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1. Construção da Arquitetura do Enquadramento Teórico 45

1.2. Principais Contributos Concetuais e Analíticos sobre o Capital Social 77

1.2.1. Algumas Noções sobre o Capital Social 78

1.2.1.1. Tipologias e Níveis de Análise do Capital Social 88

Tem presente as definições do capital social descritas anteriormente, sobretudo dos principais autores do capital social, tal como Pierre Bourdieu (1985, 1986), James Coleman (1990), e, Robert Putnam (1995), incluindo outros autores relevantes, damos a conhecer que, decorrente da revisão da literatura, Adler & Kwon (2002, p. 20) apresentam uma classificação e simplificação das diferentes definições do capital social em três gran- des grupos de definições ou tipologias e níveis de análise do capital social (Tabela 2) (cfr. Costa, Z. & Silva, C., 2018, p. 139). Um primeiro grupo, sob o ponto de vista das fontes, os autores concentram principalmente na definição do capital social como um dos recur- sos que é inerente à rede social que “amarra” um ator junto doutros atores.

Tabela 2: Principais definições do Capital Social

Fonte: adaptado de Adler & Kwon (2002), igualmente descrito em Costa, Z. & Silva, C. (2018, p. 139)33.

33 Vários autores quer em revistas quer trabalhos de mestrado e doutoramento fazem adaptações da revisão de Ad-

Num segundo grupo, o capital social é apresentado como “um recurso localizado nas ligações externas de um ator”, vistas como uma ligação que concentra os atores cole- tivos com as suas características internas. Numa terceira definição, o capital social é apre- sentado de modo neutro na dimensão interna/externa referidas anteriormente (Adler & Kwon, pp. 19-21).

Em síntese, a Tabela 2 sistematiza essas definições do capital social, mostrando que não existem grandes diferenças nas definições de capital social entre uns e outros autores. O que nos parece relevante referir é que os diferentes autores salientam a impor- tância dos laços sociais nas relações socias dos atores.

De acordo com Paugam (2009 referido por Rosa, 2012, p. 3-4), são os laços soci- ais que asseguram ou garantem o suporte social à vida dos indivíduos, consideração que releva a importância da noção durkheimiana de solidariedade mais orgânica do que me- cânica. Porém, na perspetiva de Balsa (2006), subjaz na problemática dos laços sociais a questão da confiança que “só começa a estabelecer-se à medida que vai sendo necessário dar conta dos sentimentos de suspeição ou de desconfiança que se insinuam na construção dos laços e das relações sociais” (Balsa, 2006, p. 10). Para o autor,

“a desconfiança assume, assim, o seu sentido no interior de um processo marcado, antes de mais, por situações em que a confiança se impnha, ou em que a questão da confiança não se colocada, não por estar ausente, mas simplesmente por ser um dado adquirido. Significa ainda que, no primeiro caso, os indivíduos se encontra- vam na circunstância de ter de geir as consequências de situações em que a confi- ança havia sido traída, enquanto que, depois, são muito mais confrontados com a necessidade de gerir as próprias implicações das relações de confiança” (Balsa, 2006, p. 6).

Importa destacar ainda que González-Gómez (2014), ao subscrever as perspetivas de Kleinhans, Priemius e Engbersen, sugere duas tipologias do capital social, sendo uma com caraterísticas interna e a outra externa ao campo social, propostas estas que se as- semelham às de Adler & Kwon (2002), anteriormente referidas. Tratam-se de perspetivas tributárias das teses de Coleman e Putnam que procuraram explicar

“não só com a existência ou não de capital social (numa sociedade em geral ou em comunidades especificas), mas também com a questão de saber qual o tipo de organização social que mais favoreceria a sua existência (ou seja, a participação cívica). Para tal introduz a distinção entre capital social ‘bonding’ e ‘bridging’ (Fischer 2005, p. 160). O primeiro refere-se a redes sociais fechadas e homogé- neas (mais coesas), enquanto o segundo se refere a redes sociais abertas e social- mente heterogéneas (menos coesas). Ambos os tipos de capital social reforçar-se- iam mutuamente e ambos seriam necessários para a eficiência e democraticidade das sociedades” (Vasconcelos, 2011, p. 23).

