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3 CONSTRUÇÃO DO CORPUS

3.3 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE E ENTREVISTA NARRATIVA

Para a abordagem dos grupos de protesto, o tipo de entrevista utilizado empregou um misto de entrevista em profundidade e entrevista narrativa.

A entrevista representa um instrumento de coleta de dados que, diferentemente do questionário, que deve ter perguntas fechadas para ser consistente, deve ter perguntas tanto mais abertas quanto possível. Aplicável a quase todos os tipos de pesquisa social, ela deve proporcionar uma interação com influência recíproca entre entrevistador e entrevistado, fornecendo fundamentação teórica e orientação prática para a pesquisa qualitativa. (GASKELL, 2000, p. 65)

A entrevista em profundidade é um tipo de entrevista aberta, que permite ao entrevistado discorrer de forma espontânea acerca dos temas abordados (POUPART, 2010). A natureza aberta do método possibilita que aspectos não previstos pelo pesquisador aflorem e possam ser aprofundados durante a entrevista. Já a modalidade de entrevista narrativa permite investigar como os atores percebem o curso da ação, a si mesmos, os interlocutores (aliados e/ou antagonistas), o contexto (micro e macro), as motivações, os resultados, numa forma de verbalização mais espontânea e menos racionalizada, que favorece a emergência tanto das estratégias quanto dos valores e emoções.

Já utilizada como recurso metodológico na sociologia no estudo de movimentos sociais, a entrevista narrativa tende a ser associada às abordagens pós-modernistas ou pós- estruturalistas, dada a sua ênfase no entendimento da realidade como construção social (ALONSO, 2009; DENZIN, 2006; BRYMAN, 2008). Exemplos desses estudos são os desenvolvidos por Poletta (2006, p. 10), que considera a narração uma forma de ―arrumar a realidade social em enredos persuasivos, dar sentido a esquemas culturais e explicitar modelos de interação que possibilitam a mobilização‖. Para Poletta (2006), a narrativa fornece, a um só tempo, uma explicação para os acontecimentos descritos; uma relação de causa e efeito através da sequência de eventos; e um argumento ou ponto de vista normativo acerca dos eventos em questão, geralmente revelado no desfecho da história. Narrativas seriam, portanto, ―formas de discurso, veículos de ideologia e elementos dos frames de ação coletiva‖ (POLETTA, 2006, p. 11). Nesse sentido, narrativas dão-se sempre no plural e estão relacionadas a outras narrativas – ou contranarrativas –, o que remete à questão sobre quais as narrativas são hegemônicas em determinado contexto micro ou macrossocial, como essa hegemonia se constitui e se mantém e qual o lugar das narrativas ―alternativas‖ (ou não reconhecidas) nesse espaço. É aqui que entra a teoria do discurso.

As entrevistas obedecem à pauta de um ―guia‖ ou ―roteiro‖ temático (Anexo A), de uso exclusivo do pesquisador, elaborado de acordo com os objetivos da pesquisa. O roteiro de entrevista constitui peça-chave do trabalho do pesquisador. A liberdade de ordem das questões do roteiro permite que os aspectos vinculados ao tema possam surgir espontaneamente e que os assuntos sejam explorados a partir dos ―ganchos‖ temáticos. Assim, ao mesmo tempo em que permite relativa sistematização das informações por tópico focalizado, a entrevista deixa espaço para a livre associação de ideias. Cabe ao entrevistador, no manuseio deste método, estar atento aos conteúdos (esperados e não esperados) que

surgem na entrevista, estimulando o seu desenvolvimento e aprofundamento por parte do respondente.

No presente caso, a realização das entrevistas pressupôs o acesso do entrevistado à internet, preferencialmente com softwares de comunicação em áudio e vídeo (chat do Facebook, Skype e outras plataformas). Não houve dificuldade a esse respeito: todas as entrevistas foram realizadas pelo Skype e os entrevistados apresentavam grande familiaridade com esse recurso. Além disso, apenas em um dos casos houve intercorrência física (problemas de sinal), sem que isso tenha chegado a interferir no fluxo da entrevista. As entrevistas duraram, em média, uma hora.

