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4 REDES, SOCIEDADE EM REDE E CIBERATIVISMO

4.3 MÍDIA SOCIAL: UMA REDUNDÂNCIA?

Os dados da Pesquisa Brasileira de Mídia mostram que as mídias sociais – expressão que se tornou comum no vocabulário sobre comunicação nos primeiros anos do século XXI – tornaram-se consideravelmente importantes no cotidiano do brasileiro conectado. Todavia, reproduzindo a pergunta de Fuchs (2014): não seria toda mídia, por assim dizer, ―social‖? O que há de específico nas mídias sociais?

A noção de mídia social remete ao surgimento do que passou a ser compreendido como a segunda geração da internet, a world wide web ou web 2.0. Forjado em 2004 por Tim O'Reilly, fundador da empresa americana O'Reilly Media, o termo web 2.0 diz respeito à transição do computador pessoal para um instrumento mais interativo e dinâmico, com a participação dos próprios usuários na criação e organização do conteúdo (FUCHS, 2014, p. 33). Embora blogs e redes sociais como Classmates e Sixdegrees já existissem desde o final da década de 1990 e o Google tenha sido fundado ainda em 1999, para O‘Reilly a web 2.0 traz uma especificidade cujo poder está na ―inteligência coletiva‖ e na ―sabedoria das massas‖. Para ele, ―os efeitos na rede resultantes das contribuições dos usuários são a chave para a supremacia de mercado na era da Web 2.0.‖ (O‘REILLY, 2006, p. 9). Com essa segunda geração de computadores, abrem-se as janelas do hipertexto: cada link direciona o usuário para outro link, de modo não sequencial e com infinitas possibilidades de fluxo e leitura13.

Hiperlinks são o fundamento da rede. À medida que os usuários adicionam

conteúdo e sites novos, esses passam a integrar a estrutura da rede quando outros usuários descobrem o conteúdo e se conectam a ele. Do mesmo modo que se formam sinapses no cérebro – com as associações fortalecendo-se em função da repetição ou da intensidade – a rede de conexões cresce organicamente, como resultado da atividade coletiva de todos os usuários da rede. (O‘REILLY, 2006, p. 9)

13 O conceito de hipertexto foi aprofundado nos estudos de Marcuschi no final dos anos 1990 e início dos anos

2000. Como explica o autor: ―[...] o termo hipertexto foi cunhado por Theodor Holm Nelson em 1964, para referir uma escritura eletrônica não-sequencial e não-linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. Assim, o leitor tem condições de definir interativamente o fluxo de sua leitura a partir de assuntos tratados no texto sem se prender a uma seqüência fixa ou a tópicos estabelecidos por um autor. Trata-se de uma forma de estruturação textual que faz do leitor simultaneamente co-autor do texto final. O hipertexto se caracteriza, pois, como um processo de escritura/ leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita.‖ (MARCUSCHI, 2004, p. 86)

Entre as características principais da web 2.0, O'Reilly (2006) enumera a descentralização radical, a confiança radical, a participação, os usuários como contribuintes, a rica experiência do usuário, o controle dos próprios dados, inteligência coletiva. A rede é ―viva‖: ela se torna mais completa e se autoincrementa à medida que os usuários a utilizam e adicionam conteúdo – incluindo informações sobre eles mesmos. Soma-se a isto o fato de que as corporações da web 2.0 programam padrões para agregar dados do usuário e gerar valor como um efeito paralelo ao uso comum do aplicativo (O‘REILLY, 2006, p. 13). Assim, crescem os bancos de dados das empresas sobre os usuários, seus comportamentos e preferências, gerando o que passou a ser chamado de big data (megadados)14.

Segundo Fuchs (2014), essa nova geração de computadores se caracterizou pela integração de diversas mídias e tecnologias, serviços on-line, ferramentas de busca, e-mail, comunicadores instantâneos (chats, messenger), entre outros. O autor observa que o surgimento dessas plataformas aumentou notavelmente o conteúdo existente na internet e abriu caminho para o surgimento das redes sociais on-line como o mais novo fenômeno do século XXI. A partir da web 2.0 proliferaram aplicativos e sites de redes sociais (como o Facebook e Linkedin), blogs e microblogs (como o Twitter), plataformas de compartilhamento de arquivos de vídeo (como o Youtube) e wikis (Wikipedia). Mais adiante, as possibilidades de comunicação e interação oferecidas por esses aplicativos foram ampliadas pelo advento da mobilidade, através dos notebooks e, mais tarde, dos tablets e smartphones. Tais possibilidades de interação, criação e manutenção de redes é o que classifica essas plataformas como ―sociais‖, fazendo delas mais do que meios de comunicação – elas são, também, espaços de sociabilidade.