Posteriormente, tal como refere Vasconcelos, “Woolcock, alias, desenvolveria a distinção putnamiana entre capital social ‘bonding’ e ‘bridging’, aos quais acrescenta o ‘linking’ (referente a ligações, distantes e fracas, entre estranhos por via das suas partici- pações em redes; Field 2008, p. 46)” (Vasconcelos, 2011, p. 29).

Em síntese, de acordo com Vasconcelos (2011), González-Gómez (2014) e outros autores, da leitura das caraterísticas interna e externa, é possível identificar uma terceira dimensão designada de linking que diz respeito ao nível de integração numa rede social. Por outras palavras, tendo em conta a terminologia anglo-saxónica, é possível admitir que existem teoricamente três grandes das características do capital social numa sociedade, em geral, e numa comunidade, em particular: bonding (laços/coesão social), bridging (vinculação social) e linking do capital social (integração social) (Tabela 3).

Assim sendo, somos levados a considerar que, em primeiro lugar, o nível de aná- lise do capital social caracterizado de bonding (laços) é micro devido às suas caraterísticas internas (internally). Para o capital social do tipo bridging, o seu nível de análise é meso devido às suas caraterísticas externas (externally). Por último, o capital social do tipo

linking tem o seu nível de análise macro devido às caraterísticas conjuntas (combinação

(interna e externa). Vejamos melhor cada uma delas.

O capital social baseado nos laços (bonding social capital) tende a reforçar a co- esão e os vínculos entre os indivíduos de um mesmo grupo, enfatizando a manutenção dos recursos incorporados. Essa coesão pode gerar um efeito colateral direto, excluindo

aqueles que estão de fora, o que pode ser considerado como um efeito negativo desse tipo de capital social, emboras se possa admitir dentro de certos limites a inclusão de estranhos baseada na troca de informações e recursos entre diferentes grupos sociais heterogéneos. Este tipo de capital social vinculante (bonding social capital), dito em sentido metafórico, é como se fosse uma massa grudante que alcança a coesão através da oferta de apoio, tanto material como emocional dentro do grupo, promovendo a confiança e troca de re- cursos entre os membros do grupo (Svendsen & Svendsen, 2009; González-Gómez, 2014).

Tabela 3: Características, Tipologias e Níveis de Análise do Capital Social

Características Tipologia Nível de Aná-lise Autor

Interna Bonding Micro Bourdieu & Coleman

Externa Bridging Meso Baker, Burt, Bour-

dieu, e outros. Conjunto/combinação

(Interna & Externa)

Linking Macro Putnam, Fukuyama, Woolcock & Portes Fonte: Adatado de Adler & Kwon (2002, p. 20) e González-Gómez (2014, p. 57)34.

Pelo contrário, o capital social de transição (bridging social capital) tende a re- forçar a abertura a outros grupos sociais, sendo por isso uma fonte de conhecimento e acesso a novos recursos ou oportunidades. Este tipo de capital social pode favorecer a inclusão de estranhos com base na troca de informações e recursos entre diferentes grupos sociais heterogêneos. O bridging capital social simboliza a ponte entre grupos distantes. O investimento ou o acesso a recursos no capital social tipo bridging representa um pro- cesso essencialmente voltado para o exterior (Svendsen & Svendsen, 2009). Todavia, o capital social de ligação (linking social capital), é um tipo de capital social habitualmente situado no plano macro porque envolvem as instituições relevantes da comunidade, tais como os setores privado e público (instituições governamentais). A força das conexões ou rede de acesso (linking) deste tipo de capital social, pode ser eficaz para a construção

de relacionamentos e rede entre grupos de diferentes estratos sociais, tais como entre pes- soas e governo (instituições governamentais), trabalhadores e empregadores, clientes e empresas (González-Gómez, 2014, p. 56-57).

