletivas que os atores sociais podem engendrar na co- munidade (Woolcock, 2001; Field 2008; Svendsen & Svendsen, 2009; Vasconcelos, 2011; González-Gómez, 2014).

De facto, encontramos em Adler & Kwon (2002, p. 18) uma síntese destas ideias que não refuta as teses de Coleman e Putnam. Os autores consideram o capital social como um bem e um recurso multidimensional disponível para os atores em função da sua localização na estrutura das suas relações sociais. Na perspetiva dos autores, podemos encontrar três tipos de relações: (1) relações de mercado, em que os produtos e os serviços são trocados por dinheiro; (2) relações hierárquicas, em que a obediência à autoridade é mediada pela troca por bens materiais e a segurança “espiritual”; (3) relações sociais, em que os “favores” e “presentes” são trocados como recompensas (Adler & Kwon, 2002).

De acordo com Adler & Kwon (2014, p. 413) as características e as especificações das relações socias que dão origem ao capital social consistem no seguinte: a) as oportu- nidades proporcionadas pela estrutura de rede das relações; b) as normas e valores que constituem o conteúdo dessas relações de redes sociais e que lhes dão força motivacional; c) a capacidade de qualquer indivíduo desta rede que pode ser mobilizada se for tal a sua vontade. Por outras palavras, a oportunidade e a rede de atores dos laços social criam oportunidades para transações do capital social, sendo os vínculos externos com os outros os elementos que proporcionam aos atores a oportunidade de aproveitar os recursos de contatos. Acresce-se ainda que, para os atores coletivos, os laços internos e a confiança implícita criam a oportunidade de agir em conjunto (Adler & Kwon, 2002, p. 24).

Tendo em conta a questão da oportunidade, Adler & Kwon (2014, pp. 413-415) afirmam que é possível definir três dimensões ou fontes do capital social e que são as

seguintes: a) a rede cognitiva; b) potencial e laços mobilizados; c) efeito de proximidade. Parafraseando Schachter et al., (1950), Adler & Kwon (2014, p. 415) afirmam que a so- lidariedade e a cooperação são muitas vezes intensificadas pela interação face a face, pelo que os atores que estão mais próximos no espaço físico são mais propensos a interagir e a formar laços.

Para argumentar a importância da motivação como fonte do capital social, Adler & Kwon (2014) criticam as perspetivas da escolha racional e a teoria da rede, afirmando que: i) são contra a ideia de ator meramente racional, na medida em que todos os atores podem ser motivados pelo próprio interesse; e, ii) são contra a ideia da existência de uma “força” formal da rede social, argumentando que a motivação pode gerar um efeito posi- tivo ou negativo na estrutura da rede. Segundo estes autores, se é verdade que as normas e os valores associados à comunidade podem ser entendidos como uma possível fonte chave do capital social, a verdade é que a habilidade é igualmente uma outra fonte do capital social (Adler & Kwon, 2014, 415).

Para os autores, essa habilidade trata-se da capacidade, materializada pelas com- petências e recursos nos nós da rede, e que ocupa um lugar privilegiado na construção da teoria do capital social (Adler & Kwon, 2002, p. 26). Tem em consideração a tese de Burt (1997), Adler & Kwon (2002) afirmam que “o capital humano refere à capacidade ou habilidade individual, e o capital social diz respeito à oportunidade”, explicitando assim que as principais “motivações” para a génese duma relação social e do capital social são a oportunidade e a própria motivação da comunidade para participar em ações coletivas. Estas perspetivas de Adler & Kwon (2002), que privilegiam um certo psicologismo, po- dem ser consideradas com as fontes do capital social e sistematizáveis no esquema da Figura 3.

No seu estudo sobre “Associativismo, Capital Social e Mobilidade: contributo

para o estudo para participação associativa de descendentes de imigrantes africanos lusófonos em Portugal”, Rosana Albuquerque (2013, p. 262) concluiu que uma das fontes

do capital social é o associativismo. A autora argumenta que o associativismo é apresen- tado como um instrumento privilegiado de “aquisição de capital social”, na medida em que permite o “acesso a redes sociais que lhe são intrínsecas”, sendo igualmente relevante os “efeitos que exerce nas trajetórias de mobilidade individuais” (Albuquerque, 2013, p.

15). Segundo a autora, “a convergência de redes associativas, das relações sociais de pro- ximidade e das redes familiares, numa combinação de laços fracos e de laços forte, teve o efeito de potenciar a apropriação deste capital” (Albuquerque, 2013, p. 264).

