• Nenhum resultado encontrado

1. Construção da Arquitetura do Enquadramento Teórico 45

1.1. Revisita às Noções de Desenvolvimento e Desenvolvimento Comunitário 45

1.1.3. Perspetiva e Prática de Desenvolvimento em Timor-Leste 71

Timor-Leste é a nação mais “jovem” do mundo. Como sabemos, foi uma colónia portuguesa durante mais de 450 anos, ocupada ilegalmente pelo regime militar da Indo- nésia durante 25 anos (entre 1975 a 1999). Durante o longo período de colonização e ocupação, os timorenses não puderam participar nas decisões sobre o seu futuro. Os anos de domínio estrangeiro foram caracterizados por opressão, negligência, pobreza, explo- ração e degradação ambiental (Timor-Leste Conference on Sustainable Development, 2001, p. 4).

Foi em 2001 que Timor-Leste começou a implementar o seu processo de desen- volvimento nacional e territorial, propriamente dito, tendo iniciado logo a adoção dos pressupostos da sustentabilidade nas suas linhas programáticas de ação governativa. Salvo melhor opinião, os documentos consultados revelam que o processo teve início com uma conferência sobre o desenvolvimento e sustentabilidade, organizada pelas ins- tituições governamentais para evitar os erros cometidos noutros países (Timor-Leste Con-

ference on Sustainable Development, 2001).

De recordar que a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987) produziu uma definição internacionalmente reconhecida de desenvolvimento sus- tentável, considerando que tal modelo consiste num “desenvolvimento que atende às ne- cessidades do presente sem comprometendo a capacidade das gerações futuras de atender próprias necessidades”. Trata-se de uma perspetiva que retoma a tese da responsabilidade ética do desenvolvimento de Jones (1995). À semelhança dos demais países do mundo, tanto dos países avançados (centro) como dos países em vias de desenvolvimento (Ter- ceiro Mundo), a RDTL assumiu o compromisso de integrar os pressupostos e os objetivos do desenvolvimento sustentável nas suas linhas programáticas da ação governativa. Por outras palavras, os princípios do desenvolvimento sustentável representaram um ponto de partida útil para o desenvolvimento (construção) da nação. Ou seja, o desenvolvimento sustentável foi considerado pela RDTL como o garante da integração equilibrada dos objetivos económicos, social e ambientais do povo timorense (Timor-Leste Conference

Embora os objetivos de desenvolvimento do milénio (ODM) ou Millennium De-

velopment Goals (MDG) já tenham vindo a ser implementados noutros países em 2000 e

seguintes, foi na fase de transição para a restauração da independência em 20 de Maio de 2002, aquando da preparação da sua Constituição da República e do Plano de Desenvol- vimento Nacional (PDN) com duração cinco anos (2002-2007) que Timor-Leste incluiu os objetivos de desenvolvimento milénio (ODM) no seu PDN 2002-2007. É de salientar que uma das principais metas do PDN 2002-2007 consistia na redução da pobreza.

À semelhança de muitos países das regiões adjacentes a Timor-Leste que estão atualmente trabalhando para implementar Estratégias Nacionais de Desenvolvimento Sustentável26, o governo da RDTL não negligenciou estes aspetos. As linhas da Agenda

21, que abordam a pobreza, a fome, a doença e as degradações ambientais como um con- junto de questões inter-relacionadas, são temas de elevada preocupação em Timor-Leste. A título ilustrativo, podemos dizer que o princípio 25 da Agenda é particularmente rele- vante para Timor-Leste, na medida em que “a paz, o desenvolvimento e proteção ambi- ental são interdependentes e indivisíveis” (Timor-Leste Conference on Sustainable De-

velopment, 2001, p. 4) nas políticas públicas e no quotidiano da ação governativa.

Igualmente as sugestões e propostas resultantes da conferência designada de Rio+20 em 2012 (Ribeiro, 2017), em particular os aspetos relacionados com a continua- ção da agenda de desenvolvimento pós 2015 (ODM), sob a égide dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (Sustainable Development Goals - SDG) a concre- tizar em 2015-2030, tais como a adoção dum desenvolvimento baseado nos direitos hu- manos para aumentar e desenvolver a dignidade da vida humana e a melhoria das condi- ções de vida (qualidade da vida) das pessoas (comunidades), tratam-se de princípios que o governo de Timor-Leste subscreve e procura incorporar em todas as linhas da sua ação governativa, como pudemos constatar nos documentos oficiais consultados.