O que torna os sites como o Facebook distintos é que eles são plataformas integradas que combinam muitas mídias e tecnologias de informação e comunicação, como páginas da web, webmail, imagem digital, vídeo digital, grupo de discussão, livro de visitas, lista de conexões ou mecanismo de pesquisa. Muitas dessas tecnologias são ferramentas de redes sociais. Sites de redes sociais, sites de compartilhamento de conteúdo gerado pelo usuário,

blogs, microblogs e wikis, assim como todos os outros meios, são sociais na

compreensão ampla do termo. Alguns deles apoiam a comunicação, algum trabalho colaborativo, compartilhamento de conteúdo ou construção de comunidades. Estas últimas três formas de sociabilidade, devido à ascensão de plataformas como Facebook, Linkedin, Wikipedia ou Youtube, tornaram-se as mais importantes na World Wide Web. (FUCHS, 2014, p. 6)

14 Este desenvolvimento coloca, como aponta o próprio O‘Reilly, a pergunta sobre a quem pertencem os dados.

Hoje, a questão da privacidade e da segurança dos usuários em rede é uma das principais problemáticas em torno da internet, tanto no plano político (conforme as experiências de vigilância nos Estados Unidos após os atentados de 2011) quanto pessoal.

Enfatizando a centralidade do indivíduo, Castells (2014) afirma que as redes sociais são construídas pelos próprios usuários, que as escolhem a partir de seus interesses e projetos particulares. Embora alguns sites sejam constituídos por temáticas e se voltem para nichos de usuários (por exemplo, redes profissionais e acadêmicas), as plataformas mais utilizadas apresentam uma grande heterogeneidade, com temáticas que são criadas pelos próprios usuários, que vão criando as suas ou aderindo, por afinidades e preferências, a páginas e aplicativos disponíveis na plataforma.

O mesmo autor (CASTELLS, 2014, p. 16) aponta que, desde 2002, ano da criação do Friendster, antecessor de Facebook, tem acontecido ―uma nova revolução sociotecnológica na internet: a irrupção de redes sociais onde estão representadas todas as atividades humanas, que incluem relações pessoais, negócios, trabalho, cultura, comunicação, movimentos sociais e política‖. Boyd e Ellison (2007, p. 2) acrescentam que, desde que foram criados, sites de redes sociais (SRSs) como o MySpace, Facebook, CyWorld e Bebo têm sido integrados às práticas diárias de milhões de usuários, o que se confirma pelos dados apresentados no tópico anterior. Estas autoras definem sites de redes sociais como serviços baseados na web que permitem aos usuários: a) a construção de um perfil público ou semipúblico dentro dos limites do sistema; b) estabelecimento de conexões com outros usuários, isto é, uma ―lista‖ de amigos, fãs ou seguidores; c) visualização e consulta da própria lista de conexões e das de outros usuários (BOYD e ELLISON, 2007, p. 3).

Embora usados no senso comum como sinônimos, os sites não são as redes sociais em si, mas o suporte para a manutenção e estabelecimento de redes que, como salientam Castells (2014) e Boyd e Ellison (2007), não são meramente ―virtuais‖. Os autores salientam a estreita conexão entre as redes on-line e off-line, descrevendo a sociedade em rede como um mundo híbrido, em que essas duas interfaces estão emaranhadas. Embora muitos sites favoreçam a conexão com estranhos (com base em interesses comuns, opiniões políticas ou atividades), o mais comum é que eles deem suporte à manutenção de laços fracos preexistentes ou latentes no mundo off-line.

O que torna os sites de redes sociais únicos não é que eles permitem que os indivíduos conheçam estranhos, mas sim que eles permitem aos usuários articular e tornar visíveis suas redes sociais. Isso pode resultar em conexões entre indivíduos que de outra forma não seriam feitas, mas isso muitas vezes não é o objetivo, e essas reuniões são frequentemente entre "laços latentes" (Haythornthwaite, 2005) que compartilham alguma conexão off-line. Em muitos dos grandes SRSs, os participantes não estão necessariamente estabelecendo "networking" ou buscando conhecer novas pessoas; em vez disso, eles estão principalmente se comunicando com pessoas que já fazem

parte de sua rede social estendida. Para enfatizar esta rede social articulada como um recurso de organização crítica desses sites, os rotulamos de "sites de redes sociais". (BOYD e ELLISON, 2007, p. 2)

Boyd e Ellison (2007, p. 2-4) sistematizam algumas características dos sites de redes sociais e seu funcionamento, destacando a formação do perfil (representação do eu), a formação de redes autorreferenciadas, a importância da visibilidade, as possibilidades de interação e a heterogeneidade do público como seus traços predominantes. Com base nestas autoras, algumas dessas características são comentadas abaixo.