O trabalho de campo começou pelo levantamento de grupos de protesto contra a corrupção presentes no Facebook e no Twitter. Em seguida, foi feita a filtragem entre páginas de grupos de protesto e páginas com outros fins, como grupos de discussão e debate sobre corrupção que não criam eventos. Os potenciais grupos pesquisados foram abordados por meio de suas páginas no Facebook (chat), site ou meio eletrônico, por meio de carta convite (Anexo B) que apresentava a pesquisa e solicitava o nome de um líder ou representante para a entrevista. Para selecionar quais seriam abordados, foram considerados, em princípio, os seguintes critérios:

Grupos cuja articulação e atuação se dão através das redes sociais on-line, embora os eventos de protesto que realizada possam acontecer nas ruas.

 Grupos cuja atuação nos últimos anos (2011 até o momento) tenha sido voltada à política, especialmente ao combate à corrupção ou à defesa da ética.

 Grupos voltados não apenas ao estudo, denúncia e debate, mas também à criação, articulação e promoção de eventos e mobilizações em torno de temas sociais e políticos, notadamente corrupção.

 Grupos que já tenham efetivamente criado, articulado e promovido eventos e mobilizações, preferencialmente contra a corrupção.

 Grupos que ainda estejam atuando (não tenham sido desarticulados como grupo, rede ou movimento).

 Grupos que tenham um ano ou mais de formação/atuação. Movimentos com menos idade poderiam não ter passado por fases de articulação/deslocamento suficientes para fornecer material à pesquisa.

Ao longo do Doutorado, a configuração dos grupos de protesto contra a corrupção sofreu alterações importantes, tornando inadequados alguns critérios pensados previamente (como o ―apartidarismo‖). O trabalho de campo que foi iniciado em 2014, com a seleção de alguns grupos e a realização de algumas entrevistas, tornou-se obsoleto. O cenário político instável dificultava a identificação e a abordagem dos sujeitos da pesquisa, que, envolvidos com eventos e mobilizações, mostravam pouca disponibilidade para participar. Em 2016, a busca por grupos com o perfil descrito acima nos dava outro dado interessante: a maioria deles (ou pelo menos os mais visíveis e atuantes) se autoclassifica como ―de direita‖. Em função disso, considerou-se necessário, também, ouvir grupos que se autodeclaram ―de esquerda‖, o que nos dava um perfil diferente: o de articulações em redes de movimentos sociais (também presentes na internet). Os grupos com maior visibilidade na cena política nacional nos anos recentes, importantes articuladores de ―unidades‖ dos protestos em determinados momentos, também eram outros. Decidiu-se, desse modo, por recomeçar o trabalho de campo, adaptando a seleção dos pesquisados ao novo cenário. Assim, foram enviadas ao todo 15 cartas convite, das quais 4 responderam com recusa10 e 4 não deram retorno. Ao fim, foram realizadas, entre setembro e novembro de 2016, 07 (sete) entrevistas em profundidade (on-line) com representantes ou líderes de grupos de protesto e articulações de movimentos sociais que têm temáticas políticas como suas pautas centrais (entre elas o combate à corrupção), presentes no Facebook, 5 deles com atuação nacional: Endireita Brasil, Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, Juntos Pelo Brasil, Nas Ruas, Vem Pra Rua, Movimento Brasil Contra a Corrupção.

Nenhum dos entrevistados recusou a solicitação para gravar a entrevista. As gravações foram transcritas integralmente, a partir do que foi feita a seleção e codificação de seguimentos das entrevistas em busca de contraframes de diagnóstico, prognóstico, motivações e prefigurações, bem como o lugar do significante corrupção nessas construções.

Por razões éticas e metodológicas, embora o nome dos grupos pesquisados seja citado, foi preservada a identidade dos entrevistados.

10 Entre as razões apresentadas para a recusa, foi mencionado o suposto perfil intelectual (―de esquerda‖) da

pesquisadora (segundo pesquisa no Currículo Lattes) e o perfil político da Universidade a que está vinculada (UFPE). Um dos grupos abordados recusou-se a contribuir com ―a agenda da esquerda‖, e outro temia uma análise simplista que apenas classificasse o movimento sob o rótulo de ―fascista‖.