Figura 3: Principais Fontes do Capital Social

Fonte: Adaptado do modelo conceptual do Capital Social de Adler & Kwon (2002, p.23).

Relembremos que Bourdieu e Coleman (1980) consideram que os capitais social e cultural contribuem e interagem diretamente com o capital económico para fortalecer uma dada relação social. Porém, a ideia de associativismo descrita acima vem ainda re- velar que a própria relação social é indutora da formação do capital social, independente do tipo de origem da relação (relação familiar, relação entre amigos, clube e outros grupos relevantes), situação que coloca em evidência que uma relação estreita e forte poderá facilitar a criação de redes mais fortes, baseadas na confiança mútua. Não é de admirar que Woolcock & Narayan (2000) sugerem que o capital social “não é o que você sabe,

mas sim quem você conhece” (Adler & Kwon, 2014).

Portes (2000) sugere que existem três funções básicas do capital social: “como fonte de controlo social; como fonte de apoio familiar; como fonte de benefícios através de redes extrafamiliares” (Portes, 2000, p. 141). Parafraseando o autor, somos levados a considerar que “o capital social criado pelas redes comunitárias é útil aos pais, aos pro- fessores e às autoridades policiais que procurarem manter a disciplina e promover a con- formidade às regras entre aqueles que estão sob sua alçada” (Portes, 2000, p. 141).

Também Passy (citado por Adler & Kwon, 2014) identificou três funções-chave do capital social que desempenham nos movimentos sociais e que ajudam a superar a

pressão de certos fatores psicológicos e estruturais: “socializar os indivíduos, cultivar os seus quadros interpretativos e facilitar a identificação; mobilizar os indivíduos e os grupos na ausência de vínculos, embora aqui a mobilização seja consideravelmente mais difícil; moldar decisões individuais sobre se deve participar na atividade de um dado movimento” (Adler & Kwon, 2014, p. 418).

De acordo com Adler & Kwon (2002) há pelo menos três benefícios do capital social, tais como:

“o primeiro benefício do capital social é informação, razão pelo qual o acesso à fonte da informação e a melhoria da qualidade de informação são relevantes e devem ser incluídos nos cronogramas dos projetos dos atores locais; influência, controlo e poder representam o segundo grande de benefício do capital social; o terceiro benefício do capital social é solidariedade” (Adler & Kwon, 2002, p. 29).

Albuquerque (2013, p. 265) afirma que associativismo pode criar as condições para a construção de laços de confiança interpessoal que, por sua vez, podem despoletar atos de ajuda ou solidariedade para com terceiros que o necessitam. Tal como Putnam (referido por Albuquerque, 2013) sublinha, a confiança ganha-se a partir de cada oportu- nidade de interação com os outros. Não será em demasia afirmar que “a construção de capital social mediante a inserção em redes não é linear e que a vida associativa não é pautada apenas por consensos e partilha de afinidades, havendo espaço para o conflito e para a divergência” (Albuquerque, 2013, p. 268).

Uma outra função de capital social é o estabelecimento de pontes, promovendo a coesão. Basicamente, subjaz nessa ideia de pontes que sendo a intervenção associativa um meio de satisfação de objetivos partilhados coletivamente, então o associativismo pode “enfatizar a dimensão pública do capital social, situação que traduz um claro bene- fício coletivo” (Albuquerque, 2013, p. 271). Contudo, a autora afirma que para construir capital social não é suficiente aceder a redes, mas também é necessário que estas “pro- porcionem oportunidades para os indivíduos adquirirem capacidades que lhes permitam mobilizar ou potenciar os seus efeitos, em benefício próprio ou coletivo” (Albuquerque, 2013, p. 271).

No entanto, o capital social não apresenta apenas resultados positivos, na medida em que pode igualmente ter consequências ou impactos negativos. Na perspetiva do ca- pital social micro ou bonding/closed (micro-capital social), Portes (citado por González- Gómez, 2014) sugere que os estudos recentes permitem identificar “pelo menos quatro consequências negativas do capital social: exclusão dos não membros; exigências exces- sivas a membros do grupo; restrições à liberdade individual; normas de nivelação des- cendente” (González-Gómez, 2014, p. 59). Para o autor, as ideias básicas do capital social fundadas e baseadas nas relações entre os membros da mesma família e amigos, facil- mente resvalam para a génese do nepotismo e da corrupção. A nível institucional, muitos países e organizações possuem leis contra o nepotismo, reconhecendo explicitamente de que as relações demasiado pessoais geram ligações nefastas que podem ser utilizadas para discriminar injustamente, distorcer a realidade e fomentar a corrupção (Woolcock & Na- rayan, 2000).