4.3.1 Perfil

Os sites de redes sociais permitem a apresentação de um ―perfil‖, o que permite identificar aspectos relacionados à identidade e como ela é moldada dentro dessas plataformas. Normalmente, o perfil é gerado a partir da inclusão de uma foto, além de perguntas que incluem descritores como idade, localização, interesses e uma seção "sobre". Alguns sites permitem que os usuários personalizem seus perfis adicionando aplicativos específicos, conteúdo multimídia ou modificando a aparência (BOYD e ELLISON, 2007, p. 3).

O perfil traz uma dimensão da representação do eu, no sentido que Goffman dá à expressão. É como o usuário quer ser reconhecido pelo público (sua rede, seus ―amigos‖). No perfil, que pode ser público ou reservado a poucos, o usuário pode expressar gostos, ideias e aspectos que o definem. No caso das páginas pessoais, essas informações dizem respeito, além de informações básicas ou de contato, a trabalho e educação, locais onde morou ou onde já esteve, família e relacionamentos, citações favoritas, acontecimentos importantes.

Na ferramenta de busca do Facebook, é possível encontrar ―pessoas‖ (páginas pessoais), ―páginas‖ (que podem ser de comunidades ou organizações) e ―grupos‖ (que podem ser grupos abertos ao público ou restritos a uma rede, das mais diversas temáticas). As informações de perfil têm algumas especificidades em cada caso. Nas páginas corporativas, além das informações de contato, a sessão ―sobre‖ pede um resumo sobre a página (onde geralmente os grupos de protestos apresentam sua missão ou metas); declaração de autoria e produtos. Há ainda as sessões de ―curtidas‖ (onde é possível ver a evolução de números de

curtidores da página), fotos, vídeos e eventos. O topo da página inicial apresenta as principais fotos, vídeos, breve apresentação, ―amigos‖ do visitante que curtiram a página, espaço para convidar outros amigos, links de outras páginas que foram ―curtidas‖ pela página em questão, e aplicativos (do próprio Facebook ou de outras plataformas como o Twitter ou Instagram).

4.3.2 Formação de redes autorreferenciadas

Como descrevem Boyd e Ellison (2007), uma vez preenchido o perfil, o usuário é convidado a construir sua ―rede‖, buscando no sistema outros usuários com quem ele tenha (ou gostaria de ter) relacionamento. O sistema pode fazer ―sugestões‖ a partir de informações fornecidas e dos aplicativos vinculados à plataforma (por exemplo, os contatos do correio eletrônico, pessoas que estudaram na mesma universidade, trabalhadores da mesma empresa, etc.). A depender do site e do tipo de conexão (pessoal ou corporativa), os rótulos para as conexões podem ser ―amigos" ou ―fãs‖. Geralmente, as novas conexões requerem confirmação para se tornar bidirecionais. Às conexões unidirecionais dá-se o nome de ―seguidores‖ (BOYD e ELLISON, 2007, p. 3). O termo ―amigos‖ é retórico: pode representar tanto laços reais e fortes, com os quais há de fato interação regular, quanto laços fracos ou apenas latentes, como coleções de contatos ou network.

4.3.3 Importância da visibilidade

De acordo com opções de cada site, as configurações são feitas pelos usuários, que podem aplicar diferentes níveis de privacidade. A privacidade, contudo, não é um valor na rede. Antes, público e privado são campos pouco claros e o êxito está não no anonimato, mas ―na autoapresentação de uma pessoa real que está conectada com pessoas reais‖ (CASTELLS, 2014, p. 16). Boyd e Ellison (2007, p. 3) também destacam a importância da visibilidade e popularidade, afirmando que a espinha dorsal dos sites de redes sociais consiste em perfis visíveis que exibem uma lista articulada de ―amigos‖ (outros usuários do sistema).

4.3.4 Diversas possibilidades de interação

A maioria dos sites de redes sociais oferece recursos para que os usuários deixem mensagens ou ―postagens‖ (em texto, imagem, áudio ou vídeo) nos seus perfis, para comentar as postagens dos amigos, para compartilhar postagens de amigos ou páginas, além de enviar e receber mensagens privadas em texto ou áudio e vídeo. O Facebook foi pioneiro na opção ―curtir‖, mecanismo que passou a medir a aprovação social e popularidade das postagens na plataforma.

4.3.5 Heterogeneidade versus segmentação

As autoras chamam a atenção para o fato de que, embora muitos sites de redes sociais sejam projetados para serem acessíveis a públicos amplos, não é raro encontrar grupos usando-os de forma segregada conforme diferentes marcadores identitários, como nacionalidade, idade, nível educacional, linguagem, raça, sexualidade ou religião (BOYD e ELLISON, 2007, p. 4). Podemos acrescentar a essa lista as preferências e opiniões políticas.