De acordo com Schneider, o vínculo (bonding) que carateriza o capital social é também interpretável como um capital social fechado (closed social capital). Este tipo capital social refere-se a redes que incluem pessoas ou instituições que são “semelhantes” entre si e que participam e partilham relacionamentos exclusivos. Este tipo de capital social fechado envolve laços fortes dentro das comunidades, situação que advém das re- des sociais dentro das próprias comunidades. O sentimento de partilha da comunidade pode vir dos interesses, cultura e valores de vizinhança, etnia ou outros fatores. Argu- menta ainda o autor que para construir uma ponte (bridging) que objetive o capital social é preciso envolver relações de confiança de longo prazo, cruzando fronteiras de classe, etnia, religião ou até tipo de instituição de pertença dos atores sociais (Schneider, 2004, p. 13). Para Schneider, o capital social “fechado” ou (bonding capital social) predomina nas organizações e redes informais continua sendo essencial para as famílias em cada sociedade ou comunidade, nomeadamente as do mesmo grupo étnico (Schneider, 2004, p. 14).

Para além das tipologias referidas na Tabela 3, é ainda de assinalar segundo Bullen & Onyx (referido por González-Gómez, 2014), duas formas do capital social, sendo uma designada de estrutural-relacional e a outra de cultural-cognitivo (Costa, Z. & Silva, C., 2018, pp. 138-139). De acordo com a síntese de González-Gómez, (2014) o tipo estru- tural-relacional baseia “nos fundamentos da participação/conexões entre os atores soci- ais a nível micro e meso (bonding, bridging, linking), e onde predominam as seguintes linhas de ação: participação, filiações familiares e conexões de trabalho, pró-atividade” (Costa, Z. & Silva, C., 2018, pp. 138-139). Quanto ao tipo cultural-cognitivo, González- Gómez, (2014) argumenta que se trata de uma perspetiva relacionada com a “ideia de uma permanente construção dum capital social, através das orientações simbólico-valo- rativos macrossociais, entre os quais o seguinte: confiança, tolerância e valores da vida” (Costa, Z. & Silva, C., 2018, pp. 138-139) (Tabela 4).

Sistematizando as ideias que temos vindo a descrever, podemos dizer que, numa perspetiva mais otimista, existem duas grandes dimensões do capital social, caraterizadas

por três tipologias do capital social que podem ser descodificadas por três níveis de aná- lise do capital social. Essas dimensões (formas), tipologias e níveis de análise do capital social são: capital social cognitivo (“blocos” de construção do capital social) e capital social estrutural (participação ou conexões). O capital social cognitivo é representado por certos elementos chave do capital social, tais como: sentimento de confiança e segurança; tolerância da diversidade; e, valores da vida. Quanto ao capital social estrutural (partici- pação/conexões), os elementos chave deste capital social são os seguintes: participação comunidade local, conexões na comunidade local, conexões de trabalho, e, pró-atividade em um contexto social. A primeira dimensão do capital social (cultural-cognitivo) parece- nos que se aproxima do tipo bonding capital social, sendo micro o seu nível de análise. Em relação à segunda dimensão do capital social (relacional-estrutural) o seu nível de análise é meso-macro, na medida em que se constitui com base na tipologia bridging (meso) e linking (macro) do capital social (González-Gómez, 2014).

Tabela 4: Dimensões (formas), Tipologias e Elementos do Capital Social35

Fonte: Adaptado de Bullen & Onyx (citado por González-Gómez, 2014, p.70 e referido por Costa, Z. & Silva, C., 2018, pp. 138-139)

35 Este quadro já o apresentámos nas atas de uma conferência e no artigo Costa, Z. & Silva, C., (2018, pp. 140). Ver

O poder do bonding (vínculo) assume um papel mais efetivo na comunidade onde haja uma elevada homogeneidade a nível da etnia, religião, população indígena, comuni- dade imigrante, indígena ou outros aspetos internos da comunidade. Habitualmente, este tipo de capital social pode ser caracterizado como um capital social exclusivo. Ou seja, “a redes sociais fechadas e homogéneas (mais coesas)” (Vasconcelos, 2011, p. 23). To- davia, a força do bridging (conexões/ponte) apresenta maior eficácia no envolvendo de diferentes níveis de estratificação social da comunidade (por exemplo, pobres e ricas) ou na conexão externa dum grupo (Svendsen & Svendsen, 2009). Por outras palavras, brid-

ging, é um tipo do capital social que procura a inclusão, estando particularmente presente

nas “redes sociais abertas e socialmente heterogéneas (menos coesas)” (Vasconcelos, 2011). Quanto ao linking (rede/acesso), tal como já referimos acima, está mais presente num relacionamento entre atores sociais (indivíduos ou coletivos) ou entre as pessoas e governo (Estado, instituições governamentais) e/ou entre os grupos de diferentes estratos sociais, como por exemplo entre trabalhadores e empregadores numa sociedade (Gon- zález-Gómez, 2014).