Para Field (2003), apesar das ações cooperativas (trabalhar em conjunto) poderem beneficiar os participantes (os membros do grupo), não é menos verdade que podem ter consequências indesejáveis (negativas) para a sociedade em geral. Parafraseando a lin- guagem económica, tais situações podem criar externalidades negativas (Field, 2003, p. 117). Por exemplo, parafraseando Putnam (2000), ao olharmos para os “grupos ou gan- gues dentro da cidade que representam uma certa forma de capital social, verificamos que existem benefícios da solidariedade entre os membros dos grupos, mas tais fenómenos de solidariedade são perversos porque prejudicam outros” (Field, 2003, p. 118). Igualmente Fukuyama (2001) subscreve este ponto de vista, argumentando que “a solidariedade de grupo na comunidade humana é frequentemente comprada com ódio contra outros mem- bros do grupo” (Field, 2003, p. 119).

Num estudo da autoria de Jordan (2015, p.16), os resultados sugerem que os gru- pos comunitários fortemente vinculados entre si podem gerar impactos negativos na co- esão social e na ação comunitária. Para o autor, o capital social que vincula poderosa- mente os grupos homogéneos entre si, excluindo outros, tende a reforçar as desigualdades e a estrutura social hierárquica existente. As exclusões dentro de uma comunidade ocor- rem geralmente em torno de determinados limites mediadas pela classe, etnia, religião, nacionalidade e crenças sociais. As consequências negativas podem levar a situações de

sectarismo, etnocentrismo e corrupção, onde a influencia e as relações são usadas para interesses próprios, na maioria das vezes opostos ao interesse publico. Ao consolidar o capital social em torno de círculos fechados de relações, assistem-se impactos ou resulta- dos negativos da comunidade, situações que podem ser encontradas em grupos relacio- nados com o crime organizado, tais como a mafia, gangues de rua, cartéis de drogas, etc. (Nannestad, Svendsen & Svendsen, 2008; Portes, 2000; Portes & Vickstrom, 2011; Put- nam, 2000; Sabatini, 2008, 2009; citados por Jordan, 2015, p. 16).

Segundo González-Gómez (2014), um capital social bonding (vínculo) “obscuro” pode ser exercido sob a forma de controlo social excessivo dentro de certos grupos que sejam aparentemente coesos. A iniciativa dos indivíduos pode ser oprimida através de normas muito restritivas e estreitas relações de obrigações. Ao mesmo tempo, para aque- les que não pertencem a tais grupos coesos, o capital social é uma forma de exclusão social. Tal como argumenta Farrell (citado por González-Gómez, 2014), se o capital so- cial tem um efeito positivo para “nós”, isso não quer dizer que não tenha um efeito nega- tivo para “eles”. Por outras palavras, o lado negativo (dark side) do capital social é, em grande parte, considerado como consequências indesejáveis ao nível micro dos grupos, constituindo como uma clara opressão individual ou exclusão externa (González-Gómez, 2014).

Para além da perspetiva capital social micro ou bonding/closed (micro-capital so- cial), referido acima, há também um capital social de transição que, embora não tenha recebido muita atenção, mas também pode gerar impactos negativos. Por exemplo, quando o acesso a certos recursos é restrito para aqueles que estão fora de certas redes abertas, ou quando certas redes são mobilizadas para negligenciar a troca de fluxos de informação ou para evitar certas conquistas (González-Gómez, 2014).

Em conclusão, podemos dizer que cada sociedade, em geral, ou comunidade, em particular, tem a sua própria tipologia de capital social estrutural e cognitiva. Se é possível reconhecer três tipologias do capital social (bonding, bridging e linking capital social), o seu desenvolvimento depende das características da sociedade ou comunidade. Assim sendo, o capital social pode ser entendido como um “poder” ou “força social” numa so- ciedade ou comunidade que pode ter uma função utilitarista, nomeadamente uma utili- dade estratégica para solucionar os problemas sociais que os atores sociais necessitam de

enfrentar coletivamente. São, por exemplo, em relação à redução da pobreza e da miséria numa comunidade. Enfim, devemos reconhecer a importância das consequências (positi- vos e negativos) do capital social numa sociedade ou comunidade, representando elas duas faces da mesma moeda.