Sem entrar aqui em grandes pormenores, as opções de desenvolvimento de Timor- Leste encontram-se claramente descritas no PDN 2002-2007 e no PEDN - Plano Estraté-

26 Em 1992, foi aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,

também conhecida como Eco-92, Cúpula da Terra, Cimeira do Verão, Conferência do Rio de Janeiro e Rio 92, uma importante estratégia de desenvolvimento sustentável – a Agenda 21. A Agenda 21 é um plano de ação que apela às nações para adotarem estratégias nacionais para o desenvolvimento sustentável.

gico de Desenvolvimento Nacional 2011-2030, documentos que salientam o lema de “al- cançar a prosperidade da comunidade”. Em termos específicos, até 2030, a ação go- vernativa pretende construir uma sociedade livre de analfabetos, dotada de infraestruturas básicas, tais como a água potável canalizada, a eletricidade, as estradas, incluindo rede das telecomunicações que sejam acessíveis para todos os cidadãos e finalmente alcançar um Timor-Leste sem pobreza (PEDN, 2011-2030).

No que concerne ao percurso de desenvolvimento em Timor-Leste, importa des- tacar que após uma década e meia, ou melhor 17 anos (2002-2019) da restauração da independência, o desenvolvimento económico de Timor-Leste encontra-se ainda muito dependente dos resultados da exploração de petróleo e gás. O setor do comércio interna- cional de Timor-Leste está dependente das culturas de café, sendo tal produção monopo- lizada pela gigantesca empresa NCBA dos EUA. Nestas duas últimas décadas, a agricul- tura encontra-se reduzia à mera produção para auto-consumo. De uma forma geral, as estatísticas oficiais apontam que os outros setores têm apresentado uma fraca contribuição para o desenvolvimento económico do país. Com este cenário, não é difícil compreender que a economia de Timor-Leste é débil, detendo um grande desequilíbrio na balança das transações, pelo que a maioria das necessidades básicas são importadas. Por outras pala- vras, Timor-Leste é dominado por bens importados e não por exportações.

De facto, em Timor-Leste, o sistema económico vigente é um sistema que parece combinar as lógicas dos dois “velhos” processos de desenvolvimento, movendo-se entre as lógicas dos regimes dos ex-países dos regimes socialistas e o regime capitalista. Se olharmos para a Constituição da RDTL de 2002, nomeadamente o artigo 138º, relativo à questão do modelo económico preconizado constitucionalmente, apercebemos que “o ar- ranjo económico de Timor-Leste será baseado num sistema misto de formas económicas e sociais (pessoas) com economia livre e gestão económica e empresarial livre, e na exis- tência igual do setor público, setor privado, cooperativo e social na propriedade de meios de renda”. Contudo, no artigo 139º Constituição da RDTL e relativa aos recursos naturais assume-se claramente que tais recursos são controlados pelo Estado. O teor desta formu- lação é a seguinte: “recursos encontrados em terras, camadas subterrâneas, águas territo- riais, fundações continentais e zonas económicas exclusivas, que são partes centrais da economia, de propriedade do Estado e devem ser usadas de maneira justa e igualitária, de

acordo com os interesses do Estado”. Ora bem, subjaz no teor destes dois artigos da Cons- tituição (138º e 139º) a ideia da adoção dum sistema de desenvolvimento de Timor-Leste baseado num sistema económico misto, que articula ou combina a economia capitalista e socialista nas práticas de desenvolvimento27.

De acordo com o teor do Artigo 138º da Constituição da RDTL 2002, privilegia- se o movimento cooperativo28 como um dos setores relevantes do desenvolvimento eco-

nómico da nação. O reconhecimento da sua importância no contexto do desenvolvimento da comunidade, sobretudo para o desenvolvimento económico da nação, levou o 4º go- verno constitucional da RDTL a produzir uma legislação específica para o setor. Trata-se do Decreto do Governo nº. 16/2004, 27 de Outubro de 2004 sobre as cooperativas. Para além disso e com vista ao fortalecimento das cooperativas em Timor-Leste, foi criada uma direção das cooperativas, designada de “direção nacional das cooperativas”, sob tu- tela do Ministério da Economia e Desenvolvimento da RDTL como medida institucional para fomentar o envolvimento da sociedade civil (comunidade) no movimento coopera- tivo do desenvolvimento económico do Estado e do País (Decreto do Governo nº. 16/2004; Direção Nacional das Cooperativas, 2008). Não há dúvida que o desenvolvi- mento das cooperativas representa um pilar importante no contexto do desenvolvimento nacional, pelo que não é de admirar que o oitavo governo constitucional da RDTL criou uma Secretaria do Estado para o desenvolvimento das cooperativas, com a missão de estimular o desenvolvimento da participação comunitária no processo de desenvolvi- mento.