Parafraseando González-Goméz, o capital social bonding (vínculo) e o bridging (ligação/ponte) referem-se a metáforas horizontais das relações entre os indivíduos ou comunidade, sendo o linking (conexões/acesso ou rede) referente à dimensão vertical das relações que permite os indivíduos ou comunidade ter acesso a instituições do setor pú- blico ou privado (González-Gómez, 2014, p. 57). Assim sendo, ainda somos a relevar que, na perspetiva dos trabalhos de Woolcock para o Banco Mundial, “o linking capital social pode facilitar o acesso a recursos, ideias e informações de instituições formais além da comunidade” (González-Gómez, 2014, p. 57), e que para Woolcock “sem os dois úl- timos tipos de capital social, as sociedades não avançam” (Vasconcelos, 2011, p. 29).

Parece-nos que é ainda de ressalvar que as dimensões do capital social estrutural- relacional (macro) e cultural-cognitivo (micro) não são mutuamente exclusivas. A dimen- são estrutural refere-se a redes mais ou menos institucionalizadas, enquanto o capital so- cial cultural-cognitivo, diz respeito à reciprocidade e à disposição para cooperar (Oorschot, Arts & Gelissen citado por Gómez 2014, p. 50). De assinalar que Paxton (1999) sublinha que estas duas dimensões do capital social podem igualmente ser inter- pretadas como as associações objetivas entre o individuo e o tipo subjetivo de vínculos

relacionados com a confiança, a reciprocidade ou uma emoção positiva em evolução (González-Gómez, 2014).

De acordo com Gotto et al. (2010), o capital social é construído por certas dimen- sões chave, tais como: sociedade e individual (scope), e cognitivo e estrutural (form). De salientar que as estruturas sociais e as relações que constituem o capital social podem ser governadas por instituições do Estado, normas sociais e ou culturais e valores (Grootaert & van Bastelaer, 2001; Gotto, et al., 2010). Segundo Narayan & Cassidy (referido por Gotto, et al., 2010, p. 7), é ainda de acrescentar que, idealmente, todas as dimensões do capital social devem ser caracterizadas pela comunicação e o empowerment entre todos os atores sociais. Segundo estes autores, a nível individual ou microcomunitário, o capital social é geralmente menos formalizado e é influenciado pelas normas e valores dentro das redes familiares e de amizade que são caracterizadas pela confiança. A posse de ade- quado capital social nos vários níveis sociais, por exemplo a nível das organizações local, nacional ou Estado, permite o acesso privilegiado de relações institucionalizadas com o Estado e consequentemente obter contratos (Gotto, et al., 2010, p. 8).

As relações entre as tipologias e as dimensões do capital social podem ser sinteti- zadas e ilustradas no esquema seguinte.

Figura 2: Modelo de relação entre as tipologias e dimensões de capital social numa comunidade

Fonte: Adaptado de Svendsen & Svendsen (2009), González-Gómez (2014) e Adler & Kwon (2002), e descrito em Costa, Z. & Silva, C., 2018, pp. 140).

No entanto, é ainda de assinalar que o capital social é de difícil acesso em certos relacionamentos de nível macro, se as filosofias de governança forem muito divergentes. Por exemplo, entre o Estado e a nação (Estado - as pessoas) é difícil gerar formas de ligação (linking capital social), quando as partes envolvidas não concordarem com as questões críticas, tais como os direitos humanos, a liberdade de expressão ou a política económica. Mesmo assim, entre os vários tipos de capital social (bonding, bridging e

linking), cruzam-se relações de diferentes níveis. Alguns atores sociais (individuais ou

coletivos) do nível microcomunitário podem usar as redes ou as estruturas sociais espe- cificas para obterem benefícios dentro dos limites estabelecidos pelas regras de lei, nor- mas e valores (Portes, 2000; Portes & Vickstrom, 2011, Gotto et al., 2010).

1.2.2. Entre a Troca, Redes e a Escolha Racional: Síntese das Principais Teorias Socioló-