De acordo com as fontes oficiais do Ministério do Comercio, Indústria e Ambiente da RDTL (2014), na atualidade, existem várias classificações e tipos de cooperativas em Timor-Leste, representando no seu conjunto um total 156 de cooperativas, sendo 151 cooperativas propriamente ditas, 4 federações das cooperativas e uma federação nacional das cooperativas. Das 151 cooperativas, encontramos 81 cooperativas do tipo de coope- rativa de créditos, 28 cooperativas multissectoriais, 19 cooperativas de pescas, 16 coope- rativas de agriculturas, 5 cooperativas industriais e 2 cooperativas pecuárias. Seis dessas

27 Uma ideia de um país com dois sistemas, provavelmente influenciado ideologicamente pelas correntes da China que

exercem um certo peso na região.

28 Iremos voltar a este tema no tópico sobre os grupos comunitários da parte empírica, aquando da análise dos factores

cooperativas desenvolvem a sua atividade no posto administrativo Ataúro, Dili, Timor- Leste, situando uma delas no Suco Biqueli. Sabe-se que existem mais cooperativas a se- rem formadas, mas até à data ainda não se encontram registadas como tal.

Acresce-se ainda que um dos princípios mais relevantes para o povo de Timor- Leste é o respeito que a comunidade atribui à valorização do conhecimento e as práticas tradicionais (local) dos povos indígenas. A propósito do conhecimento local (tradicional) relacionado com a prática de proteção do meio ambiente em Timor-Leste destacamos o “tara bando”. O conhecimento local de “tara bando” pode ser entendido como “uma forma de educação da consciência ambiental transmitida pelos antepassados timorenses, sobre os cuidados a ter na exploração dos recursos naturais sustentáveis, valorizando as- sim a manutenção da sustentabilidade para a próxima geração” (Anonimo, 2004; Costa, Z., 2010, p. 24). Após a independência de Timor-Leste, o fenómeno de “tara bando” pode ser interpretado como uma reconstrução dos laços socioeconómicos locais e regionais que foram “suprimidos” durante 25 anos pelo governo da ocupação militar da Indonésia (Palmer & Amaral referido por Costa, Z., 2010, p. 28). No âmbito do desenvolvimento do país, a revitalização do conhecimento local do “tara bando” veio reforçar a importân- cia das formas de envolvimento ativo ou participação ativa da comunidade29, tanto no

desenvolvimento da comunidade no nível local e bem como no desenvolvimento a nível nacional (Costa, Z., 2010, p. 36). Segundo Ife & Tesoriero (2008, p. 347), respeitar o conhecimento e a sabedoria local, e a busca por um diálogo entre os membros duma co- munidade para que possam aprender uns com os outros, trata-se de uma forma de mobi- lização dos atores sociais para alcançarem e concretizarem uma ação de interesse cole- tivo.

Sublinhamos ainda que o respeito pelo conhecimento local é um componente es- sencial de todo trabalho de desenvolvimento comunitário. Admitimos assim que é a co- munidade quem melhor conhece os problemas, e reconhecemos que os membros da co- munidade têm adequada experiência e conhecimento sobre as suas necessidades e pro- blemas, e sobretudo sobre as suas forças e características específicas (Ife & Tesoriero,

29 Da observação no trabalho de campo, sublinhamos ainda a participação ativa da comunidade que trouxe resultados

positivos, quer em termos de construção e consolidação da confiança pessoal, quer em termos de controlo do ambiente, nomeadamente no que se refere à capacidade de influenciar as decisões que terão impacto na vida das pessoas (Ife &

2008, p. 243) para contornar os obstáculos e os constrangimentos locais (exógenos e en- dógenos) que teimam persistir nos sucos rurais, ao fim de quase duas décadas, após a independência de Timor-Leste. Face ao exposto, podemos sumariar que

“O Desenvolvimento Comunitário radica, assim, numa definição do que é justo – de um referencial ético – para o devir das comunidades e dos seus integrantes, o que inevitavelmente comporta a construção de um significado para a ideia de cidadania, mais ou menos propensa a integrar a diversidade de ‘gramáticas de for- mas de vida’ presentes numa dada comunidade e, como tal, mais ou menos sensí- vel a modelos de justiça compósitos e à construção de uma realidade heterogénea em termos de valores” (Caramelo, 2009, p. 185).

Por isso, se o Desenvolvimento Comunitário é “um processo tendente a criar con- dições de progresso económico e social para toda a comunidade, com a participação ativa da sua população e a partir da sua iniciativa” (ONU citado por Ferreira & Raposo, 2017, p. 122; e por Carmo, 1999, p. 77), e que privilegia uma abordagem integrada macro- meso-micro, não temos dúvida de que não basta haver vontade política dos governantes, pois “supõe processos e práticas ancorados na criatividade e participação das comunida- des sobre os processos económicos, culturais, políticos e sociais” (Caramelo, 2009, p. 186). Somos a considerar que há ainda um longo caminho a percorrer para que o desen- volvimento comunitário seja uma realidade repleta de casos de sucessos em Timor-Leste.